Vídeos de morador de rua flagram falta de higiene em albergue

    Revoltado com CTA Brigadeiro Galvão, em São Paulo, atendido pelo albergue filmou o local, mostrando banheiros sem sabonete e cobertos de papel higiênico

    Os centros de acolhida mantidos pela Prefeitura de São Paulo deveriam abrigar e proteger os moradores de rua, mas alguns deles podem ter se tornado mais perigosos do que a rua.

    Revoltado com as condições do CTA 6 (Centro Temporário de Acolhimento) Brigadeiro Galvão, localizado em Santa Cecília, região central da cidade de São Paulo, o poeta Fábio Rodrigues, 44 anos, um dos atendidos pelo albergue, resolveu usar seu celular para filmar o que via.

    Os vídeos retratam banheiros sujos, sem sabão para lavar as mãos nem cestos de lixo, corte de água durante as manhãs, aglomerações nos dormitórios e refeitórios e profissionais que manuseiam alimentos sem luvas ou máscara. Álcool em gel, nem pensar. São condições perfeitas para a disseminação da Covid-19, que já matou uma centena de pessoas só no estado de São Paulo.

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    Passando pelos banheiros, Fábio narra que “descarga não existe”, mostra vasos sanitários cheios e pilhas de papéis usados no lugar onde deveria haver um cesto de lixo. “A gente usa os banheiros das 16h de um dia até as 8h do dia seguinte, sem que nesse intervalo seja realizada qualquer espécie de limpeza”, afirma.

    Refeitório do CTA 6 Brigadeiro Galvão | Foto: Divulgação

    “A logística de distribuição das camas é deveras burocrática. O sujeito não dorme continuamente no mesmo leito, a cada noite lhe é determinada uma cama diferente da noite anterior”, prossegue Fábio.

    Nos vídeos, gravados há duas semanas, Fábio comenta: “Essa coisa de espaço entre as camas não existe. Algumas camas não têm lençol. Olha a condição do cobertor, se é que pode chamar isso aqui de cobertor”, diz, segurando na mão a manta fina.

    Fábio fez questão de que seu nome aparecesse na reportagem.

    A reportagem ouviu outros atendidos pelo albergue, que também denunciaram a falta de limpeza e comentaram sobre o medo que sentem da pandemia. “Com esse negócio do coronavírus aqui, a situação está escassa. A higiene está horrível, o banheiro não tem higiene. É difícil trocar a coberta das camas, a ventilação não existe, é um caos total”, afirma um dos atendidos, que pediu para ter seu nome preservado.

    Palavra de especialista

    A Ponte mostrou os vídeos para Lara Duarte, biomédica, professora de epidemiologia, patologista clínica e biotecnologista. Segundo ela, faltam nos banheiros sabão e lixeira com tampa fechada. Tanto ali como nos banheiros, deveria ser oferecido álcool em gel.

    “A gente pode observar que as camas são muito próximas e a possibilidade de isolamento em caso de algum morador com sintoma fica bastante comprometida”, afirma. A biomédica recomenda a troca diária da roupa de cama ou, ao menos, da fronha, que fica mais em contato com a saliva e as secreções nasais, principais fontes de contaminação pela Covid-19.

    Mais gente nas ruas do que vagas nos albergues

    Não é a primeira vez que o CTA Brigadeiro Galvão é alvo de denúncias. No ano passado, segundo o G1, a Coordenadoria de Vigilância em Saúde interditou a cozinha e os leitos do local por más condições de higiene – na cozinha foram verificados um cano estourado, falta de botas para os funcionários e em 89 leitos foram encontrados percevejos. O albergue dispõe de 240 vagas de acolhimento distribuídas em dois dormitórios, um deles para pessoas com deficiência.

    Fachada do CTA 6 Brigadeiro Galvão | Foto: Divulgação

    Criados em 2017, os CTAs são serviços destinados para pessoas que precisam de rápido acolhimento e servem de apoio aos demais centros de acolhida do município.

    O Censo da População em Situação de Rua de São Paulo, de 2019, mostrou que, das 11,7 mil pessoas em situação de rua que utilizam o serviço em centros de acolhida, cerca de um terço (4,1 mil) ficam na mesma unidade por menos de três meses, mostrando uma rotatividade que aumenta o risco de o vírus se disseminar.

    A mesma pesquisa também estima que pouco mais de 24,3 mil pessoas vivem em situação de rua na capital. O número é considerado subnotificado pelas organizações que tratam do tema. Mesmo levando em consideração o valor oficial, a prefeitura dispõe de 89 centros de acolhimento, com um total de 17,2 mil vagas, o que representa um déficit de pelo menos 7 mil pessoas.

    O que diz a Prefeitura de SP

    Em resposta, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, da gestão Bruno Covas (PSDB), emitiu a seguinte nota.

    “A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), informa que os Centros de Acolhida receberam as orientações de serem higienizados constantemente e mantidas as janelas abertas, além de distanciar as camas em distância segura nos quarto. Todos os eventos agendados nos serviços foram cancelados e as visitas suspensas. Os cuidados com a higiene, como lavar bem as mãos com água e sabão, cobrir a boca e o nariz ao tossir e espirrar, evitar tocar os olhos, e orientações de não compartilharem objetos de uso pessoal, foram intensificados.

    A SMADS informa que a fiscalização dos serviços da rede socioassistencial é realizada de forma permanente pelos Gestores de Parcerias, das quais avaliam a qualidade do serviço executado, de acordo com a Instrução Normativa nº 5/SMADS.

    Em relação ao CTA Brigadeiro Galvão, a Secretaria tem parceria com a Associação Cultural Nossa Senhora das Graças e que o local dispõe de duas bombas para abastecer todo o equipamento, além do abastecimento de água potável da rua, de modo ininterrupto.

    De acordo com orientações dos órgãos de Saúde, a equipe da cozinha recebeu orientações técnicas de manipulação e preparo dos alimentos, além da utilização obrigatória dos EPIs, além das instalações de dispenser de sabonete líquido, álcool em gel e suporte para papel toalha.

    Os beliches são higienizados, com troca de lençóis, fronhas e cobertores constantemente e as janelas abertas para arejar o ambiente. Os boxs dos banheiros são abastecidos com sabonete líquido, papel higiênico e papel toalha nos devidos suportes, quando ocorre entupimento, uma empresa especializada é acionada para realizar a manutenção e encontra embalagens de produtos de higiene, peças de roupas, maçanetas de portas, entre outros objetos no encanamento.

    A Secretaria mantém cinco CTAs em parceria com a Associação Cultural Nossa Senhora das Graças, sendo o Aricanduva, Prates III, Brigadeiro Galvão, Mooca I e Anhangabaú. A SMADS está sempre à disposição para receber sugestões e reclamações sobre a Rede de Assistência Social pelos canais adequados, que são importantes meios de aperfeiçoar o trabalho desempenhado. As contribuições de munícipes podem ser feitas pela Central SP156 (telefone, aplicativo ou site) ou ainda pela ouvidoria da Prefeitura de São Paulo.”

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