Três meses depois, PMs que quebraram perna de costureira seguem nas ruas

    Polícia Militar de Santa Catarina não concluiu investigação de agressão a Silvana de Souza e diz que “prazos estão estendidos por causa da pandemia”

    As marcas na perna esquerda estão mais amenas do que estavam há 90 dias, mas acompanharão a costureira Silvana de Souza, 39 anos, para sempre. Assim como a lembrança do estalo dos ossos quebrando enquanto era derrubada, com o rosto no chão, no quintal da própria casa em Mafra, interior de Santa Catarina. A cena da agressão policial que ela sofreu no dia 19 de fevereiro foi gravada e viralizou, mas não foi suficiente para fazer com que as investigações corressem, ao menos, no tempo legal.

    Três meses depois de quebrar a perna da costureira de Mafra, os policiais militares continuam trabalhando e o IPM (Inquérito Policial Militar) ainda não foi concluído. O prazo legal para conclusão da investigação é de 40 dias, podendo ser prorrogado por mais 20, mas já se passaram 90.

    Silvana também teve ferimentos no rosto ao ser derrubada com a cara no chão pelos PMs | Foto: arquivo pessoal

    Silvana está sem conseguir trabalhar e dependendo de doações de amigos, vizinhos e conhecidos. Além disso, está tendo que lidar com as dores que sente cada vez que toca o pé no chão e com a indignação de ver os policiais nas ruas, levando uma vida normal.

    “É muito ruim, dói muito e me sinto péssima porque eu acho uma grande injustiça. Eu estou passando por uma situação difícil e ver eles com a vida normal, sabendo que a minha mudou totalmente, é muito difícil. Não posso sair sozinha, não posso trabalhar, não posso fazer nada e para eles, nada mudou, continuam com a mesma rotina”, desabafa.

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    “Na mesma semana eu vi um deles na frente de uma escola, trabalhando. Eu tenho muito medo. A Justiça que nós sempre esperamos que faça, não faz e, quando faz, é muito lenta”, lamenta a costureira.

    Costureira Silvana de Souza ainda não conseguiu retomar a rotina | Foto: arquivo pessoal

    Naquele 19 de fevereiro, Silvana estava com a mãe em casa quando, por volta das 18h30, policiais passaram em alta velocidade em direção à casa dos fundos. A ação, inicialmente, era uma perseguição ao vizinho de Silvana, que estaria pilotando uma moto com a placa adulterada. 

    A movimentação incomum no bairro Novo Horizonte, na zona rural do município, chamou a atenção da vizinhança. A irmã de Silvana, Tatiana, contou para a Ponte, à época, que os policiais logo partiram pra cima dos moradores, inclusive da sua família, com gás pimenta. 

    “Entraram na minha casa, com arma apontada, espirrando gás pimenta até nas crianças, com arma apontada. O meu menor, de quatro anos, não pode escutar uma sirene e já pergunta se é sirene, se é polícia, está traumatizado”, relatou Tatiana, ainda em fevereiro. Silvana foi intervir e acabou sofrendo a abordagem violenta diante de seus familiares, que, com celular, gravaram a ação.

    A Ponte questionou a Corregedoria da PM sobre a demora para conclusão das investigações e o órgão afirmou que, “por conta da pandemia, os prazos estão se estendendo”.

    A Corregedoria afirmou que o IPM 243/2020 foi instaurado pela 2ª Região de Polícia Militar. A investigação foi aberta depois que a 3ª Promotoria de Justiça de Mafra iniciou o processo e encaminhou para a 5ª Promotoria de Justiça da Capital, responsável por crimes militares.

    A 5ª PJ, por sua vez, remeteu o pedido de instauração de investigação à Corregedoria. Porém, até o momento, o inquérito não foi concluído. “O processo se encontra relatado pelo encarregado e aguardando solução do Comandante da 2ª RPM. Após solucionado, o inquérito policial militar será encaminhado à Vara de Direito Militar para providências decorrentes”, afirmou, em nota, a Corregedoria.

    Questionado pela reportagem, o comandante da Guarnição Especial de Mafra, tenente-coronel Marcelo Pereira, confirmou, nesta segunda-feira (19/5), que os agentes continuam na polícia e que “aguarda o resultado do inquérito”.

    A vida continua?

    A costureira Silvana de Souza teve fratura da fíbula e na tíbia, precisou ser submetida a procedimento cirúrgico para a implantação de 13 pinos e a recuperação lenta a impede de trabalhar. A pandemia do coronavírus agravou ainda mais a situação. Sem conseguir fazer a perícia para dar entrada no auxílio previdenciário, Silvana hoje sobrevive com a aposentadoria da mãe, com quem mora, e de doações de amigos, vizinhos e conhecidos. 

    Cicatrizes provocadas pela fratura na perna | Foto: arquivo pessoal

    O auxílio recebido pela mãe, no entanto, chega a R$ 700 depois de descontados os empréstimos. Já o auxílio emergencial, solicitado por ela há semanas, segue em análise. “Nós temos contas para pagar, precisamos de comida e está bem complicado. A sorte é que não pagamos aluguel e que há pessoas fazendo doação de cestas básicas”, diz.

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    Silvana conta que recebeu um atestado de quatro meses do ortopedista, que deve ser prorrogado por mais três na próxima consulta, já agendada para a próxima semana. “Já posso encostar o pé no chão e, no dia que eu tenho que fazer alguma coisa, movimentar mais, dói muito. Esses parafusos são permanentes, vou ficar com isso na perna e tenho que estar atenta, cuidar para que meu organismo não rejeite”, conta.

    Sem o resultado do inquérito militar, o advogado de Silvana, Geison Carlos Fuchs, segue aguardando, mas adianta que deve entrar com uma ação contra o Estado. Na época dos fatos, Silvana chegou a ser presa em flagrante e saiu mediante pagamento de fiança. A Polícia Civil não instaurou procedimento de investigação próprio e deixou a cargo da esfera militar o inquérito.

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