Sabesp e Globalsan: o quanto são responsáveis pela morte de um menino negro

    Família aciona MP para punir empresas por contratação ilegal de PM acusado de matar Guilherme; para advogada, Sabesp negligenciou ação da sua terceirizada

    Ato de 12 de julho já pedia responsabilização da Sabesp e da Globalsan pelo assassinato de Guilherme | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    Joyce Silva, mãe de Guilherme Silva Guedes, 15 anos, sequestrado e morto por seguranças privados contratados pela empresa Globalsan, empresa terceirizada da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), apresentará uma representação ao Ministério Público de São Paulo, nesta quarta-feira (14/8), pedindo a punição das empresas Globalsan e Sabesp, por meio de inquérito civil público, pelos crimes de sequestro, tortura e assassinato.

    O documento será recebido pelos promotores do caso Neudival Mascarenhas e Arthur Pinto Lemos Júnior, e destaca a responsabilidade objetiva das empresas envolvidas.

    Em linhas gerais, é a ideia de uma cadeia de responsabilidades: a empresa de segurança privada, cujo dono, um PM, e funcionário, um ex-PM, são acusados do assassinato de Guilherme, a Globalsan que contratou os serviços dessa empresa sem checar a idoneidade e que, por fim, é uma terceirizada da Sabesp, que teria, então, negligenciado a terceirização feita pela terceirizada direta.

    O pedido também aponta que os atos ilícitos das empresas configuram crimes contra a humanidade.

    Guilherme foi assassinado na madrugada de 14 de junho, quando foi sequestrado na Vila Clara, zona sul da cidade de São Paulo. Ele foi encontrado morto em Diadema, na Grande SP, cidade vizinha ao bairro. Sua morte gerou revolta na região da Vila Clara e diversos protestos.

    Um desses atos, em 12 de julho, já pedia a responsabilização das empresas na morte do adolescente. O caso é acompanhado pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, que auxiliou a família na elaboração do pedido.

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    A advogada Ana Lucia Marchiori, integrante da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que acompanha a família de Guilherme, explica as motivações do pedido de inquérito civil para apurar a responsabilidade das empresas Globalsan e Sabesp pelo sequestro, tortura e assassinato de Guilherme.

    “Temos uma série de irregularidades já comprovadas”, afirma. “A primeira delas é que um dos policiais é proprietário de uma empresa que é contratada pela Globalsan como sendo uma empresa de zeladoria, que faz portaria e não uma segurança armada, o que é vedado por lei de PMs terem empresa de segurança privada e o PM que é suspeito é proprietário dessa empresa”.

    Um ex-PM e um PM são acusados pela morte de Guilherme. O primeiro era contratado de forma terceirizada pela empresa Campos Forte Portarias Ltda. O outro é um dos donos da empresa, o PM Adriano Campos, que tem seu pai, o PM aposentado Sebastião Alberto de Campos, como sócio no negócio. Adriano está preso no presídio militar Romão Gomes, considerado pela Polícia Civil o principal suspeito pelo crime.

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    Em junho, a Ponte apontou, em reportagem exclusiva, que a empresa de Campos prestava o serviço de segurança à Globalsan de forma irregular, pois está registrada como empresa de zeladoria (portaria) e limpeza. Outra irregularidade apontada pela reportagem foi o fato de a empresa ser propriedade de um policial militar da ativa, o que é vedado pelo regulamento interno da PM paulista.

    A advogada aponta que “a legislação prevê a responsabilidade objetiva entre a empresa contratante e contratada por irregularidades ou atos ilícitos”. Sendo assim, na visão da especialista, a responsabilidade da Globalsan é direta.

    “A Globalsan é uma empresa terceirizada da Sabesp e o estatuto da Sabesp, do Código de Ética, se aplica não só aos funcionários da Sabesp e à diretoria da Sabesp, mas também aos terceirizados, que é o caso da Globalsan”, explica. Ou seja, ainda que na situação tenha ocorrido o que se convencionou chamar “quarteirização”, é possível observar responsabilidade por extensão de ambas as empresas: a contratante (Sabesp) da terceirizada (Globalsan) que terceirizou o serviço de segurança com a empresa do PM Adriano.

    “Houve por parte da Sabesp negligência de verificar que a sua terceirizada feria o Código de Ética da empresa, sendo assim responsável direta, conforme determina a lei, pelos atos praticados pela empresa terceirizada”, continua Ana Lucia.

