Aluno denunciava guardas de universidade da PB desde 2016. Foi achado morto com tiro na nuca

    Clayton Tomaz de Souza, o Alph, denunciou violência dos guardas ao Ministério Público e relatava ameaças que sofria dos seguranças da Universidade Federal da Paraíba

    Amigo contou que Alph se inscreveu no jiu-jitsu com medo das ameaças | Foto: Reprodução/Facebook

    Clayton Tomaz de Souza, 31 anos, era conhecido como Alph pelos amigos. Estudante de filosofia da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), era conhecido por sua militância, parte dela contra violências dos guardas da faculdade. Fez ao menos duas denúncias ao MPF (Ministério Público Federal). No dia 8 de fevereiro, seu corpo foi encontrado com um tiro na nuca na periferia de João Pessoa, capital da Paraíba.

    Amigos de Alph contam que demoraram para entender que ele havia desaparecido. Passou pelo menos cinco dias sem ninguém receber notícias ou vê-lo em algum lugar até entenderem que era algo grave e não somente um dos sumiços recorrentes.

    Um deles conta que o jovem sofria de depressão e tinha surtos, mas também conhecia muita gente. Era comum ficar dias sem notícias, até que por fim aparecia. “Uma vez ele ficou sumido cinco dias até descobrirmos que estava na casa de uma namorada”, relembrou um dos amigos.

    Dessa vez, esse encontro não aconteceu. No dia 8 o corpo de Clayton foi encontrado no bairro do Gramame, apontado por uma fonte ouvida pela reportagem como “conhecido local de desova de grupos de extermínio” da capital. O estudante tinha uma marca de tiro em sua nuca e a família reconheceu o corpo.

    Um amigo conta que as denúncias de Alph ao setor de segurança da UFPB começaram em 2016. À época, uma roda cultural era feita na Praça da Alegria, dentro da universidade, com maracatu e instrumentos.

    A festa ocorria de noite e durava além das 22h, horário em que as aulas encerravam. Isso gerava insatisfação dos seguranças, conta o aluno A.F.N., que pediu para ser identificado com suas iniciais.

    O estudante lembrou que era normal os guardas agirem com agressividade ao encerrarem a festa, apagando a fogueira que eles faziam e agredindo quem estivesse no local. “Teve uma vez que ele foi preso na festa, não passou por audiência de custódia e o levaram para o presídio. Voltou de cabelo raspado e todo roxo”, relembrou.

    Alph decidiu, então, ficar meses na casa de sua família em Arcoverde, cidade no estado de Pernambuco e, quando voltou, passou a gravar as violências e cobrar respostas da reitoria da universidade. Um avanço seria um termo de ajuste de conduta firmado pela universidade com o MPF, mas que, segundo o amigo de Clayton, não mudou a realidade.

    Ele conta que os guardas seguiam atuando da mesma forma e o MPF se baseou no termo para afirmar que teria feito algo. Alph, então, passou a denunciar publicamente ameaças que sofria dos guardas.

    “Guardinha terceirizado achando que é polícia, jurando que serve a um estado. Ameaça minha pessoa e a UFPB finge não ver”, denunciou o estudante de filosofia, em publicação no Twitter feita em 12 de setembro de 2019. “Meu sangue vai aspirar nas mãos de vocês quando eles fizerem o que tanto dizem que farão a mim e a outros e outras”, completou.

    Os relatos dos amigos são de que Clayton manteve a mesma atitude contra as práticas violentas dos seguranças até este ano. Sem obter respostas, ele teria feito ao menos duas representações no MPF (Ministério Público Federal) para investigar os seguranças da UFPB.

    Alph era natural de Arcoverde, em Pernambuco | Foto: Reprodução/Facebook

    Em entrevista ao G1, o procurador do MPF José Godoy explicou que recebeu um dossiê contra a universidade em fevereiro de 2016, mas o inquérito foi arquivado. Desde o ano passado, outro inquérito corria e Alph era uma das testemunhas, mas foi morto antes disso.

    A.F.N., amigo de Alph, conta que eles se aproximaram quando houve ocupação à reitoria da UFPB em 2016. Um dos guardas da universidade teria apontado uma arma para os dois, que teriam então o enfrentado. “Ali ele ganhou o meu respeito, senti que era alguém que ia até o fim”, relembrou.

    O estudante, que estuda no Centro de Ciências Exatas e da Natureza, afirmou que se afastou em 2018 do campus, momento em que Alph ampliava sua ação e suas denúncias contra os guardas.

    “Os guardinhas começam a ser quadros que não entraram na PM ou GCM (Guarda Civil Metropolitana), ou expulsos delas, não propriamente pessoas ali somente trabalhando, mas uma coisa de colocar o brucutu para fazer o trabalho sujo e isso vai avançando”, contou A.F.N.

    Estudantes protestaram na universidade no dia 18 de fevereiro por conta da morte de Alph. Eles cobravam da reitoria respostas sobre o assassinato e também homenagearam o amigo.

    De acordo com a Polícia Civil da Paraíba, a investigação analisa um dos vídeos em que Alph denuncia ameaças dos seguranças. “Vamos ouvir os seguranças da UFPB, todos vão ser convocados a prestar esclarecimentos”, afirmou o delegado Carlos Othon ao G1.

    A Ponte questionou a UFPB sobre as denúncias que Clayton Tomas de Souza fazia em relação à truculência dos guardas e também sobre as ameaças que relatou nas redes sociais e aguarda um posicionamento oficial.

    A reportagem solicitou ao MPF detalhamento das denúncias feitas pelo aluno e aguarda resposta.

    A Ponte tentou contato na tarde deste domingo (23/2) com a Secretaria da Segurança e Direito Social pelo telefone informado no seu site oficial, mas não foi atendida.

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