Salve Sul recebe denúncias e oferece proteção contra violência de Estado

    Plataforma de defesa dos direitos humanos dá apoio às vítimas de abusos e tem atuado no combate à violência institucional no período de pandemia

    Favela do Nair, na zona sul, mostra a precariedade de moradias | Foto: Léu Britto/DiCampana Foto Coletivo

    Identificar as violações institucionais ocorridas nos espaços de políticas públicas na periferia da zona sul da capital paulista foi o mote para a criação do Observatório de Direitos Humanos Salve Sul.

    Lançada no final de 2018, a plataforma colaborativa tem por objetivo monitorar as violações de direitos cometidas por agentes do Estado e surgiu da parceria do CDHEP (Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo) com o Observatório de Direitos Humanos, que integra o CEHAL (Centro de Estudos de História da América Latina) da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).

    A plataforma recebe notificações de abusos de direitos humanos que acontecem, majoritariamente, nas regiões do Capão Redondo, Jardim Ângela, Campo Limpo e os municípios vizinhos Embu e Taboão da Serra. As notificações são realizadas pela população em geral, por meio de formulário eletrônico disponibilizado no site do CDHEP.

    “O que fazemos é captar notificações de violência institucional. O nosso interesse inicial é o nosso território de atuação, que é aqui na periferia sul, mas a gente tem recebido notificações de outras regiões do estado”, conta Ana Paula Santos, educadora social de 32 anos, uma das representantes do observatório.

    A organização tem recebido alguns casos de violência policial, mas destaca que o foco do trabalho não é esse. Para Ana Paula, a incidência das denúncias de violência policial se deve ao fato de que “as pessoas vêm na ferramenta um ambiente seguro para denunciar”. 

    Na apresentação do projeto Observatório dos Direitos Humanos – Salve Sul, há alguns exemplos de violações institucionais que são o foco de atuação do grupo: negligência médica ou omissão de socorro no SUS, cancelamento de linhas de ônibus, racionamento ou corte no abastecimento de água entre outros. “Ou seja, esse mapeamento é uma ferramenta para exigir, por meio da pressão popular, a efetivação dos direitos violados”, diz a nota.

    Foi pensando na segurança dos denunciantes que os organizadores optaram por não solicitar informações pessoais, como RG, CPF, dentre outras informações que possam colocá-los em risco. Além disso, a plataforma, cedida pela PUC, “foi testada por hackers que não conseguiram violar o sistema” e se encontra hospedada em países da Europa.

    “Queremos identificar quais violações institucionais estão acontecendo nos espaço de políticas públicas, seja de saúde, moradia, meio ambiente ou segurança pública. O intuito é que as pessoas façam registros e que, a partir dessas notificações, a gente possa desenvolver ações coletivas para atuar nessas políticas públicas. Nós não temos a intenção de judicializar as notificações individualmente, por isso não necessitamos de dados pessoais”, informa Ana Paula.

    As denúncias podem ser feitas de forma identificada ou anônima, mas é preciso deixar algum tipo de contato para que o observatório possa falar com a pessoa que fez a notificação e validar a informação, além de solicitar mais detalhes sobre o ocorrido, realizar uma curadoria e incluir as informações na plataforma. Ao denunciante, a organização tem oferecido apoio psicológico e assistência jurídica, quando necessário.

    Leia também: Campanha reúne denúncias de violações de direitos humanos durante pandemia

    Através dessa perspectiva de atuação, o observatório Salve Sul tornou-se uma ferramenta composta por uma rede de parceiros, caminhando pelo território em diversos coletivos, entidades e movimentos sociais, a exemplo da Ponte, Fórum em Defesa da Vida, Coletivo Alma Preta, Estação de Pesquisa Urbana de M’Boi Miriam, o próprio CDHEP, “que funciona como uma secretaria operativa do observatório”.

