Metrô de SP é condenado a indenizar fotógrafo agredido por seguranças durante protesto

Desembargadores reverteram sentença de juíza e reconheceram que houve “excesso” de funcionário que agrediu Rogério de Santis em 2017; essa é a segunda condenação contra a empresa envolvendo agressão a fotojornalistas no mesmo episódio

Rogério de Santis relatou ter sido agredido ao menos oito vezes por seguranças do Metrô dentro da estação. Filmagens de outros fotojornalistas também registraram parte das investidas dos funcionários | Foto: Rogério de Santis

“Justiça foi feita”. Essa foi a sensação que o fotógrafo Rogério de Santis, 45, teve quando o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou o Metrô a indenizá-lo por danos morais após ter sido agredido por um segurança da estação Sé, da Linha 2-Vermelha, quando registrava estudantes que pediam o benefício integral do Passe Livre Estudantil e que pularam as catracas como forma de protesto em 2017, no centro da capital. “[A decisão] Tirou tudo que estava entalado na minha garganta”, completou.

O acórdão (decisão de um grupo de magistrados) foi proferido em março deste ano pela Segunda Turma Cível do Colégio Recursal Central da Capital e contém um entendimento completamente diferente da juíza Ligia Dal Colletto Bueno, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível, que negou a indenização na primeira instância. Em setembro de 2021, ela havia considerado Rogério como único responsável por sofrer as agressões do segurança Ícaro Kisilewicz Cobuci argumentando que o fotojornalista pulou a catraca e que, devido às circunstâncias da manifestação de “algazarra e depredação de patrimônio”, as ações do segurança não configuraram excesso, já que agiu em “legítima defesa”.

Já os desembargadores reconheceram que houve “excesso” por parte do funcionário da companhia e que “a agressão não se justifica”. “Dito isto, a situação vivenciada pelo recorrente foi apta a causar abalo psíquico indenizável, pois o expôs à sensação de insegurança, impotência e sofrimento, quando se encontrava no exercício de sua profissão, de sorte que, mesmo considerando o contexto dos acontecimentos, a agressão não se justifica, pois revelou reação imoderada do preposto da empresa recorrida, provocando situação aflitiva ao recorrente, que foi encaminhado à Delegacia de Polícia e à perícia no Instituto Médico Legal”, escreveu o relator Luís Scarabelli.

Porém, o colegiado (grupo de desembargadores) reduziu o valor solicitado por Rogério, que havia pedido na ação de reparação de danos 40 salários mínimos, e fixou o montante de R$ 10 mil acrescido de juros de 1% ao mês a partir do dia 18 de julho de 2017, quando ele foi agredido. Além disso, o tribunal também negou o pedido de incluir no inquérito criminal, feito pela Polícia Civil, a sanção administrativa que Ícaro recebeu do Metrô e que só foi apresentada no âmbito do inquérito civil instaurado pela Promotoria de Direitos Humanos – Inclusão Social do Ministério Público Estadual. O relator argumentou que as investigações foram arquivadas em 2018 e que, para serem reabertas, dependeriam de prova nova e que existe independência nos âmbitos administrativo, cível e penal.

Em 2018, o segurança recebeu uma carta de advertência, que é uma sanção administrativa leve, por ter contrariado “as técnicas dos treinamentos de imobilização” ao ter agredido Rogério, na qual o Metrô afirma que só teve conhecimento da violência quando recebeu outras imagens para além do circuito interno da estação que foram encaminhadas pela Promotoria de Direitos Humanos.

No âmbito criminal, o arquivamento foi proposto pela promotoria da 14ª Vara Criminal da Capital sob a justificativa de falta de “convicção sobre os elementos probatórios”, o que acabou sendo acatado pelo Tribunal de Justiça. Já no inquérito civil, que também foi acompanhado pela ONG Artigo 19, o promotor Eduardo Valério entendeu que a agressão havia sido reconhecida e a sanção aplicada, o que também foi corroborado pelo TJ-SP.

Para o advogado Augusto Luiz de Aragão, que representa o fotógrafo, a inclusão da carta disciplinar no inquérito policial poderia ser considerada uma nova prova porque, segundo ele, não houve a comunicação à Polícia Civil sobre o que aconteceu no inquérito da Promotoria de Direitos Humanos. “É uma prova importante que poderia ser reconhecida, mas o judiciário não reconheceu”, lamenta. Ele disse que não tem intenção de recorrer.

Segunda condenação

Essa é a segunda condenação contra o Metrô envolvendo agressão de seguranças contra jornalistas no mesmo episódio. Em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça determinou que a companhia pagasse R$ 6 mil ao fotojornalista Felipe Terremoto, 24, que também foi golpeado pelos funcionários na estação da Sé quando registrava o mesmo protesto que Rogério.

