Facção aliada ao PCC é responsável por 57 mortes em presídio de Altamira (PA)

    Comando Classe A promoveu ataque contra Comando Vermelho, que é maioria no Pará, onde 16 foram decapitados; especialista aponta que disputa por rota do tráfico é o que está em jogo

    Em revista realizada em presos na unidade prisional de Altamira, em 17 de junho, policiais militares encontraram celulares, carregadores, chips, baterias e 32 armas artesanais | Foto: Susipe/Divulgação

    Colaborou: Felipe Melo

    O Comando Classe A, chamada de CCA e aliada do PCC (Primeiro Comando da Capital) no Pará, promoveu a matança de 57 pessoas dentro do Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT), no sudoeste do estado – o número inicial era de 52 mortos. As vítimas eram do Comando Vermelho (CV), facção do Rio de Janeiro que domina as ações criminosas no estado, mas que vem sofrendo pressões em disputas de território não apenas na capital Belém, mas em outras regiões.

    Pelo menos 16* presos foram decapitados e suas cabeças foram chutadas pelos membros da facção rival. A cena foi gravada e disparada via Whatsapp. A Susipe (Superintendência do Sistema Penitenciário) oficializou que os líderes das facções serão transferidos para presídios federais, com dez vagas liberadas pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, em acordo com o governador do Pará, Helder Barbalho.

    Às 18h50, o governo confirmou o envio de dez líderes da CCA para unidades federais. Ao total, o estado irá transferir 46 presos, com os outros 36 para presídios no próprio Pará. No início desta tarde, Jarbas Vasconcelos, secretário extraordinário para assuntos penitenciários do Pará, confirmou que o CCA atacou a ala onde tinham presos do CV.

    O massacre teve início às 7h, segundo informações oficiais da Susipe (Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará). Presos do CCA saíram do Bloco A do CRRALT (Centro de Recuperação Regional de Altamira) e invadiram o Anexo, um espaço que divide a primeira área, onde fica a facção local, do Bloco B e onde ficam reclusos os presos ligados ao CV (Comando Vermelho).

    Integrantes do CCA fizeram dois presos rivais de reféns para entrarem no Anexo, iniciando a matança, segundo informações oficiais da superintendência. Após matar parte dos rivais, os integrantes da facção local atearam fogo na ala, matando asfixiados os demais 33 presos e chegando ao total de 52 mortos até o momento.

    “Foi um ato dirigido. Os presos chegaram a fazer dois agentes reféns, mas logo foram libertados, porque o objetivo era mostrar que se tratava de um acerto de contas entre as duas facções, e não um protesto ou rebelião dirigido ao sistema prisional”, afirmou Vasconcelos, detalhando que a estrutura antiga, feita em contêiner com alvenaria, fez com que o fogo se alastrasse rapidamente.

    Segundo o secretário, a inteligência da Susipe não identificou nenhuma possibilidade de ataque. “Temos protocolos para a maioria dos casos, mas neste específico, não tínhamos informações sobre um ataque dessa magnitude”, seguiu. A unidade abriga 311 presos, sendo a capacidade total para 200 pessoas.

    O governo do estado divulgou uma lista com 57 nomes de presos com morte confirmada ou “prováveis mortos”, conforme escrito no documento da Susipe obtido pela Ponte. Até aquele momento havia a confirmação oficial de 16 dos 57 mortos, com outros 41 prováveis.

    Os nomes incluídos na lista de óbitos confirmados são: Adriano Moreira de Lima; Bruno Whesley de Assis Lima; Carlos Reais Araújo; Deiwson Mendes Correa; Deusivan da Silva Soares; Efrain Mota Ferreira; Eliesio da Silva Sousa; Ismael Souza Veiga; Jelvane de Sousa Lima; João Pedro Pereira dos Santos; Josivan Irineu Gomes; Nathan Nael Furtado; Natanael Silva do Nascimento; Rivaldo Lobo dos Santos; Evair Oliveira Brito; e Gilmar Pereira de Sousa.

