Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores vai denunciar ameaças à liberdade de expressão

A plataforma liderada por Artigo 19 e Instituto Vladmir Herzog é fruto de uma articulação de jornalistas e comunicadores de todo o Brasil e irá acompanhar desdobramentos de denúncias nos órgãos responsáveis

A articulação conta com comunicadores de todo o Brasil e atua em defesa da liberdade de expressão e da segurança dos profissionais de imprensa | Foto: Reprodução

A Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, plataforma para denunciar e acompanhar o desenrolar de casos de ataques e ameaças à liberdade de expressão de jornalistas e comunicadores no Brasil foi lançada no final de agosto. Encabeçada pelas organizações Artigo 19 e pelo Instituto Vladimir Herzog (IVH) a plataforma também articula outras organizações, coletivos e pessoas dispostas a atuarem em defesa da liberdade de expressão.

A iniciativa também deverá promover formações, encontros, oficinas e cursos para jornalistas e comunicadores sobre temas ligados aos direitos humanos, bem como pautar políticas públicas em defesa de jornalistas e de comunicadores.

Desenvolvida entre 2018 e 2019, a Rede foi construída coletivamente junto a representantes de organizações da sociedade civil, de coletivos de mídia, jornalistas e comunicadores, entre eles a Ponte. Foram dois encontros nacionais, em 2018 e 2019, que contaram com mais de 100 participantes cada um.

Segundo, Giuliano Galli, coordenador de Jornalismo e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog, a rede começa a ser criada quando o IVH decide desenvolver algum projeto que possa enfrentar a atual realidade de aumento de ataque como jornalistas e comunicadores. “A ideia surgiu dos próprios profissionais que são esses alvos dessas ameaças”, diz. 

Com isso, segundo ele, o Instituto procurou outras organizações e jornalistas que atuam em defesa da liberdade de expressão de todo o Brasil para entender de que forma o IVH poderia incidir nesse contexto. “E aí surge a demanda de articular essas iniciativas que existem ao redor do Brasil e de criar uma ferramenta para recebimento e encaminhamento das denúncias de violações”, conta Galli.

Antonio Junião, diretor de arte e projetos especiais da Ponte Jornalismo participou de uma das reuniões da Rede. Para ele a ação é importante por possibilitar a união e o diálogo entre comunicadores e jornalistas de veículos independentes. “É muito importante as organizações, os jornalistas, os comunicadores se unirem e formarem essa espécie de coalizão porque as violências são muito parecidas para as associações, principalmente para os corpos negros e indígenas que estão na linha de frente”, diz. 

Dessa forma, Junião entende que formar uma rede de proteção vai além de lutar contra violências setorizadas, “mas também de produzir um material em conjunto, produzir rodas de conversa e informação para fortalecer a comunicação, principalmente para quem tentar minimizar o aparecimento de vários desertos de notícias que existem. A competição vivida pelos veículos nativos digitais, rádios comunitárias e comunicadores populares é muito desigual frente à mídia tradicional.” 

Por isso, o diretor de arte da Ponte avalia que a Rede deve vem como mais um instrumento para fortalecer quem está nessas frentes lutando não só contra a desinformação, mas também contra a violência física dos comunicadores que atuam na ponta: “é uma luta contra a violência física que esses jornalistas e comunicadores sofrem”.

A falta de plataformas para coibir ataques e ameaças à imprensa também foram apontadas por jornalistas e comunicadores, de acordo com o coordenador do IVH. “Criticavam muito a falta de ferramentas para eles denunciarem, o que gerava uma vulnerabilidade ainda maior, mas também uma subnotificação dos casos, como eles não tinham a quem recorrer, não tinham como fazer essa denúncia, eles simplesmente não denunciavam.” 

Essa demanda surge em um período de aumento dos ataques contra jornalistas e comunicadores. “O número de jornalistas e comunicadores que alguma vez foram vítimas de alguma violação à sua liberdade de expressão tem aumentado radicalmente nos últimos anos e no Brasil, especialmente após a eleição do Bolsonaro, aí não passou a haver um aumento dentro desses casos, mas também uma institucionalização deles. É raro a gente passar uma semana, um mês, sem que o próprio presidente ou alguém muito próximo a ele ou ministro, um familiar, faça um ataque a algum jornalista, algum comunicador”, diz Galli. 

Um levantamento da ONG Repórteres Sem Fronteiras comprova o que diz Giuliano Galli, no primeiro semestre deste ano o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos promoveram 331 ataques à imprensa. Bolsonaro atacou sozinho 87 vezes os profissionais da imprensa, 74% mais ataques do que suas investidas no primeiro semestre de 2020. Com isso, em 2021 o Brasil caiu quatro pontos na Classificação Mundial da Liberdade de Imprensa e agora a Repórteres Sem Fronteiras classifica o Brasil como um “país particularmente violento para a imprensa.”

Nesse sentido, Thiago Firbida, coordenador de Proteção e Segurança da Artigo 19 para Brasil e América do Sul, avalia que o país vive em um momento de profunda deterioração da liberdade de expressão. “Segundo o Relatório Global de Expressão, da Artigo 19, o Brasil é um dos países com maior queda no nível de liberdade de expressão no mundo. E parte importante dessa queda tem a ver com ataques contra comunicadores e jornalistas”, diz. 

Ataques que são variados e complexos, aponta o coordenador, “indo de ataques online e declarações agressivas de autoridades, passando por processos judiciais abusivos e chegando até a atentados diretos contra a vida e homicídios”. 

Diante disso, ele alega que a Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores se coloca como um canal para enfrentar a situação atual. “Para enfrentar um cenário tão complexo – que só piora – é fundamental uma estratégia articulada que reúna esforços e recursos de diferentes atores. Daí a importância da Rede e da plataforma nesse momento crucial para a democracia e os direitos humanos no país”, conclui Thiago Firbida.

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A partir das denúncias coletadas pela plataforma, Giuliano Galli diz que um mapa poderá ser desenhado sobre essa realidade. “A partir desse mapa, por que não pensarmos em políticas públicas para coibir essa realidade, mas também de dar visibilidade aos casos. Na nossa experiência nesse campo é que a gente percebe que muitas vezes o simples fato de dar visibilidade a um caso de violação faz com que uma ameaça termine, que ela não se efetive.”

Com a rede, Galli diz que os jornalistas e comunicadores vítimas deste tipo de violência poderão contar com o acompanhamento de um advogado e suporte psicológico. “O caso deles vai ser acompanhado por um advogado, eles vão ter algum tipo de suporte psicológico, mas também teremos um retrato mais preciso, mais fiel à realidade brasileira para que a partir disso possamos pautar políticas públicas em defesa de jornalistas, de comunicadores e da proteção à liberdade de expressão, que é um dos pilares do regime democrático.”

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