‘Tenho que lutar por justiça. Eles mataram um inocente’, diz mãe de jovem morto pela PM

Dona de casa Rosimara Souza é mãe de Thales Jasmineiro Souza, 33 anos, assassinado na Favela Alba, zona sul da capital paulista, pelo sargento Elthon Tavares de Oliveira; para os policiais, homem estava com pistola e atirou contra eles, o que família nega

Protesto em memória de Thales em 30 de maio | Foto: Arquivo pessoal

“Queria ir embora com meu filho, mas Deus não quer, tenho que ficar. Tenho que lutar por justiça. A memória do meu filho tem que ser limpa. Eles mataram um inocente”. Sem conseguir falar ao telefone, o texto acima foi encaminhado por mensagem por dona Rosimara Jasmineiro Souza, 60 anos, mãe de Thales Jasmineiro Souza, 33, assassinado durante ação policial há quase um mês na Favela Alba, no Parque Jabaquara, zona sul da capital paulista.

Dono de uma hamburgueria na região do metrô Conceição, na mesma região da cidade, Thales foi baleado na noite de 25 de maio. Por volta das 22 horas, ele, um irmão e mais um amigo seguiram até o local com a intenção de comprar maconha. Segundo o boletim de ocorrência, naquele mesmo instante havia uma ação de policiais militares na comunidade, quando Thales foi baleado. Para os policiais militares que participaram da ação, todos da Força Tática do 3° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, Thales estava armado com uma pistola CZ 9 milímetros e disparou contra eles.

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A busca de dona Rosimara por justiça tem encontrado uma série de obstáculos, a começar pelo acesso ao boletim de ocorrência, obtido apenas nesta terça-feira (22/6), após a reportagem da Ponte entrar em contato com o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e relatar que a família penava para conseguir o documento.

De acordo com Luis Carlos Jasmineiro Souza, 29 anos, que estava com Thales até um pouco antes do irmão ser baleado e que presenciou o corpo ser retirado por uma unidade de Resgaste do Corpo de Bombeiros e encaminhado para o PS Jabaquara, nenhum documento havia sido entregue para os familiares nem durante as visitas a delegacias e a Corregedoria da Polícia Militar. “Um mês e a gente não tem nada. É uma negligência, um descaso, eu não tenho que falar para os meus pais. Até agora não tenho uma resposta para confortar meus pais. Vou em hospital, corregedoria, delegacia e cada hora é uma lorota diferente. Parece que acobertam um ao outro”.

Segundo a versão de Luis, naquele dia, ele parou momentaneamente o veículo na Rua da Mina, quando seu irmão saltou e adentrou em uma das muitas vielas no local. Justamente para não chamar atenção, conta que passou a dar voltas nas ruas que margeiam a favela enquanto seu irmão buscava a maconha. Na segunda volta, informou ele, o local já estava cercado de carros de polícia.

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“Fiquei naquele desespero e ninguém me respondia nada. Meu amigo saiu para buscar minha mãe, nisso subiu um corpo na maca. Aquele corpo saiu no Resgate”, explica. O jovem conta que foi impedido por policiais de chegar perto do homem socorrido. Em um momento, segundo ele, chegou a ouvir de um PM que “é menos um criminoso no mundo, é menos um lixo no mundo”.

Pelo boletim de ocorrência, que foi elaborado pelo motorista da viatura M-03026 (3° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), soldado Pedro Augusto Carmo Silva, 29, estagiário na Força Tática e há três anos na PM, os tiros que vitimaram Thales Jasmineiro foram disparados pelo sargento Elthon Tavares de Oliveira, 32, no momento em que se deparou com Thales na Avenida Estevão Mendonça, altura do número 10. O local é uma rua sem saída.

Thales Jasmineiro Souza havia aberto uma hamburgueria seis meses antes de ser morto | Foto: Arquivo pessoal

De acordo com o soldado, que afirmou estar há cinco meses naquele batalhão, ele e mais três praças estavam no carro policial naquela noite quando passavam pela Rua Professor Francisco Emydio da Fonseca Telles “momento em que os demais policiais desembarcaram e foram em incursão por uma viela, permanecendo o depoente na segurança da viatura”. Mesmo não presente ao local dos fatos, a versão do soldado é de que “posterior ficou sabendo que enquanto a equipe fazia incursão pela viela, depararam-se com um individuo, que portava uma arma de fogo e, este ao visualizar a equipe, fez menção que iria efetuar disparo. O sargento Tavares, ao perceber que a equipe seria agredida por disparo de arma de fogo, efetuou dois disparos contra aquele individuo, que caiu ao chão, ferido”.