    No pedido, completa a advogada, a família exige que o caso de Guilherme seja considerado “crime contra a humanidade”. “Isso porque há visivelmente uma ação violenta da polícia no estado de São Paulo, com um aumento do índice de violência e essa violência é praticada de forma objetiva dirigida aos jovens negros das periferias”.

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    Campos é lotado no Batalhão de Ações Especiais de São Bernardo do Campo. Os Baeps são conhecidos pelo “padrão Rota” (em referência à tropa mais letal da PM paulista) de atuação e guardam recentes episódios de violência policial, como o caso de David Nascimento dos Santos, 23 anos, que, enquanto esperava um lanche na favela onde morava, foi abordado e colocado atrás de uma viatura do Baep. Foi encontrado morto horas depois.

    Apesar do vídeo, que mostram dois suspeitos do crime contra Guilherme, a defesa do Campos afirma que ele é inocente. Segundo o delegado Fábio Pinheiro, que coordena as investigações no DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), imagens de câmeras de segurança da rua onde Guilherme foi sequestrado ajudaram a polícia a identificar e chegar até o Campos.

    O segundo suspeito de participar do crime é o ex-PM Gilberto Eric Rodrigues, procurado pela Justiça desde que fugiu do Presídio Militar Romão Gomes, conforme revelou reportagem da Ponte em 2015. Ele respondia por participação na chacina do Jardim Rosana, quando 7 pessoas foram mortas em 4 de janeiro de 2013, em frente ao Bar do Rob.

    O promotor Neudival Mascarenhas denunciou Adriano Fernandes Campos e Gilberto Eric Rodrigues por homicídio qualificado com motivo torpe, emprego de meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa de Guilherme. A prisão preventiva dos dois foi pedida pelo MP.

    Cinco anos atrás, o ex-PM e outro militar preso pularam uma cerca do presídio. A PM mentiu sobre a fuga, dizendo em documento enviado à reportagem que, dois meses depois do desaparecimento, Gilberto ainda estava preso no local.

    Em entrevista à Ponte, em junho, o tenente-coronel aposentado Diógenes Lucca foi enfático ao dizer que “um policial da ativa não pode ter uma empresa de segurança. Não pode ter nada no nome dele, não pode fazer essa atividade”.

    Se for uma empresa de outro ramo, como é o caso da Campos Forte Portarias, o PM vai estar sujeito aos próprios regulamentos disciplinares da Polícia Militar. “A empresa, para prestar esse tipo de serviço, tem que ser regularizada, tem que ter o funcionários com certificado de vigilância, tem que ter qualificação. Tudo isso é a PF que coordena”, afirmou.

    “Alguns policiais encabeçam esse tipo de prestação de serviço e acabam tendo o conflito de interesses, entre o serviço que ele executa na Polícia Militar e na Polícia Civil e o trabalho paralelo, que muitas vezes é irregular. Isso é um problema que tem que ser enfrentado”, pontuou.

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    O tenente-coronel aposentado Diógenes também chama atenção da necessidade de responsabilizar o contratante, já que, muitas vezes, o serviço regular de uma empresa do ramo de segurança privada acaba ficando caro demais e, então, se abre o mercado para empresas irregulares.

    “O sujeito, então, oferece um serviço de portaria, porque ele pode oferecer isso sem estar sob o olhar da PF, mas ele executa um serviço de segurança. Para o cliente, isso acaba sendo mais interessante”, explicou.

    “Ele tem um profissional que tá fazendo um serviço de porteiro, de fiscal de pátio, mas na verdade é um serviço de segurança disfarçado. Essa é a forma para diminuir os custos e ter um serviço de vigilância”.

    Outro lado

    Procurada, a Globalsan, apontada como proprietária do galpão e portanto a contratante do serviço da empresa do PM Campos, não se manifestou. Por WhatsApp, o diretor administrativo Eduardo Satake respondeu à Ponte, em julho, que “a empresa já prestou todos os esclarecimentos junto ao DHPP”.

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    Em nota, a Sabesp informou que o local não pertence à companhia. “Trata-se de área particular, apartada, que serve de canteiro de serviços de empresa contratada por licitação. A Sabesp lamenta o ocorrido e está à disposição das autoridades policiais no que for necessário”.

    A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública para saber como estão as investigações do caso e aguarda retorno.

    Também contatamos o Ministério Público, que informou ter ciência do documento e dessa mobilização, mas que não vai se pronunciar por enquanto.

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