‘Tiro de borracha à toa’, diz mulher de preso de penitenciária de Anápolis

    Mães e mulheres de presos confirmam denúncias de supostas agressões no Presídio Estadual de Anápolis, em Goiás, feitas pela Pastoral Carcerária

    Imagem cedida ao Portal Dia Online

    Mulheres sustentam denúncias da Pastoral Carcerária Nacional que cobrou, por meio de ofício enviado a órgãos competentes na segunda-feira (13/8), respostas para um relatório que pede investigação de supostas torturas no Presídio Estadual de Anápolis, em Goiás.

    Uma das mães conta ao Portal Dia Online que visitou o filho na quarta-feira (17/8) e soube que um preso teria tido o dedo quebrado durante uma ação de agentes para conter um motim há cerca de dez dias.

    “Cada visita é mais desgastante do que a outra. A gente lá não tem lugar para banhar, comer. Se a gente quiser ir ao banheiro, precisamos ir para o meio do mato”, conta uma das mães de presos que pede para não se identificar.

    Outra mulher, chorando ao telefone, conta que as visitantes chegam às 3h da madrugada na porta do presídio e começam a receber senhas às 12h. “Ficamos lá no sol escaldante até entrar às 14h, queimadas do sol, com fome e suadas”, reclama.

    Ouça denúncia de uma mãe:

    https://soundcloud.com/ponte-jornalismo/familiares-denunciam-mas-condicoes-em-presidio-de-anapolis-go

    Empregada doméstica, a mãe de um dos presos não o vê há mais de quatro meses devido ao horário de visita e dias da semana – quarta ou quinta-feira. “Trabalho de doméstica e não posso sair do serviço. Se eu sair posso ficar desempregada. Se tivesse jeito de mudar o dia de visita para sábado ou domingo ia ajudar muito”, sugere.

    https://soundcloud.com/ponte-jornalismo/jogam-spray-de-pimenta-e-enforcam-ate-perder-os-sentidos-diz-mae-de-preso

    Segundo ela, há uma determinação de que, mesmo sendo religiosa, não pode entrar no presídio de saia. “Sou evangélica e não uso calça e desde que ele foi para lá fui obrigada a usar. Queria pelo menos que me deixassem vestir minha saia lá dentro  quando fosse para sair do presídio. É muito triste a gente ter a religião e eles obrigarem a gente a usar o que a gente não usa e até a ouvir coisas que não somos acostumadas. É muito sofrimento”, lamenta.

    “Outra coisa são as crianças que para visitar o pai tem que matar aula. E outra, se perder a visita, fica até três meses sem ver os pais”, acrescenta.

    Ainda segundo ela, depois de ameaçar denunciar os agentes, o marido teria sido levado por eles para fora do presídio onde teria sido obrigado a assinar um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).

    Escute a denúncia:

    https://soundcloud.com/ponte-jornalismo/whatsapp-audio-2018-08-20-at-114521

    Para o presidente do Sindicado dos Agentes Prisionais do Estado de Goiás, Maxuell Miranda das Neves, as denúncias dos familiares cumprem um propósito: “É um discurso ensaiado porque a família tem muita dificuldade para visitá-los e querem que eles voltem para Goiânia. Desafio qualquer pessoa a me indicar um preso espancado e o levarei para fazer exame de corpo de delito,” assevera.

    Sobre a atuação do Grupo de Operações Penitenciárias (Gope), Maxuell destaca que quando algum preso é ferido, o procedimento é leva-lo para fazer exame de corpo de delito. Sobre a denúncia de o preso ter sido levado para fora da unidade prisional, ele frisa que isso jamais aconteceu. Também nega supostas ameaças que teriam sido feitas a mulher de um preso que ameaçou denunciar os maus-tratos, bem como a assinatura de um suposto TCO. “O preso tem liberdade para assinar o que ele quiser. De forma alguma o coagimos. Vivemos democracia, não existe mais tortura”, afirma.

    Ele ainda defende atuações que define como necessárias. “Os agentes prisionais são profissionais competentes. Esta é uma função que exige curso superior. Entre nós temos agentes com mestrado e doutorado”, diz, complementando: “Se a denúncia tem fundamentação porque não procuram advogado – para fazer exame de corpo de delito – e deixam de conversa paralela?”, explica.