    Na listagem de “prováveis mortos” estão Admilson Bezerra dos Santos; Ailton Saraiva Paixão; Alan Kart G. Rodrigues; Alan Patrick dos Santos Pereira; Alessandro Silva Lima; Amilton Oliveira Camera; Anderson dos Santo Oliveira; Anderson Nascimento Sousa; André Carlos Sousa Patrício; Bruno Rogério Andrade; Cleomar Silva Henrique; Clevacio Soares Queiroz; Diego Aguiar Figueiredo; Diego Walison Sousa Reis; Diogo Xavier da Silva; Domingos Fernandes Castro da Silva; Douglas Gonçalves Viana; Delimarques Teireixa Pontes; Francisco Claudizio Ferreira; Geidson da Silva Monteiro; Hugo Vinícius Carvalho; Itamar Anselmo Pinheiro; Jeová Assunção da Silva; João Nilson Felicidade; José Brandão Barboza; José Francisco Gomes; Josivan Jesus Lima; Josicley Barth Portugal; Josué Ferreira da Silva; Júnior da Silva Santos; Kawe Reis Barbosa; Leonardo Dias Oliveira; Luilson da Silva Sena; Marco Saboia de Lima; Renan da Silva Souza; Rogério Pereira de Sousa; Sandro Alves Gonçalves; Valdecio Santos Viana; Vanildo de Sousa Guedes; e Wesley Marques Bezerra.

    Os familiares estão na porta do CRRALT desde o meio-dia e receberam as primeiras informações sobre mortos apenas no início da noite. Outros parentes optaram por esperar em frente ao IML (Instituto Médico Legal) de Altamira, mas também estão sem saber como estão seus familiares.

    “Algumas famílias estão aqui no IML, não tem nenhuma noticia aqui. Estamos aguardando chegar os corpos para serem reconhecidos, não tem nenhuma novidade, não sabemos de nada”, explica uma pessoa cujo parente está preso. “Essa dor é muito profunda. É muita apreensão. Tenho um pouco de esperança, lá no fundo, é muito angustiante. As famílias estavam lá no entorno [do presídio]”, diz.

    Até aquele momento, por volta de 17h, o número oficial era de 52 mortos, mas a Susipe oficializou que o número aumentou para 57. Isso porque a polícia ainda não tinha conseguido entrar em todo o espaço incendiado pelos integrantes da CCA. Como a área é feita com base em contêiner, o calor impossibilitou a entrada automática, foi preciso esperar o resfriamento para recolher e contar os corpos.

    Com o aumento nos homicídios do massacre ocorrido em Altamira, a matança se torna a maior ocorrida em presídios brasileiros em 2019. Nos dias 26 e 27 de maio, um outro massacre foi registrado em quatro presídios de Manaus, totalizando 55 mortos em suposto conflito entre fações – há versões que apontam para discordância interna na FDN (Família do Norte) e outra para embate da FDN com grupos rivais.

    Dinâmica local das facções

    O que está em jogo na disputa entre facções é a rota do tráfico de drogas. O território paraense, de predominância do CV, é estratégico para a rota amazônica, que ganhou importância depois que o PCC dominou por completo a “rota caipira”, que tem como porta de entrada Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, como explica Roberto Magno Reis Netto, mestre em segurança pública pela UFPA (Universidade Federal do Pará) e doutorando em geografia aplicada à segurança na mesma instituição.

    “Embora elas tenham uma miríade de atividades patrocinadas, certamente o tráfico de drogas é o cabeça. Até por causa do caráter estratégico que a rota amazônica tem nesse exato momento no contexto nacional. Quando houve o rompimento do CV e o PCC, que atualmente é quem domina em larga escala a rota caipira, a rota que vem pelo Rio Amazonas, pelos rios locais, adquiriu uma força muito grande por meio da FDN [Família do Norte, também presente no Pará e aliada ao CV] e para a nossa região mais especificamente”, explicou Netto. 

    Há no Pará, também a presença, ainda que tímida, da PGN (Primeira Guerrilha do Norte), aliada ao CV. As características do CCA também se assemelham ao PCC: “uma postura mais estratégica, simbiótica ao Estado e às instituições”, explica o pesquisador.

    Roberto Magno Reis Netto explica que a tensão entre as facções na região é velha conhecida. “A novidade foi a deflagração do confronto. Nós temos pessoas competentes na inteligência do estado atuando, mas é impossível prever com 100% de certeza esse tipo de ocorrência”, explica.

    Há pouco mais de um mês, em 17 de junho, uma revista foi realizada no Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT), quando o GTO (Grupo Tático Operacional), formando por policiais militares, encontrou celulares, carregadores, chips, baterias e 32 armas artesanais.

    Quase metade dos presos no Pará são provisórios e assim como acontece em outras unidades do estado, a unidade prisional de Altamira tem presos condenados e outros que ainda não foram julgados.

    *Reportagem atualizada às 18h para incluir informações sobre a lista de mortos, a transferência dos presos e corrigir dados envolvendo o total de vítimas e pessoas decapitadas, conforme correção da Susipe.

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