STF concede habeas corpus para homem que furtou dois pacotes de fralda

Processo correu em quatro instâncias para decidir sobre um caso onde as soma dos produtos envolvidos era de R$ 100; crime ocorreu em julho de 2020 no Paraná

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF

O caso de um homem que foi preso por furtar dois pacotes de fraldas passou dois anos correndo por três instâncias do poder judiciário até a chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando no último dia 12 de julho a ministra Cármen Lúcia, de forma monocrática, concedeu o habeas ao réu reconhecendo o princípio da insignificância do crime.

Segundo os autos do processo, no dia 20 de julho de 2020 a Segunda Vara Criminal da comarca de Curitiba decidiu que o acusado cumprisse a  pena de um ano e quatro meses de detenção, em regime inicial aberto, e sete dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.

Seis meses depois, após um pedido de habeas corpus feito pela defesa do homem, a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade, negou a solicitação. Em março deste ano, o ministro Ribeiro Dantas do Superior Tribunal de Justiça também não concedeu o pedido de soltura do réu. Em maio, a Quinta Turma do STJ manteve a decisão de Dantas.

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“O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância ao delito de furto, quando, apesar do pequeno valor da res furtiva (R$ 100,00), as condições pessoais e as circunstâncias do caso concreto se mostram desfavoráveis. De fato, a prática de furto qualificado por concurso de agentes inviabiliza a incidência do princípio da insignificância”, diz um trecho da decisão do STJ que está no processo.

O Superior Tribunal de Justiça se baseou no fato de que, no dia que foi flagrado furtando as fraldas, o acusado estava acompanhado de outro homem e carregava uma bolsa com outros produtos, mas que não foram comprovados como sendo objetos roubados. O Ministério Público do Paraná, assim como a Procuradoria-Geral da República, se manifestaram pelo não reconhecimento do habeas corpus.

A ministra Cármen Lúcia baseou sua decisão em cima de outras resoluções tomadas pelo STF, lembrando uma sentença dada pelo ministro Luis Roberto Barroso em um caso semelhante. “A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados”, escreveu Barroso na decisão citada por Cármen Lúcia.

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Levando em consideração o baixo teor ofensivo do furto e que não houve dano algum para o estabelecimento, já que as duas fraldas furtadas foram devolvidas, a ministra decidiu dar o habeas corpus para o acusado. “Embora tenha sido comprovada a subtração de dois pacotes de fraldas no valor de cem reais, dentro de farmácia em Curitiba/PR, considerando a inexpressividade da lesão jurídica ao patrimônio do estabelecimento comercial e que os objetos foram restituídos, é de se ter por evidenciada a mínima ofensividade da conduta do agente, ausente a periculosidade social decorrente da ação”, concluiu a ministra em sua decisão.

Para Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos humanos e segurança pública pela PUC- SP, o caso demonstra que os agentes do judiciário estão muito distantes da realidade das pessoas mais pobres no Brasil e isso se reflete em suas decisões. 

“O posicionamento punitivo de promotores e juízes tem relação com as trajetórias deles. Em geral, pessoas de classes média ou alta, que nunca passaram necessidades, principalmente alimentares. Pessoas que foram criadas nas melhores casas e apartamentos, frequentando os melhores colégios, principalmente os particulares. O perfil dos operadores do direito são de pessoas que sempre viveram numa bolha, com toda proteção familiar, social e estatal”, define o advogado.

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Mesmo com a decisão da ministra, Ariel lamenta que novas decisões seguirão colocando pessoas pobres que furtam por necessidade dentro das penitenciárias. 

“Esperamos que os Tribunais de Justiça dos Estados sigam essa jurisprudência do STF, o que é difícil de ocorrer num país com um Judiciário majoritariamente elitista e racista. As fraldas deveriam ser distribuídas gratuitamente para garantir a higiene, saúde e bem estar das crianças de 0 a 3 anos, direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto da Primeira Infância. O Judiciário, ao invés de condenar as pessoas que furtam fraldas, deveria condenar prefeituras e estados a entregarem gratuitamente as fraldas para as famílias”, definiu Ariel.

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