Futebol para valorizar ações sociais, paz e integração na periferia

    Festival DoLadodeCá reforça a importância do futebol de várzea como meio de transformação social e como expressão da cultura periférica. Os mais tradicionais times de futebol varzeano de São Paulo participam do evento

    Por Renata Asp e Sólon Almeida

    festival doladodeca
    Equipes se preparam para o jogo | Foto: Guma

    A transformação social promovida dentro e fora da várzea pode ser notada no próprio entorno do CDC Jardim Ibirapuera, onde aconteceu a primeira rodada do festival. O campo fica entre ruas e vielas, favelas e comunidades mais desenvolvidas. Para assistir os jogos, moradores e convidados se voltam para o mesmo futebol, dividindo grades, lajes e janelas.

    Há 52 anos no bairro, o comerciante João da Silva tem uma barraca de frutas ao lado de onde acontecem os jogos. “O campo é muito importante para a vizinhança não só pelo lazer mas porque ajuda a integrar o bairro. É jogando e torcendo que você vê o pessoal da favela e o pessoal das casas de alvenaria convivendo pacificamente e se relacionando. Antigamente tinha uma divisão desses moradores”, disse o comerciante, que também trabalha na área desde 2009.

    Os times estão empenhados em contribuir para a melhoria das comunidades. As equipes atuam na distribuição de roupas, cestas básicas e patrocinam festas comunitárias de Natal, Páscoa e Dia das Crianças. No Inajar de Souza, da Vila Nova Cachoeirinha, por exemplo, a equipe mantém duas escolinhas, Inajarzinha e Só Gandaia, para 381 garotos da região. “Nós não somos comunidade. Comunidade é palavra da elite. A gente é favela. Temos poucas oportunidades e poucas saídas. Não temos diversão. Nossa diversão é o jogo e todos esperamos por ele aos sábados. Mesmo não tendo recurso suficiente, não deixamos nenhuma Dona Maria passar fome. Juntos nós conseguimos ajudar os necessitados”, disse Marcia Piemonte, filha do fundador da equipe e atual presidente.

    Poeta Sergio Vaz e Tatiana Ivanovici, organizadora do festival | Foto: Guma
    Poeta Sergio Vaz e Tatiana Ivanovici, organizadora do festival | Foto: Guma

    Os jogos amistosos do festival celebram a união dos times de várzea com a participação das torcidas e comunidades. “O festival é para isso. Fortalecer uma cultura de ações sociais, paz e integração”, disse Tati Ivanovic, coordenadora da rede DoLadodeCá, plataforma de comunicação focada na valorização da economia local de favelas e bairros carentes do país.

    Para se manter financeiramente, os times dão uma drible na crise e encontram maneiras criativas de fazer caixa. No Nove de Julho, da Casa Verde, a saída foi a moda e a música. “O time tem uma linha completa de roupas que vendem bem. Tem vestido, regatinha, camisa baby look para mulheres e os tradicionais bonés, jaquetas e bermudas. Vamos lançar no ano que a coleção de calças e bermudas jeans”, disse o Pitu, presidente do time. O Nove de Julho tem uma loja própria em shopping na rua Voluntários da Pátria, em Santana. Na música, o time espera lucrar com o lançamento de um álbum e a turnê de um grupo de rap a partir de fevereiro do ano que vem. “É uma ideia ousada. Vamos lançar um grupo chamado Bang Louco que será formado por integrantes de cinco grandes grupos de rap. Tem o Facção Central, o Sistema Negro, Tribunal MCs, Loucas Horas, Lauren e Consciência Humana. Em fevereiro sai o disco e já começa a turnê com shows grandiosos”, disse Pitu.

    O presidente do Ponte Preta do Jardim Leme, de Taboão da Serra, também aplicou a tática do jogo de cintura para financiar as atividades do time. Como o nome Ponte Preta já é usado por um time profissional, a equipe de várzea criou a sigla AFirma (Associação Favela, Igualdade e Respeito ao Menor e Adolescente), que é a ONG do time e também a marca de camisetas, bonés, blusões, moletons, entre outras peças, vendidas na loja do time no Facebook. “A marca é bastante conhecida e as roupas vendem bem”, disse Nego Marcos, presidente do Ponte Preta do Jd. Leme.

    Dezoito equipes participam do festival jogando uma vez cada. O time vencedor leva um troféu e o adversário uma placa comemorativa. A torcida mais animada do festival vai ganhar um bandeirão com o brasão do time. Já a narração dos jogos fica por conta do coletivo Narra Várzea, que reúne ex-jogadores, poetas, jornalistas e rappers nos comentários e reportagens durante as partidas. “A primeira função do bang é sócio-cultural e educativa. A gente quer trazer para dentro da várzea todo a cultura que já existe ao redor, que são o rap, a poesia e os saraus“, disse o narrador Alex Barcellos, do Narra Várzea, junto com Marco Pezão, Kennyaata, Fino du Rap, Dugueto Shabazz, Eduardo Brechó, entre outros. “A várzea é vida e agora está em transformação, buscando mais a discussão social e abrindo espaço para a poesia. Estou na várzea há 30 anos e ela estava num declínio muito grande. Com incentivo das torcidas, com os campos sintéticos e a recuperação dos CDCs (Clubes da Comunidade) ela está voltando com força”, disse Marco Pezão.

     

    A torcida na várzea também passa por uma evolução profunda. As equipes têm torcedores fanáticos e que entendem muito de futebol. As mulheres estão conquistando um espaço importante nas torcidas cada vez mais apaixonadas. “A gente não vê torcidas com tantas mulheres na várzea como no Vida Loka“, diz Talita Silva, de 25 anos, uma das representantes da torcida feminina da Favela da Felicidade, onde nasceu o time. As mulheres que seguem o Vida Loka têm até um grupo no Whatsapp nomeado como As VidaLokences, com cerca de 30 “torcedoras de verdade”, segundo Talita. “A gente não adiciona quem não entende de futebol e quem não acompanha de coração e tem amor à camisa.”

    No próximo sábado, dia 29/11, os jogos do Festival DoLadodeCá acontecem no campo Mané Garrincha, no Jardim Elba, na zona leste.

    Foto: Guma
    Torcida da Vila Fundão representada | Foto: Guma

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