Lava-Jato criou um Estado policial que ameaça os mais pobres, dizem juristas

    Juristas reunidos na Faculdade de Direito da USP disseram que a população pobre e negra das periferias é principal vítima do “clima de Estado policial” vivido pelo país

    Ato dos Juristas pela Legalidade e pela Democracia. na Faculdade São Francisco. Foto: Sérgio Silva
    Jurista Fábio Konder Comparato fala no Ato dos Juristas pela Legalidade e pela Democracia na USP. Foto: Sérgio Silva

    Decisões tomadas pelo Poder Judiciário nos últimos meses provocaram no país um clima de Estado policial que deve prejudicar principalmente aqueles que já são as principais vítimas da violência de Estado e do encarceramento em massa: a população pobre e negra das periferias. Foi o que disseram os participantes do Ato de Juristas pela Legalidade e pela Democracia, que lotou ontem o salão nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP (Universidade de São Paulo).

    O principal alvo das críticas dos juristas foi o juiz Sérgio Moro, por conta de ilegalidades que teria praticado na condução da Operação Lava-Jato, entre elas a condução coercitiva do ex-presidente Lula ou a divulgação de grampos telefônicos, inclusive de conversas pessoais sem indício de crime.

    “Moro está criando novas formas de prisão, como a prisão preventiva para obtenção de delação premiada, que não vão ficar restritas aos grandes empresários”, afirmou Marcelo Semer, da Associação Juízes para a Democracia. Segundo o juiz, toda “supressão de direitos” que é “aplaudida em horário nobre” pelos meios de comunicação acaba sendo adotada com entusiasmo pelas polícias e pelo Ministério Público. “As principais vítimas vão ser a mesma população que já superlota as cadeias, especialmente os jovens negros.”

    A defensora pública Thalita Verônica, representando a Anadep (Associação Nacional dos Defensores Públicos), foi pelo mesmo caminho. “Os processos em que atuamos já estão cheio de vícios provocados pela visão arbitrária de alguns juízes. Se nada for feito, a situação só vai piorar para as pessoas que defendemos, que são as mais vulneráveis”, disse.

    Uma das falas mais duras de Sérgio Salomão Shecaira, professor titular de direito penal da USP. “Estamos pela legalidade. Estamos pela prisão de Sérgio Moro”, declarou, sendo ovacionado pelos expectadores aos gritos de “Moro na cadeia”. Segundo Shecaira, o juiz infringiu o artigo 10 da lei de interceptações telefônicas ao quebrar os segredos de justiça dos grampos telefônicos “com objetivos não autorizados em lei”. “Sou a favor do direito penal mínimo, mas nesse caso abro uma exceção”, afirmou.

    Para Shecaira, o movimento que pede o impeachment de Dilma é um golpe de Estado feito em parceria com “aquelas seis famílias que dominam a mídia no Brasil”. Ao ouvir isso, a multidão reunida no salão nobre puxou um coro de “O povo não é bobo, abaixo a rede Globo”. Mais do que os ataques a Moro, as críticas à mídia foram as que receberam mais aplausos.

    Professor emérito da Faculdade de Direito, Fábio Konder Comparato abriu o ato e comparou Moro ao major Vidigal, personagem do romance “Memórias de um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida, que ouve de um dos personagens “Ora, a lei… o que é a lei, se o senhor Major quiser?”. “Vidigal opera hoje na capital do Paraná”, ironizou Konder.

    Aos 79 anos, Konder não conseguiu acompanhar o debate todo, cochilando em alguns momentos, mas mostrou que continua a acreditar na utopia de um Judiciário mais democrático. “Precisamos ter ouvidorias populares para fazer o controle do Judiciário”, afirmou. “Para quem disser que isso é utopia, eu digo que as utopias de hoje são a realidade de amanhã.”

    “Razões legais”

    Numa palestra realizada ontem para auditores federais em Curitiba (PR), Sérgio Moro disse que atua com base em “razões legais fundadas” e sugeriu que suas ações apenas mostraram que ninguém está acima da lei, segundo a Folha de S.Paulo. “Na lógica do direito, temos de cumprir a lei. Uma das conquistas do estado de direito é que até o príncipe está sujeito à lei. Então cumpra-se a lei”, disse.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas