‘Vou provar que ele é inocente’: pai luta por justiça após morte de jovem de 34 anos em SP pela PM

Morte de Luã Henrique Rosa Góes desencadeou protestos com queima de ônibus em comunidade da cidade de de São José dos Campos, em janeiro; policiais dizem que vítima atirou, mas família contesta versão

Luã Henrique Rosa Góes com o filho de três meses. A Ponte desfocou a foto para preservar a identidade da criança | Foto: reprodução/Facebook

O mecânico Joel Rosa Góes, de 53 anos, se diz entristecido após ter procurado todos os veículos de comunicação em São José dos Campos, na região do Vale do Paraíba, no estado de São Paulo, para não ser ouvido. “Todos viraram as costas”, lamenta. “Eu não sou a favor desse negócio nem tenho envolvimento nisso, mas queimaram os ônibus porque foi o jeito deles de chamar a atenção da imprensa”, conta.

Ele se refere a moradores da comunidade do bairro Jardim São José 2, conhecida popularmente como Cidade de Deus, na zona leste da cidade, que fizeram protestos com queima de ônibus municipais em 18 de janeiro, dois dias depois que o tatuador Luã Henrique Rosa Góes, 34, filho de Joel, foi morto em uma abordagem da Polícia Militar. Cinco pessoas foram presas suspeitas pelos incêndios na mesma semana.

“Passou na TV que meu filho era do alto escalão do crime, mas ele não era. Ele foi morto porque correu [da abordagem]”, denuncia o pai.

Joel conta que o filho gostava de tatuar e às vezes conseguia tirar uma renda sobre o trabalho no bairro, mas por ser usuário de drogas, costumava ficar próximo a biqueiras (locais de venda de drogas) na comunidade. “A gente estava tentando ajudar a tirar ele da rua porque ele teve uma briga com a esposa e saiu de casa”, afirma.

Ele acredita que Luã tenha corrido da abordagem por medo, já que estava em liberdade condicional e tinha deixado ir ao fórum para assinar o papel de comparecimento mensal desde outubro de 2022, que é requisito para quem está nesse regime. Ele tinha sido condenado, em 2014, a seis anos e três meses de prisão por roubo e estava na fase final da quitação da pena. “Ele deixou de assinar porque estava sem condições de ir para Minas Gerais. Ele assinava lá em Minas e estava sem dinheiro para ir. Ficou com medo de voltar e ser preso”, lamenta o pai. “Quando ele estava na cadeia, eu ia lá, buscava e levava na saidinha. Só que agora nasceu o neném dele e a gente estava tentando tirar ele da rua.”

Joel estava no serviço quando um dos seus filhos ligou ao saber que Luã tinha sido baleado. “Eu cheguei lá, vi meu filho morto no chão, perguntei para a polícia o que aconteceu e a polícia falou que ele estava armado. Eu perguntei ‘cadê a arma?’ porque não tinha arma ali perto do corpo. Eu tenho conhecimento de quando a pessoa é morta, tem que preservar o local do crime, tem que deixar a arma lá. Aí disseram ‘não, a gente tirou quando ele estava vivo ainda’. Mas como tiraram quando ele ainda estava vivo? Deram três tiros no peito do meu filho, ele já estava morto. Me enrolaram e mandaram eu sair dali de perto”, relata.

https://ponte.org/guardas-matam-jovem-durante-briga-e-familia-contesta-versao-de-que-ele-estava-armado/

O mecânico contesta a versão da polícia de que teria havido troca de tiros. “Daí eu soube depois que disseram que meu filho estava com droga e com uma [pistola] 9mm. É mentira! Tem testemunha no bairro que diz que meu filho correu de short, sem camisa e de chinelo, não estava armado. Uma testemunha me falou que viu meu filho já rendido na parede, com a mão para cima. Quando ela entrou para casa, ouviu os tiros”, afirma.

De acordo com o boletim de ocorrência, os policiais militares David Lemes Correa da Silva, Leandro Paulo da Silva e Anselmo da Silva Gonçalves, do 41º Batalhão de Polícia Militar do Interior (BPM/I), da cidade de Jacareí, participavam de uma operação em São José dos Campos denominada “Enfrentamento contra a Letalidade Violenta” e que, durante patrulhamento pela Rua Airton Senna da Silva, viram um indivíduo que correu ao ver a viatura.

O sargento Anselmo Gonçalves e o soldado David Correa saíram do veículo e foram perseguí-lo, “entrando em várias residências, pelo caminho percorrido pelo indivíduo, até que pela residência número 47, os moradores informaram que o indivíduo havia acabado de passar pelo corredor”. Dali, dizem, fizeram uma varredura nos fundos da casa, onde teria outras moradias, como “barracos”, e o homem teria disparado contra a equipe, que não soube precisar quantos tiros foram efetuados, e que houve “revide necessário”.

Os PMs afirmam que Luã estava com uma pistola calibre 9mm. O registro não deixa claro qual dos policiais atirou, pois o texto apenas diz, sem referência, “recorda-se de efetuar 04 disparos contra a agressão sofrida”. Na ocasião, Luã estaria sem documentos e foram moradores que o identificaram num primeiro momento.

O sargento afirma que acionou o resgate o soldado diz que encontrou “uma mochila próxima a um dos barracos e no interior da mochila, encontrou 2000 papelotes com cocaína, 220 pinos com cocaína e 449 papelotes de maconha” e um revólver calibre 38.

As armas e as drogas, porém, foram apresentadas pelos policiais na delegacia depois e não no local para a perícia. Policiais de outro batalhão, o 46º BPM/I, que foram responsáveis pela preservação do local. As pistolas dos PMs também foram apreendidas só no 6º DP da cidade.

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Não há indicação no boletim de ocorrência se esse policiais utilizavam câmeras nas fardas nem há menção por parte do delegado Ed Carlos Rodrigues Dias, que determinou a abertura de inquérito sem indiciamento preliminar.

Agora, Joel tem tentado buscar imagens de câmeras e testemunhas que queiram depor sobre o caso. “As testemunhas têm medo dos policiais. Porque esses policiais estão ameaçando eles, voltaram para a comunidade, chamaram as mulheres de ‘piranha’. Eu pedi para filmarem a viatura para mim para eu levar para a Corregedoria”, afirma. “Em todos os lugares tem biqueira, eu já morei perto de uma, mas o povo de favela tem muita gente trabalhadora. Então só por isso que todo mundo é vagabundo, que tem que matar igual fizeram com meu filho? Eu quero justiça, eu vou provar que meu filho é inocente”.

O que diz a polícia

A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública sobre o caso, que não respondeu a respeito da apresentação de armas e drogas pelos próprios PMs na delegacia nem se eles usavam câmeras. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, enviou a seguinte nota:

A Polícia Militar, por meio do 46º BPM/I, realiza a Operação “Enfrentamento contra a Letalidade Violenta” no Vale do Paraíba, visando prevenir e reduzir crimes violentos. Em uma ocorrência recente, a “Operação Impacto” resultou na prisão de três criminosos responsáveis por incendiar ônibus durante protestos, com o apoio de todas as modalidades de patrulhamento. As informações sobre os policiais envolvidos na morte do indivíduo estão sendo apuradas.

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