As imagens feitas pelo repórter fotográfico da Ponte Daniel Arroyo serviram como prova para a sentença. “Os seguranças do Metrô agiram de forma bruta demais, sem necessidade”, lembrou Felipe quando da decisão. “Uma coisa é fazer contenção de manifestante, outra é agredir todos os adolescentes.” Ele conta que tentou registrar o momento em que um rapaz era contido no chão, mas os seguranças passaram a bater nele e em outros jornalistas para pegar suas câmeras. “Quando me agrediam, tentei me proteger segurando um dos bastões, mas eles continuavam me batendo”, contou.

A sentença de condenação transitou em julgado em novembro, ou seja, não cabe mais recursos. Segundo Augusto Aragão, que também representa Felipe, o Metrô já depositou a quantia, mas ainda está retida no cartório no tribunal. Procurada pela Ponte, a assessoria encaminhou o processo de cumprimento de sentença em que passou a constar, na sexta-feira (27/5), que o valor já está disponível.

Relembre o caso de Rogério

Naquele dia 18 de julho de 2017, Rogério lembra que tudo começou quando ouviu gritos de socorro no piso inferior da estação Sé do Metrô e junto a um grupo de jornalistas se deslocou até o local, onde estavam dois manifestantes feridos. Nesse instante, um colega do fotojornalista teve sua câmera destruída por um dos seguranças. Rogério tentou apaziguar a situação, apesar disso ele recebeu em troca um golpe de tonfa (tipo de cassetete) nas costas, dado pelo segurança Ícaro. 

Ele tentou saber os motivos de tal agressão, mas foi afastado à força pelos demais seguranças, que passaram a agredi-lo diversas vezes. “Virei para ele e comecei a discutir, aí depois eu fui até ele para questionar sobre agressão a ele me deu uma cabeçada, só que um outro [segurança] veio de trás de mim e me empurrou.” Já nesse momento, outros jornalistas perceberam a agressão e passaram a gritar: “É imprensa, é imprensa”. 

Momento em que o fotógrafo é acuado e agredido na plataforma do Metrô | Foto: Reprodução G1 |

Mesmo após a cabeçada, Rogério continuou a ser acuado pelos seguranças, sobre a faixa amarela entre os trilhos e a plataforma e recebeu mais um golpe de tonfa e um soco de Ícaro, além de um novo golpe de tonfa, partindo de outro segurança.

Alguns momentos depois, ao se ver novamente próximo ao segurança que o havia golpeado, notou e apontou que​ o mesmo estava sem identificação no uniforme​. Em resposta, foi intimidado novamente. “Foi quando eu resolvi tirar uma foto, ele mandou beijinho para a câmera.” 

Na sequência, os detidos foram conduzidos para o andar de cima e Rogério foi acompanhá-los. Nessa hora, o fotógrafo tentou de novo identificar Ícaro, para embasar uma denúncia. Sem sucesso, ele seguiu com a cobertura para o lado de fora da estação, onde os manifestantes foram colocados em uma viatura do Metrô e levados para a Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom), na Barra Funda, zona oeste da capital paulista. Ao passar ao lado do segurança das primeiras agressões, recebeu mais um chute e um soco. Outras duas agressões ocorreram naquela noite dentro da estação. 

Rogério registrou segurança Ícaro Cobuci que, ao perceber que estava sendo fotografado, “manda beijo” | Foto: Rogério de Santis

Na espera da lavratura do boletim de ocorrência na Delpom ele percebeu que seu notebook de trabalho que trazia na mochila tinha uma parte quebrada. Lá ele ainda foi intimidado por Ícaro, que também estava no local. O fim da noite se deu no Instituto Médico Legal, à espera de sua vez para o exame e atestado de suas lesões.

Tanto no depoimento à Polícia Civil como no registro interno do Metrô, o segurança alegou que Rogério furou o cordão de isolamento e que ele foi o único pular a catraca e “ficou batendo a câmera em sua cara, falando que era repórter e teria o direito de acompanhar, falou que ia passar, discutiram, momento em que o autor agarrou o colete de Ícaro e puxou”. No processo, justificou que agiu em legitima defesa e foi advertido depois sobre ter usado uma técnica de desequilíbrio contra o fotógrafo que não era prevista no procedimento operacional e que achou que o capacete que Rogerio usava era de skatista.

O que diz o Metrô

A Ponte procurou a assessoria da empresa, mas até a publicação não houve resposta.

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