Terras indígenas, ações policiais e tribunais militares: as pautas de direitos humanos do STF

Ministros retomaram julgamentos em plenário nesta quarta-feira (2). Papel da Corte segue sendo “barrar absurdos”, diz diretora do Conectas

Montagem com ministros do STf durante plenãrio remoto em 2021 | Foto: SCO / STF

No início dos trabalhos em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) coloca em pauta, já no primeiro dia de atuação, nesta quarta-feira (2/2) a ADPF das Favelas, que trata sobre as operações policiais no Rio de Janeiro e da letalidade gerada pelas forças de seguranças nestas ações. Esta é só a primeira de uma série de temas com foco nos direitos humanos que devem ser tratados pela Suprema Corte neste ano.

Questões como o Marco Temporal das terras indígenas, o julgamento de civis por tribunais militares e o compartilhamento de dados por empresas de tecnologia estão previstas para serem analisadas pelos ministros do STF ainda no primeiro semestre. Porém, há assuntos de grande interesse para sociedade que estão travados no Supremo e sem previsão para voltarem a ser tratados pelo tribunal. 

Um exemplo é a discussão sobre o porte de drogas para consumo próprio, que em 2022 poderá chegar ao seu terceiro ano engavetado depois de o então presidente da Corte, Dias Toffoli, atender à pressão feita pela presidência da República e pela ala conservadora do Congresso para suspender a votação. Dos 11 ministros da Corte, três votaram favoravelmente pela descriminalização do porte para uso próprio. 

Para Camila Asano, diretora de programas do Conectas, depois de sofrer diferentes ataques por parte do chefe do poder executivo e seus apoiadores, 2022 é o ano que o Supremo terá que demonstrar para sociedade a sua força e independência diante de temas tão fundamentais para a democracia brasileira.

“Foi exigido do STF um papel preponderante na defesa de direitos constitucionais e de direitos humanos durante os últimos anos do governo Bolsonaro (PL). Isso tende a se intensificar em 2022 para conter medidas que sejam abusivas e tentativas de mudanças na lei sejam aprovadas com apoio do governo e que são completamente contrárias ao que diz a Constituição”, avalia Camila Asano.

ADPF das Favelas

Por conta da pandemia de Covid-19, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as operações policiais no Rio de Janeiro não poderiam utilizar helicópteros blindados — os caveirões aéreos — como plataforma de tiros, além de restringir operações policiais em perímetros escolares e hospitalares. As discussões sobre o tema tiveram início em abril de 2020.

Desta vez, os ministros terão que decidir se irão determinar que o governo do Rio de Janeiro construa um plano em 90 dias para reduzir o número de mortes durante operações policiais nas favelas do estado, a criação de um Observatório Judicial da Polícia Cidadã, a prioridade para a investigação de operações com mortes de crianças e adolescentes e a obrigatoriedade de ambulâncias onde houver confronto armado.

Esta votação marca a estreia do ministro André Mendonça no plenário do STF. Ele foi colocado no cargo por indicação do Jair Bolsonaro que o denominou como terrivelmente evangélico.

Com mais um ministro conservador dentro da Suprema Corte, defensores dos direitos humanos lutam para que as decisões tomadas no STF continuem se pautando pela legalidade e pelos preceitos democráticos, sem se deixar levar por influências externas e fatores políticos.

A votação, que foi suspensa pelo presidente da Corte Luiz Fux e deve ser retomada nesta quinta-feira (3/2), contou com votos do relator Edson Fachin, Alexandre Moraes, Rosa Weber e Dias Toffoli a favor da proposta e de André Mendonça e Kassio Nunes (ambos indicados por Bolsonaro), contra.

“O STF tem um papel importante que é o de barrar absurdos contrários a direitos humanos que venham do governo ou  do Congresso. O Supremo também a oportunidade de poder inclusive lidar finalmente com a questão da letalidade policial, no caso do Rio de Janeiro, e ter um julgamento histórico para enfrentar a questão que passa, inclusive, pelo racismo estrutural”, declara Camila Asano.

Marco Temporal

Suspenso em setembro de 2021, a pedido do ministro de Alexandre de Moraes, a demarcação de terras indígenas é um processo que envolve diferentes interesses e toca em pontos sensíveis da história do Brasil. 

De um lado o Congresso, com apoio da bancada ruralista, governo federal, grileiros e mineradoras, tenta mudar o parâmetro de entendimento sobre a quem pertence as terras que esse grupo pretende explorar.

Do outro estão grupos indígenas, ambientalistas e defensores de direitos humanos que exigem que esses territórios sejam preservados e protegidos por lei como área pertencente aos povos originários e por isso não podem ser violados em nenhuma hipótese.

O Marco Temporal é uma tese jurídica defendida por ruralistas para restringir os direitos dos indígenas. Segundo o argumento, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988. Se não estivessem na terra, teriam que comprovar a existência de disputa judicial ou conflito material na mesma data.

“O julgamento está empatado, já teve o voto a favor do ministro Edson Fachin contra o marco temporal e o ministro Nunes Marques votando a favor. A gente está nessa expectativa, o julgamento está marcado para junho. Só que ao mesmo tempo está tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 490 que é aquele que ganhou bastante visibilidade porque houve a Marcha dos Povos Indígenas em Brasília. Esse texto busca permitir atividades econômicas até mesmo dando brecha para a mineração”, lembra Camila Asano.

Julgamento de civis por militares

Outro julgamento que está suspenso é o da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5032, que questiona a competência da Justiça Militar para julgar crimes cometidos por civis. A votação foi adiada por pedido de vista feito pelo ministro Luís Roberto Barroso. A previsão é que o texto seja votado no dia 23 de março.

De acordo com a contestação feita pela Procuradoria Geral da República, foge da  competência da Justiça Militar julgar crimes que não estão diretamente relacionados com funções tipicamente militares. Os ministros Marcos Aurélio de Mello e Alexandre de Morais já votaram contrários ao pedido PGR, enquanto Edson Fchin defende que os militares se limitem a julgar os seus pares.

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“Apenas os crimes próprios, cuja realização só é possível pelo militar, é que são alcançados pela jurisdição militar, e não cabe ao legislador ampliar o escopo da Justiça Militar”, frisou Fachin em seu voto.

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