Santos declara apoio à polícia e torcida reage: “vergonhoso”

Mensagem foi exposta na Vila Belmiro na mesma semana que o número de mortes pela polícia na Baixada Santista subiu para 27 em meio à Operação Escudo; segundo clube, ação atendeu a pedido da PM

Foto da arquibancada da Vila Belmiro com mensagem de apoio à polícia | Foto: reprodução/Instagram/Ana Canhedo

Antes do início da partida contra o Novorizontino, o Santos Futebol Clube fez uma mensagem de divulgação de apoio à polícia no espaço do placar do Estádio Urbano Caldeira, mais conhecido como Vila Belmiro, neste domingo (18/2). Nela estava escrito: “Eu apoio a polícia contra o crime organizado no litoral. #EuApoioAPolíciaNoLitoral”, conforme foto divulgada pela jornalista Ana Canhedo, do ge.globo, em seu perfil no X (antigo Twitter).

A ação se deu na mesma semana em que a Baixada Santista contabilizou 27 mortes em 15 dias praticadas pela Polícia Militar, em meio a denúncias de execuções, ameaças e torturas.

A imagem exposta no estádio é a mesma publicada nos perfis do deputado estadual Capitão Telhada (PP) e do deputado federal Coronel Telhada (PP-SP), que são pai e filho, há uma semana. A assessoria do coronel disse à reportagem que não foi procurada para autorizar o uso do material, tanto que a versão exibida no telão cortou o nome de Telhada. Apesar disso, a assessoria disse que “achou ótimo” o gesto da direção do Santos, por enaltecer o trabalho da polícia no litoral.

A mensagem gerou revolta da torcida antifascista do Santos, que publicou uma nota no mesmo dia contra a direção do clube, dizendo que o pedido de apoio partiu da PM. “É vergonhoso que a direção do Santos permita que o placar eletrônico da Vila, que tantas vezes noticiou trechos da história mais bela do futebol, seja usado para transmitir uma mensagem dúbia e que reforça as ações covardes da PM na região”, escreveram os torcedores.

“Usando de puro cinismo, o alerta se disfarça com a falsa bandeira de combate ao crime para atrair o apoio dos desavisados, enquanto a ‘Operação Escudo’ tem sido uma verdadeira carnificina contra a população periférica da Baixada Santista. Já são mais de 26 mortos e diversas denúncias de tortura e execução”, prossegue a postagem do Santos Antifascista.

A torcida também considerou que faltou “senso crítico” aos responsáveis pela divulgação da mensagem sobre o que vem acontecendo no litoral e lembrou o caso do servidor público Juan Ribeiro de Araújo, 27, que, mesmo desarmado, foi baleado duas vezes a queima-roupa por um PM em São Vicente. Depois disso, PMs teriam invadido o Hospital Vicentino, onde Juan estava, e tirado fotos dele sem sua autorização, conforme denunciado por familiares.

Os abusos da Operação Escudo

Os tiros em Juan foram apenas um dos vários relatos de brutalidade policial na Baixada Santista registrados nas últimas duas semanas. A Ponte também colheu denúncias sobre as mortes do catador de latinhas José Marques Nunes da Silva, 45 anos, que teria sido sido executado enquanto implorava pela vida, e dos amigos Davi Gonçalves Júnior, 20, e Hilderbrando Simão Neto, 24, que sofria de ceracotono, uma doença que pode levar à perda da visão, todas ocorridas em São Vicente. Na mesma cidade, policiais teriam invadido casas e ameaçado uma mãe de família, dizendo: “Fala pra essa criança calar a boca, senão eu vou te matar aqui na frente dela”. No município vizinho de Santos, vizinhos relatam que policiais executaram dois amigos de infância, Leonel Andrade Santos, 36, e Jefferson Ramos Miranda, 37, que apenas conversavam na rua. A PM nega e diz que todas as mortes foram em legítima defesa.

Estas violências foram executadas no contexto de mais uma fase das Operações Escudo, ações organizadas de vingança instituídas pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para atuar em determinadas regiões após a morte de policiais. Entre 26 de janeiro e 7 de fevereiro, três policiais militares foram mortos na Baixada.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, deslocou o gabinete da pasta para Santos no último dia 7, para fortalecer o trabalho das polícias. Na tarde desta segunda-feira (19), o secretário anunciou o retorno para a capital, mas frisou que as operações vão continuar.

Derrite tem dito que as ações são decorrentes da Operação Verão, que acontece tradicionalmente no período de férias no litoral paulista, mas, em coletiva de imprensa na ocasião, admitiu que o modus operandi é o mesmo da Operação Escudo. A fase mais letal da Escudo, entre julho e agosto de 2023, matou ao menos 28 pessoas. Diversas organizações de direitos humanos denunciaram práticas de execuções e tortura pela Escudo, inclusive no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Cartolas e polícias

Não é de hoje que a direção do Santos mantém proximidade com as forças policiais. O investigador da Polícia Civil Orlando Rollo foi conselheiro do clube por sete mandatos e assumiu como presidente interino por três meses, em 2020. Na época, ordenou que o time entrasse em campo com o brasão da Polícia Civil em uma das partidas. Em 2022, Rollo foi denunciado por negociar com o PCC (Primeiro Comando da Capital) cargas de cocaína apreendidas em ações policiais.

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Outro policial que mantém proximidade com o Peixe é o delegado da Polícia Civil Nico Gonçalves. Além de ser secretário-executivo da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, ele é 2º vice-presidente do Santos e membro do conselho deliberativo do clube. Perguntado pela Ponte sobre a mensagem exibida domingo no telão da Vila Belmiro, Nico disse que não tinha conhecimento do assunto e que poderia ter sido um pedido da PM.

O que dizem os envolvidos

À Ponte, a Secretaria de Segurança Pública disse em nota que “não tem ligação com a divulgação mencionada” no placar da arquibancada do Santos.

Contrariando o governo estadual, a assessoria de imprensa do Santos disse que a iniciativa “atendeu a um pedido do coronel Marco Xavier, comandante do 6º BPMI [Batalhão de Polícia Militar do Interior]”. A assesoria afirma que “a manifestação foi institucional, apoiando uma instituição de Estado responsável pela segurança pública de São Paulo” e que, “ainda recentemente, com a participação direta do comando da Policia Militar”, iniciou “uma campanha envolvendo diretamente as torcidas organizadas visando a perfeita convivência na Vila Belmiro”.

A Ponte também procurou diretamente o comandante-geral da PM, coronel Cassio Araujo de Freitas, mas ele não retornou o contato.

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