    Diretor-geral adjunto da DGAP, Agnaldo Augusto afirma que há duas semanas houve uma tentativa de motim. “Destruíram o interior de duas celas em um motim. Não destruíram mais porque houve a intervenção”, destaca.

    “Todas as informações de denúncias são apuradas”, garante. Com relação à alimentação, o tenente-coronel destaca que a terceirizada oferece quatro refeições por dia. “Os presos tomam café da manhã, almoço, lanche e jantar”, salienta.

    “Lá é uma unidade classificada como estadual, com rito diferente. A entrada de produto e toda visitação é controlada, com monitoramento dos objetos. Não existe fogão, microondas em cela, tudo o que não encontraram em outros presídios.”

    Para o tenente-coronel, o local respeita os direitos humanos. “Trabalhamos com respeito e disciplina. O preso tem cama, quatro refeições por dia, garantia de visita. Toda garantia da Lei de Execuções Penais é respeitada. O agente não pode agir de qualquer jeito, ele obedece ao Procedimento Operacional Padrão (POP)”, esclarece.

    Presos e familiares temem represálias

    O ofício a que o Portal Dia Online teve acesso informa que a Pastoral recebeu denúncia anônima, “através de via eletrônica, relatando a existência de violações de direitos e tortura na Penitenciária de Anápolis, em Goiás.”

    Assessor Jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, Paulo Malvezzi Filho informou que os membros da entidade e os presos têm medo de ser penalizados quando denunciam. “Eles têm medo de represálias. Os entes da Pastoral têm medo de perder o acesso aos presos. Muitos de nossos agentes são proibidos de, inclusive, exercer atividade religiosa”, conta.

    Interior da unidade prisional de Anápolis, inaugurada em fevereiro deste ano | Foto: Divulgação/Governo de Goiás

    “Temos muitos relatos em Goiás. Tortura, ausência de direitos e outras violência”, complementa Malvezzi.

    Ainda conforme o documento, o denunciante relatou que há torturas, agressões físicas e psicológicas. “Com relação a assistência médica, os detentos estão com problemas bucais, como infecções e com ‘buracos’ nos dentes, devido à falta desse atendimento, fazendo com que seus quadros clínicos sejam agravados.”

    A entrega de alimentos que seria feita pelos familiares “não é permitida na unidade com exceção de bolachas de água e sal entregues nos dias de visita”.

    Com isso, conforme a denúncia, os presos ficam “à mercê da vontade dos agentes prisionais que sem razão aparente ou por motivos fúteis, não respeitam um horário pré-estabelecido para a entrega da comida dos apenados, bem como, a alimentação está sendo servida com ‘bichos’ e larvas.”

    Segundo consta ainda, nesta unidade prisional, “os apenados estão sendo submetidas a tratamentos humilhantes de forma consciente, os presos são machucados e possuem dedos quebrados. O denunciante relata que os presos são conduzidos para celas de isolamento/castigo de maneira que lá são agredidos com tiros e bombas, estando no local uma cápsula de armamento letal deflagrado.”

    Outro lado

    Em nota, a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) afirmou que está aberta para receber e apurar quaisquer denúncias feitas por familiares de presos, desde que a mesma seja feita de maneira formal nos canais de comunicação disponíveis. Os interessados podem entrar em contato com a Ouvidoria, Corregedoria, Ouvidoria Geral do Estado ou direção do órgão para fazer suas denúncias de irregularidades.

    Ainda na nota, o órgão afirma que o usuário pode procurar também, caso julgue necessário, os órgãos fiscalizadores do sistema prisional como o Ministério Público, Poder Judiciário e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO). “Sobre a reclamação da comida, os presos recebem alimentação balanceada, baseada em cardápio elaborado por especialistas e feita diariamente. No café da manhã, os presos são alimentados com leite achocolatado e pão com manteiga, o almoço é servido com cardápio de 600g, arroz carne, legumes, acompanhado de uma fruta e doce, no período vespertino é servido achocolatado e pão com manteiga, além do jantar (600g). Tudo fornecido por empresa especializada contratada, devidamente fiscalizada. Sobre a denúncia de agressão com bala de borracha, a DGAP informa que armamento com munição menos que letal são disponibilizados para serem utilizados quando há a necessidade de uso da força para conter insurgências nas unidades prisionais”, pontuou a nota.

    A pasta afirma ainda que, em 2018, ocorreram três motins no Presídio Estadual de Anápolis.

    *reportagem publicada originalmente no Portal Dia Online

     

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