Mecânico morre após ser agredido por PM em Itapevi (SP)

    Laudo aponta hemorragia como causa do óbito. Viúva afirma que marido faleceu dentro da delegacia da cidade, enquanto funcionária afirmava que convulsão era “frescura”

    Casal viveu junto durante 23 anos e teve uma filha, hoje com 17 anos. Fotos: Arquivo pessoal

    O mecânico Eduardo Alves dos Santos, de 42 anos, morreu no dia 16 de janeiro, em Itapevi, na região metropolitana de São Paulo, depois de ser agredido pelo policial militar Adriano Soares de Araújo. De acordo com a declaração de óbito, o que causou a morte foi uma hemorragia interna traumática causada por um agente contundente.

    A viúva do mecânico conta que o marido sofria de alcoolismo e que ela decidiu dar um fim ao casamento depois de ter objetos da sua casa quebrados e suas roupas rasgadas. Com medo de uma possível reação negativa do homem, Fernanda Camargo dos Santos, de 36 anos, ligou para a Policia Militar.

    Dois policiais chegaram para atender a ocorrência. De acordo com Fernanda, eles foram conversar com o rapaz, que se negou a falar. A viúva diz que, como ele “não deu atenção” aos policiais, um deles bateu em seu ombro e gritou com ele. Em seguida, o PM teria dado um empurrão no mecânico.

    “O Eduardo estava de chinelo e segurou na farda do policial, que rasgou. O PM deu uma rasteira no meu marido, que bateu com a cabeça no chão. O policial ficou louco, começou a espancar, chutar”, conta. Fernanda diz também que o outro policial que atendia ao chamado tentava o tempo todo acalmar seu companheiro de farda e separar a briga dizendo “não faz isso”. A mulher diz que, para justificar, o PM dizia: “Olha o que ele fez com minha farda”. “Ele rasgou, mas mereceu morrer? Eu falava ‘você vai matar ele’, e ele respondia: ‘mas não foi você que chamou a gente?'”, relata.

    De acordo com a advogada Yasmin Cascone, especialista em direito da mulher e membro da Rede Feminista de Juristas, a mulher agiu corretamente chamando a polícia para acompanhar a saída do marido de casa. Esse, segundo ela, é o procedimento padrão para casos como esse.

    Segundo depoimento prestado pela viúva à Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo na segunda-feira (23/1), o policial ainda teria voltado até a viatura para buscar um cassetete, que usou para agredir ainda mais o homem. Além disso, ele também teria ameaçado a mulher e a sogra da vítima com uma arma.

    Atestado de óbito de Eduardo

    A viúva diz que, depois da agressão, todos foram para a delegacia de polícia de Itapevi e o mecânico estava consciente. Lá, o policial teria negado haver agredido o homem e dito que Santos tinha reagido à prisão.

    Chorando muito, a mulher conta à reportagem que, na sequência, o marido começou a sofrer convulsões. Ela gritava que o marido estava morrendo, mas não acreditavam, relata. À Ouvidoria, Fernanda disse que escutou de uma funcionária da delegacia que a convulsão do homem era “frescura”, “abstinência de cachaça” e que ela estava cansada de ver situações como aquela na delegacia.

    “Eu tive que fazer massagem cardíaca nele. Ele morreu dentro da delegacia. Chegou a ambulância e fizeram o pronto-atendimento. Disseram que ele morreu no meio do caminho, mas ele morreu dentro da delegacia, nos meus braços. Eu senti a última respiração dele”, diz.

    O casal viveu junto durante 23 anos e teve uma filha, hoje com 17 anos. De acordo com o Boletim de Ocorrência registrado na delegacia do município, a mulher alegou que nunca sofreu violência doméstica e que não foi agredida ou ameaçada pelo marido. “Eu mesma chamei o assassino do meu marido. Não era para matar meu marido. Era para dar um auxílio. Eu jurei no caixão dele que eu ia fazer justiça nem que fosse a última coisa que eu fizesse na minha vida.”

    Ainda de acordo com o Boletim de Ocorrência, o mecânico já tinha um histórico de convulsões por conta do abuso do álcool, mas nunca tinha passado “tão mal”.

    Denúncia

    A mulher foi até a Ouvidoria acompanhada de Ariel de Castro Alves, integrante do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoal Humana (Condepe). Ele diz que espera que “seja investigado o homicídio ou até tortura seguida de morte, ou homicídio qualificado por motivo fútil”. “Ele teve tempo para parar, teve tempo para refletir. Ele foi até o carro e voltou com o cassetete e deu mais golpes. Tem também o crime de ameaça e abuso de autoridade”, afirma.

    Ainda de acordo com Alves, também precisará ser apurada a responsabilidade dos policiais militares e civis a respeito do que ele considera uma omissão de socorro. “Os policiais civis também [precisam ser investigados] já que o abuso de autoridade e as lesões corporais não foram registrados no Boletim de Ocorrência.”

    Depoimento de Fernanda Camargo dos Santos à Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo

    Segundo o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves, a denúncia foi formalizada na Corregedoria da Polícia Militar na terça-feira (24). Ele considera que a reação do PM, relatada pela viúva da vítima, foi “descontrolada”.

    “Ele estava totalmente descontrolado. O próprio companheiro dele tentou tirá-lo. [O caso] precisa ser bem analisado e investigado para que isso não ocorra. Ela chamou os policiais não para agredi-lo, mas para que não houvesse uma animosidade. E no fim resulta nisso aí? Realmente, não teve uso progressivo da força e foi um uso totalmente anormal”, analisa.

    Em depoimento, o policial disse que utilizou “os meios necessários e o uso progressivo da força para conter o autor”. Já a mulher de Santos afirma que “os chutes foram letais para ele” porque o homem estava mui to magro em decorrência do alcoolismo. “Ele estourou todas as costelas do meu marido. Estourou a bexiga, o rim, o pulmão”, denuncia.

    Ainda de acordo com o Boletim de Ocorrência do caso, a farda do policial e as algemas que foram danificadas durante a abordagem foram encaminhadas à perícia.

    Depoimento de Fernanda Camargo dos Santos à Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo

    A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP), terceirizada pela empresa CDN Comunicação, nesta quarta gestão do governador Geraldo Alckmin (PSDB), para saber se o policial sofrerá alguma punição administrativa, qual o prazo para a conclusão do inquérito na Corregedoria e quais as punições a que ele está sujeito.

    Em nota, a SSP, que atualmente tem Mágino Alves Barbosa Filho como secretário, afirmou que “o inquérito que investiga o caso está em andamento” e que “a delegacia aguarda o resultado dos laudos para identificar a causa da morte”. A pasta também informou que o comando do 20º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano está ciente da ocorrência e que abriu um Inquérito Policial Militar para apurar os fatos.

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