    Se aproximar da população, de suas necessidades e fragilidades evidenciou para a equipe a necessidade de se falar sobre direitos humanos e violações, para que não se perpetue a naturalização dos abusos, possibilitando o desenvolvimento de estratégias de comunicação e medidas que alcançassem a todos, a exemplo da abertura de um número de whatsapp, abrangendo os canais de notificações. 

    “Precisamos ter uma compreensão sobre o que são direitos humanos e o que são violações. Às vezes, chegam pra gente situações que são violações aos direitos, mas que as vítimas não enxergam como uma situação violadora”, finaliza Ana Paula. 

    Atuação na Pandemia

    Com o avanço da pandemia de coronavírus, uma das percepções do observatório é o aumento de denúncias relacionadas à área da saúde. Falta de equipamento de profissionais, distribuição de produtos na rede municipal de educação, violações ligadas ao sepultamento de pessoas com insuficiência respiratória, que não passaram pelo teste para detectar a Covid-19, são algumas das notificações relacionadas ao assunto que têm chegado para o observatório.

    Uma das estratégias elaboradas é o desenvolvimento de um mapa colaborativo, pelo qual é possível fazer um levantamento na região, identificando as áreas mais vulneráveis e permitindo a divulgação de ações de solidariedade que estejam acontecendo, a apresentação dos índices oficiais de casos e mortes por coronavírus e serviços de defesa à mulher.

    Idealizado pela professora Maria de Lurdes Zuquim, da FAU/USP, o mapa foi construído em parceria com o NAPPLAC (Núcleo de Apoio à Pesquisa Produção e Linguagem do Ambiente Construído) e possibilita organizar, georreferenciar e sistematizar as notificações de violações recebidas pela organização durante a atual pandemia.

    “A ideia é que a base de dados funcione para leitura do território e para pressionar o poder público. O mapa organiza as violações relacionadas à Covid-19, então conseguimos ter uma noção sobre quais áreas precisam de mais atenção”, explica a arquiteta e urbanista Ana Cristina Morais, 28 anos, responsável pelo desenvolvimento do mapa.

    Através do mapa é possível realizar uma leitura sobre em qual bairro está acontecendo mais violações de direitos humanos. Com pouco mais de um mês de funcionamento, a primeira grande ação com base nas informações geradas pelo mapa foi reportar as notificações para a Ouvidoria da Saúde da cidade de São Paulo. 

    Para Ana Cristina, um dos maiores desafios encontrados na realização do trabalho é transformar as ações digitalmente, visto que as diferenças de classe tornam evidente a falta de acesso à internet de grande parte da população. Segundo ela, a pandemia e o isolamento social têm mostrado a urgência da inclusão digital e a necessidade de expandir o acesso às tecnologias.

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    “De certa forma o Salve Sul é uma plataforma colaborativa, adaptada para o contexto que estamos vivendo. A gente sabe o quão elitizado é ter acesso à internet. A inclusão digital tem sido uma pauta para a necessidade desse novo mundo que estamos vivendo”, diz Ana Cristina, que também tem enfrentado dificuldades para obter informações dos dados referentes ao coronavírus que são passados pela prefeitura.

    “A prefeitura de São Paulo, que vinha informando o número de casos e mortes por distrito, passou a não ter uma periodicidade na divulgação dos dados”, explica Ana Cristina. 

    A alimentação do mapa é realizada por meio do formulário do Salve Sul e por reportagens publicadas em portais de notícias. Qualquer pessoa interessada pode utilizar o formulário para realizar uma notificação.

    ERRATA – Modificamos a imagem de abertura da reportagem por causa de uma informação imprecisa passada anteriormente pelo CDHEP – Salve Sul e que, em nota também incluída na reportagem às 14h43 do dia 16/6, ficou mais clara. A violência policial não é foco do observatório. O foco são outras violências “como negligência médica ou omissão de socorro no SUS, cancelamento de linhas de ônibus, racionamento ou corte no abastecimento de água entre outros”.

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