STJ determina federalização de chacina dos Crimes de Maio

Após seis anos, ministros acolheram pedido da Procuradoria-Geral da República e atenderam demanda de Mães de Maio, Defensoria e Conectas; mortes de 5 jovens no Parque Bristol, em maio de 2006, serão investigadas pela Polícia Federal

Mães de Maio realizaram ato em frente ao prédio do MPSP na semana que os Crimes de Maio de 2006 completam 16 anos, em maio de 2022 | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade nesta quarta-feira (10/8), pela federalização das investigações da chacina do Parque Bristol, em que cinco jovens foram mortos após serem baleados por homens encapuzados, na zona sul de São Paulo, em 14 de maio de 2006 — o massacre faz parte dos Crimes de Maio. A decisão vem seis anos depois que o então procurador-geral da República Rodrigo Janot entrou com um pedido para transferir a apuração do caso para a Polícia Federal, atendendo a uma solicitação feita em 2009, por familiares da vítimas, pela Defensoria Pública e a ONG Conectas Direitos Humanos.

Os ministros acolheram a tese das entidades de que as polícias paulistas, comandadas pelo então governador Geraldo Alckmim (PSDB), e o Ministério Público Estadual (MPSP) cometeram “falhas e omissões gravíssimas” em “todo o processo investigatório do crime”. O acórdão (decisão do grupo de ministros) ainda não foi publicado, já que o julgamento aconteceu nesta tarde.

Entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, policiais e grupos de extermínio paramilitares — que testemunhas e outros indícios apontam serem formados também por policiais — mataram 425 pessoas e foram responsáveis pelo desaparecimento de outras quatro, os ataques continuaram após alguns dias, matando mais 80 civis. As mortes foram uma vingança contra os ataques da facção criminosa Primeiro Comando do Capital (PCC), que mataram 59 agentes públicos no período, entre policiais, guardas civis e policiais penais.

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Entre as vítimas estavam Israel Alves de Souza, Fernando Elza, Fábio de Lima Andrade e os irmãos Eduardo e Edivaldo Barbosa de Andrade, com idades entre 21 e 25 anos, que foram baleados por três homens encapuzados na Rua Jorge de Morais, no bairro Parque Bristol, na porta de casa enquanto conversavam. A Polícia Civil encerrou o inquérito sem apontar culpados e o MPSP pediu o arquivamento das investigações, aceito pelo Tribunal de Justiça, em 2008. Esse é o único caso que está sendo federalizado.

No incidente de deslocamento de competência, como é chamado o pedido de federalização, Janot também usou os mesmos argumentos das entidades de que a investigação da chacina deixou de realizar perícias, ignorou pistas e terminou deixando de lado todos os indícios que apontavam para o envolvimento de policiais no crime. Um exemplo é o testemunho de um sobrevivente da chacina, Fernando Elza, que declarou ter visto os assassinos saírem de um Vectra escuro que teria avistado no pátio do batalhão de polícia da área. Seis meses após a chacina, Fernando foi assassinado e a investigação acabou “interrompida bruscamente”. A informação de que pelo menos quatro PMs tinham automóveis compatíveis com a descrição acabou esquecida.

Para a fundadora do Movimento Independente Mães de Maio, Debora Maria da Silva, a decisão é significativa por atender parte da reinvindicação das famílias, mas ainda insuficiente. “Não foram apenas as mortes do Parque Bristol que aconteceram, foram mais de 500 mortes, então é justo que se federalize também os crimes da Baixada [Santista]”, critica. “São 10 anos tanto das investigações do Gaeco e da exumação do corpo do Rogério, no dia 13 de julho de 2012. Uma das maiores torturas psicológicas que a Procuradoria do Estado fez com as mães.”

No ano passado, o Ministério Público Federal arquivou a investigação de 12 assassinatos em maio de 2006, conhecido como crimes da Baixada Santista, ao alegar que o MPSP reabriu o inquérito. Entre as vítimas, está o filho de Debora, o gari Edson Rogério, morto aos 29 anos. Em junho deste ano, o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ministro Luiz Fux solicitou que os responsáveis pelos procedimentos instaurados no Ministério Público do Estado de São Paulo, no Poder Judiciário e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos fossem oficiados para prestar informações sobre o andamento e conclusão deles em até 30 dias.

https://ponte.org/maes-de-maio-cobram-ministerio-publico-por-crimes-de-2006-e-declaracao-de-promotora-que-caluniou-movimento/

Em 28 de junho, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, encaminhou relatório do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Núcleo de Santos apontando que ainda faltavam algumas diligências, como a localização de policiais militares para serem ouvidos. A Ponte procurou a assessoria do órgão e aguarda resposta.

A federalização da investigação de todos os Crimes de Maio é uma bandeira antiga das Mães de Maio. O movimento já chegou a enviar uma carta em 2012 à ex-presidente Dilma Rousseff, que nunca deu uma resposta. Quando Raquel Dodge assumiu a Procuradoria Geral da República, sucedendo Rodrigo Janot em 2017, o movimento imaginou que ela pediria a federalização dos crimes, já que era uma recomendação que fazia parte do relatório São Paulo sob Achaque, que incluía Dodge entre as autoras. Apesar disso, a promotora concluiu o mandato e deixou o cargo de procuradora-geral em 2019 sem ter feito o pedido.

Outras solicitações das Mães de Maio envolvem atendimento e reparação aos parentes, além da punição de uma ex-promotora do Gaeco, Ana Maria Frigério Molinari, que fez uma declaração em 2015 na qual lançava calúnias afirmando que havia recebido a informação de que o Movimento Mães de Maio seria formado por mães de traficantes, que, após a morte de seus filhos, em maio de 2006, teriam passado a gerenciar pontos de venda de drogas, com o apoio do PCC. O vídeo e a declaração foram usados por defesa de policiais em pelo menos dois júris populares acompanhados pela Ponte em que os acusados foram absolvidos: chacina de Osasco e dos jovens baleados com 30 tiros.

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Coordenador do programa de Enfretamento à Violência Institucional da Conectas, Gabriel Sampaio aponta que a decisão do STJ é um reconhecimento da atuação do Estado na impunidade dos crimes e que a morosidade do resultado se deve por duas situações. “Em parte, a demora do desfecho desse caso se dá pelas questões inerentes às violações e omissões nas investigações, mas tanto nós quanto familiares entendemos que essas omissões e essas violações já estão configuradas há alguns anos. Em outra parte, também pelas dificuldades do tribunal em prestar de forma mais célere a justiça nesse caso”, explica.

Agora, segundo Sampaio, as instituições federais serão comunicadas da decisão para iniciarem os trabalhos.

À Ponte, a assessoria do MPSP disse que “recorrerá da decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Não há nenhum fato novo que justifique a federalização do caso”.

Reportagem atualizada às 10h29, de 15/8/2022, para incluir resposta do MPSP.

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