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O documento ainda sustenta que a localidade “é fato conhecido das equipes policiais ser ponto de tráfico de drogas, e que no último final de semana uma equipe de policiamento de área teria sido recebida a tiros naquele mesmo endereço.” Tal informação oficial corrobora com os primeiros relatos passados a Luis Carlos quando visitou a comunidade. “Os relatos que consegui colher na favela é que meu irmão foi confundido com uma pessoa que era do tráfico. No sábado [anterior a morte de seu irmão] ocorreu um tiroteio no local e que a polícia voltou lá como represália”, frisou Luis Carlos.

O boletim de ocorrência elaborado pelo DHPP ainda revela informações importantes, como a justificativa do delegado em não ter ouvido o depoimento do autor dos disparos, o sargento Tavares. “Tendo em vista a nova redação do art.14-A do Código de Processo Penal, que foi recentemente alterado pela Lei 13.964/2019, os policiais militares envolvidos na ocorrência não prestaram depoimentos neste ato, sendo todos pessoalmente citado para, se assim desejarem, constituírem defensor no prazo de 48hs, para então formalização de suas formais oitivas”.

O documento da Polícia Civil ainda explica que não foi realizado o exame residuográfico nas mãos de Thales, o que poderia apontar se ele realmente havia atirado contra os PMs, devido ao risco de infecção por coronavírus em uma possível ida ao hospital. Mesmo com a ausência do exame e da entrevista com o PM, a Polícia Civil entendeu, através da narrativa do soldado, “somada a aparente dinâmica do evento, bem como os demais conjuntos probatórios aqui angariados”, que o sargento Tavares agiu em legítima defesa, não sendo passível de pedido de prisão naquele momento.

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O boletim de ocorrência ainda aponta no campo desconhecido, que se refere a Thales, a apreensão da quantidade de R$ 10. Junto a um mancha de sangue no chão foi encontrado um projétil de pistola 9 milímetros.

Na busca por mais detalhes, a família também passou a notar a ausência dos pertences que Thales carregava no dia em que foi morto, como uma corrente e seu aparelho celular, além das roupas que vestia.

“A correntinha dele consta no laudo, mas quando fomos no hospital pedir a corrente, a roupa e o celular, eles informaram que não encontraram. Meu marido reconheceu o corpo pela corrente, mas ela sumiu. Já o hospital disse que, como ele entrou como desconhecido, eles queimam a roupa”, disse à Ponte a atendente Andressa Souza, 34, cunhada de Thales.

“O celular dele sumiu. A gente não sabe se sumiu no local onde foi baleado, no hospital, em qual lugar. A gente já tentou ligar, já tentou rastrear e não consegue”, prosseguiu a mulher. “É um sofrimento que não desejo para qualquer família. Você ver o semblante de uma pessoa sem resposta”, disse aborrecido Luis Carlos.

Após a primeira reportagem ser publicada, a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio passou a acompanhar o caso. Assim como os familiares, os advogados da Rede que foram até a DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) também não tiveram acesso ao boletim de ocorrência.

“A gente não sabe de nada. A única informação que passaram é que a investigação está correndo bem. Eu acho que eles devem estar segurando esse inquérito para preservar o nome dos policiais”, disse Andressa.

Thales era pai de uma menina pequena e havia aberto a hamburgueria seis meses antes de ser morto. Seu irmão conta que ele não estava armado no dia da sua morte, e que a vítima era uma pessoa “tranquila, da paz”. “Meu irmão nunca usou arma. Há cerca de cinco anos teve um problema com a Justiça, furto de som de carro. Ficou praticamente uma semana preso, depois fez serviço comunitário.”

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Familiares e amigos de Thales realizaram um protesto, caminhando da estação Conceição do metrô até a Favela Alba em 30 de maio. Foram confeccionadas camisetas e cartazes com o rosto de Thales, algumas delas com o homem em frente ao estádio Urbano Caldeira, a Vila Belmiro, já que era torcedor do Santos. Durante todo o percurso houve gritos de “queremos justiça”. A manifestação se encerrou no ponto em que moradores da favela contaram onde Thales foi alvejado, na beira de um córrego.

O que diz a polícia

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública não informou se os policiais que participaram da ocorrência foram afastados. Em nota, a SSP alegou que “todas as circunstâncias relacionadas aos fatos são investigadas por meio de inquérito policial instaurado pela 1ª Delegacia de Polícia de Repressão a Homicídios, do DHPP. Familiares da vítima estão sendo ouvidos e as diligências seguem em andamento para o esclarecimento dos fatos. As informações do BO estão disponíveis para a família dos envolvidos. A solicitação pode ser feita na unidade”. Também questionados, o Hospital Doutor Arthur Ribeiro de Saboya e a Polícia Militar não haviam respondido até a publicação do texto.

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