Guerra às drogas foi responsável por 34% dos homicídios no Brasil, revela instituto

Pesquisa preliminar do Ipea lançada nesta quinta-feira (22/6) em encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública analisou estados de SP e RJ e as cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL) durante o ano de 2017

Pesquisador do Ipea, Daniel Cerqueira apresenta dados de homicídios atribuídos ao proibicionismo das drogas | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

A guerra às drogas foi responsável, em média, por 34% das mortes violentas intencionais no país em 2017, segundo estudo preliminar lançado nesta quinta-feira (22/6) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) durante o 17º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em Belém, no Pará.

A pesquisa Custo de bem-estar social dos homicídios atribuídos ao proibicionismo no Brasil analisou dados de homicídios em 2017 em quatro territórios diferentes e fez uma estimativa com base em outros estudos que se debruçaram em inquéritos policiais que revelassem as motivações atribuídas às mortes.

Dentre os territórios analisados, o estado do Rio de Janeiro (46,6%) lidera essa proporção, seguida das cidades de Belo Horizonte (32,2%), em Minas Gerais, Maceió (30,4%), em Alagoas, e o estado de São Paulo (27,7%).

O levantamento estimou também que o proibicionismo de drogas fez a população perder 4,2 meses de vida, por pessoa, ao nascer, o que somaria 1,148 milhão de anos potenciais de vida perdidos.

“Estamos perdendo recursos financeiros, vidas humanas, talentos que poderiam estar caminhando para o processo civilizatório do país, mas a gente esbarrou nessa herança colonial que traz duas instituições como regra: uma é a violência como mecanismo de controle social de ‘grupos indesejáveis’ e o segundo é o racismo estrutural”, afirma Daniel Cerqueira, economista, pesquisador do Ipea e conselheiro do FBSP. “É uma irracionalidade a perpetração do proibicionismo como política de segurança no Brasil”, critica.

Além disso, as mortes pela guerra às drogas, segundo a pesquisa, impactam no consumo e na renda das pessoas, que acabam tendo um custo maior para sobreviver e evitar se tornar mais uma vítima. Segundo Cerqueira, os homicídios atribuídos à guerra às drogas supõem um custo anual, chamado de bem-estar social, de R$ 50 bilhões, o equivalente a 0,77% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país.

“É como se o cidadão brasileiro tivesse que pagar um imposto de R$ 269,51 para continuar vivendo”, explica o pesquisador, que é um dos criadores do Atlas da Violência e participou da pesquisa que calculou o custo da guerra às drogas pelo sistema de justiça criminal em São Paulo e no Rio de Janeiro em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) de 2021.

Perfil das pessoas condenadas por tráfico de drogas

Na outra ponta, o Ipea também divulgou durante o evento dados preliminares da pesquisa Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas, que ainda não foi publicado.

O instituto avaliou os processos criminais de 41.100 pessoas julgadas por tráfico de drogas no primeiro semestre de 2019 nos 27 tribunais estaduais brasileiros e a margem de erro é de 3%, para mais ou para menos. A maioria desses réus são homens (87%), jovens (72%), solteiros (55%), negros (67%), com baixa escolaridade (75%), desempregado ou autônomo (66%) e com passagem anterior pelo sistema de justiça (50%), ainda que a reincidência seja baixa (17%).

Em 13% dos casos, havia algum tipo de menção na investigação se a pessoa seria integrante de alguma facção criminosa, mas, de acordo com chefe de gabinete do Ipea, Alexandre dos Santos Cunha, não foi verificado se esse tipo de informação citada nos processos é verídica.

Além disso, essas pessoas foram predominantemente presas sob suposto flagrante (92%) pela Polícia Militar (77%), em via pública (51%). Em 33% dos inquéritos, a “fundada suspeita” foi apontada como justificativa para a abordagem que resultou em um flagrante e em 17% dos processos não houve apreensão de entorpecentes com os réus, mas mesmo assim foram acusados por tráfico de drogas. Em 80% das investigações, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva (por tempo indeterminado até o julgamento).

Santos Cunha destaca que, na maior parte dos casos, a condenação considera o porte ou o transporte de drogas, e não efetivamente o ato de vender ou distribuir. “São muito raros em que são citados outros tipos de verbos como preparação, produção, importação, exportação, cultivar, colher, adquirir, comprar, receber que deveriam ser o núcleo duro [da classificação] do tráfico, em que a pessoa esteja pelo menos fornecendo, entregando ou distribuindo”, explica.

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“Apenas 4% dos processos decorrem de investigações criminais, então não tem aquela situação de um inquérito prévio, em que dessa investigação resultou em uma prisão. Isso é raro”, enfatiza o pesquisador.

*A Ponte viajou a Belém a convite do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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