Cabo admite que ajudou PMs a adulterar cena de possível execução

Justiça aceitou denúncia de homicídio qualificado e fraude pela morte de engenheiro pelos policiais Cristiano Procópio Magalhães, Alex Medeiros Borges e Dimas dos Santos Silva, em SP, presos desde 14 de julho por ordem do TJM; Tiago Silva, que estava de folga, admitiu à Corregedoria que retirou saco de areia do batalhão para cobrir sangue no asfalto

A câmera de vigilância registrou a viatura à frente do veículo a caminho de uma rua sem saída na periferia da zona sul de São Paulo, que fica a 1,5 km do local onde o homem foi parado. Na imagem, o carro que Vinicius Oliveira estava. | Foto: reprodução/Polícia Civil

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) aceitou a acusação de homicídio qualificado e fraude processual contra o sargento Cristiano Procópio Magalhães e o cabo Dimas dos Santos Silva e de fraude processual contra o cabo Alex Medeiros Borges pela morte do engenheiro Vinícius Texucla Oliveira, 36, em 11 de julho. A Corregedoria da corporação havia solicitado a prisão do trio três dias depois após divulgar imagens de câmera de segurança que indicariam execução e adulteração de provas. A decisão foi publicada em 12 de agosto.

Imagens divulgadas pela TV Record na ocasião mostram uma viatura se aproximando de um carro que estava parado às 2h04 da manhã na rua Antônio Comenale, em Parque Cocaia, área do 27º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano). No local, o motorista do carro abre a porta do veículo e cai no chão. Nesse instante, três policiais saem da viatura e colocam novamente o motorista supostamente ferido no banco de trás do carro, logo um dos policiais assume a direção do veículo enquanto os outros dois entram na viatura e seguem o carro da vítima para outro local.

A filmagem ainda apresenta cenas posteriores a este fato, quando poucos minutos depois policiais teriam simulado um confronto com o motorista. A câmera de vigilância registrou a viatura à frente do veículo a caminho de uma rua sem saída na periferia da zona sul de São Paulo, que fica a 1,5 km do local onde o homem foi parado. Ali segundo o jornal, o veículo do motorista baleado teria ficado encurralado em um beco pela viatura.

Depois, outro registro revelou que, três horas após a morte do homem, manchas de sangue no asfalto foram ocultadas por um motociclista que jogou areia sobre a área. O homem foi identificado como o cabo Tiago Vieira da Silva, lotado no 27º BPM/M e, na ocasião, estava de folga e teria sido chamado pelos outros policiais para adulterar a cena, segundo a denúncia do Ministério Público Estadual e também ofício da Corregedoria da PM que a Ponte teve acesso.

Ele decidiu ir à Corregedoria da corporação após ver reportagens com os vídeos que tratavam do caso e admitiu ser o motociclista que joga a areia no asfalto. No termo de declaração à PM, que data de 14 de julho, o cabo disse que foi por vontade própria saber da ocorrência de morte envolvendo os colegas após ter recebido ligação de Cristiano Magalhães e que o saco de areia jogado no asfalto era do batalhão em que atuam. O TJ-SP também acatou a acusação de fraude processual contra Tiago feita pela promotor Alexandre Cid de Andrade. O cabo segue em liberdade. A Corregedoria da PM e o MPE não solicitaram a prisão dele.

Trecho do depoimento de Tiago Vieira à Corregedoria da PM | Foto: Reprodução

No boletim de ocorrência, os PMs deram a versão de que o homem teria sido morto durante um confronto em uma tentativa de abordagem, na esquina das ruas Particular com a Canção Popular, no bairro de Jardim Lucélia, local diferente do registrado pelas câmeras. Além disso, alegaram que havia mais de uma pessoa no carro, que fizeram o acompanhamento até a área do 50º BPM/M, onde “os indivíduos pararam o veículo, desembarcaram e ocorreu o confronto”. Um indivíduo foi ferido e socorrido pela equipe médica do Pronto Socorro do Hospital Grajaú, onde morreu. De acordo com o laudo necroscópico, Vinícius foi atingido por um tiro no tórax e por outro nas costas, falecendo por hemorragia.

O juiz Marcus Alexandre Manhães Bastos, da 3ª Vara do Júri do TJ-SP, também determinou que Cristiano, Alex e Dimas fiquem presos preventivamente (sem prazo determinado) porque podem oferecer riscos à instrução do processo. Os três já estavam presos após representação da Corregedoria da PM que foi acolhida pelo Tribunal de Justiça Militar.

“Trata-se de Policiais Militares em contexto de aparente execução de indivíduo, sem que exista qualquer indicativo de que se trate de delinquência em situação sequer próxima ao confronto”, escreveu o magistrado. “A soltura dos acusados pode, ante toda evidência, representar graves riscos à ordem pública e à instrução processual. Contam com conhecimento técnico considerável e, diante das circunstâncias do caso, pode se estar diante de pessoas dadas à satisfazer suas vinganças pessoais atingindo o ponto de suprimir vidas humanas, sem nenhuma justificativa aparente para tanto.”

O que dizem as defesas

O advogado Mauro Ribas, que representa Cristiano, Alex e Dimas, disse que os acusados são inocentes e sustenta que que seus clientes agiram em um confronto, apesar de a Corregedoria da corporação, a Polícia Civil e o Ministério Público apontarem que Vinicius estaria desarmado.

Sobre as imagens, declarou que a defesa vai elencar durante o processo os motivos que levaram os PMs a carregarem Vinicius para o banco de trás do carro e levarem o veículo para outro local distinto da abordagem, já que ainda não apresentaram a defesa prévia nos autos processo.

Procuramos o advogado Bruno Sallas Rodrigues, que representa Tiago, disse que não iria se manifestar*.

Correções

*Reportagem atualizada às 10h09, de 19/8/2021

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