‘Hip hop é um fenômeno espiritual que veio para mudar o mundo’, diz KL Jay

DJ dos Racionais MCs conversou com a Ponte sobre os 50 anos do movimento musical ,seus 35 anos de carreira nas picapes e seus planos para o futuro: “eu quero ter uma rádio”

Em 1982, Malcolm McLaren, ex-empresário dos punks do Sex Pistols, lançou o videoclipe de “Buffalo Gals“. A sequência de imagens alterna entre takes que mostram a Nova York dos anos 80  e um grupo de dançarinos que fazem os mais variados passos de breakdance. Esse foi um dos primeiros contatos de Kleber Geraldo Lelis Simões, o KL Jay, 54 anos, com o movimento hip-hop. Hoje com 35 anos de dedicação às pistas e picapes, o DJ quer deixar como lição para as próximas gerações um objetivo que ele interpreta como dever: colaborar. 

“O hip-hop ficou forte no mundo assim. Um foi ajudando o outro, que foi ajudando o outro, que foi ajudando o outro e virou esse monstro”, diz KL Jay. O DJ e integrante dos Racionais MCs prega o que ele mesmo interpreta como sua missão na Terra. “A gente veio para isso, tá ligado?”, completa. 

Esse dever / missão pode ser confirmado na trajetória do músico. Com Edi Rock, Mano Brown e Ice Blue, ele forma desde 1988 o grupo de rap mais importante do Brasil. Outra faceta da colaboração pregada por KL Jay são os artistas que têm trabalhos produzidos por meio do selo KL Música — os filhos DJ Will e Hanifah e o rapper Jota Ghetto são alguns deles.

A colaboração também está presente na festa Sintonia, que o DJ idealizou há 22 anos. O evento começou com um discotecagem de quatro horas de KL Jay, sozinho. Somaram-se a ele, em edições seguintes, o filho DJ Will e o DJ Marco (hoje à frente da Discopédia), e agora buscam uma mulher para completar o lineup. 

Para KL Jay o hip-hop é algo espiritual e foi responsável por fortalecer a cultura negra no mundo, além de libertar de uma “prisão mental” pessoas que por muito tempo foram postas em um papel subalterno pela sociedade. 

“O hip-hop deu a voz que os negros estavam procurando. A voz de quem nunca teve voz para falar cantando e se expressar dançando. Eu tenho uma tese minha que o hip-hop é um fenômeno espiritual que aconteceu no planeta Terra para dar uma mudada, para dar uma melhorada”, opina o DJ. 

O marco zero do hip-hop é 11 de agosto de 1973. Inspirado pelo que ele e seus amigos chamavam de “break-boys”, ou “b-boys”, os jovens que dançavam com malabarismos durante os curtos instrumentais de bateria (ou “breaks”) dos funks que embalavam as festas negras de Nova York (nos EUA), o jamaicano DJ Kool Herc revolucionou ao apresentar uma técnica de mixagem fundindo os “breaks” das músicas “Give it Up or Turnit a Loose”, de James Brown, e “Bongo Rock”, da Incredible Bongo Band, durante a festa festa da sua irmã no bairro South Bronx.

Em São Paulo, conta KL Jay, equipes de baile como a Chic Show, Zimbabwe, Black Mad e Kaskata’s foram algumas das que primeiro acolheram o público que curtia o hip-hop e se aventura nas pistas fazendo passinhos de breakdance. 

“Naquela época, ainda tinha muito romantismo. As pessoas iam para os bailes curtir mesmo, ouvir uma boa música, dançar e conhecer outras pessoas”, descreve uma postagem saudosa sobre a Black Mad na página do Facebook Galeria Jardim Pery Zona Norte

35 anos de carreira 

A longa carreira proporciona experiência e uma espécie de superpoder ao DJ. Ele sabe “ler a pista” adaptando o set de acordo com o público presente. “Eu vejo se o lugar tem mais preto ou mais branco. Se tem mais mulher ou se tem mais homem. Se tem mais rico, se tem mais pobre. Se a casa é luxuosa ou se é uma casa simples”, conta. 

KL Jay diz que isso permite “ler a atmosfera” e tocar o que pensa que vai render com determinado público. Em shows fora de São Paulo, por exemplo, as pessoas esperam muito por músicas dos Racionais, que integram o set para o delírio do público. 

O DJ não vê problema em tocar diversos ritmos musicais. Se diz eclético e que “gosta de música”. “Eu não gosto só de rap. Por isso que eu agradeço ter vindo dos anos 80, porque peguei o funk norte-americano no FM e também ouvi música brasileira, o rock brasileiro, que tocava muito”, diz KL Jay. 

Em casa, conta, escuta música na rádio e pôe vinis da sua coleção para rodar. O acervo soma 20 mil discos. Diz não ser adepto dos aplicativos de áudio e gosta de ouvir o que os colegas DJs estão tocando nas festas. 

Rádio de hip-hop

KL Jay para e pensa um pouco ao ser questionado sobre o futuro. Diz que planeja muitas coisas, quer ter empresas, ir para a Jamaica. Mas é quando fala em ter uma rádio que os olhos saltam e o sorriso toma o rosto. 

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“Falta uma rádio. A rádio é muito cara, eu não tenho esse dinheiro ainda. Mas uma rádio é revolucionária. Revolucionária o rap em São Paulo. Não precisa ter um alcance no Brasil. Se tiver um alcance em São Paulo…”, comenta o DJ. 

Para justificar o sonho, ele relembra a última viagem que fez a Nova York onde ouviu uma estação de rádio que só tocava hip-hop dos anos 90. “Incrível!”, definiu. 

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