Um ano após motim, presídio segue parcialmente destruído

    Unidade prisional de semiaberto em Bauru (SP) foi palco de rebelião em janeiro de 2017; prédio segue parcialmente destruído e sem reformas

    CPP3 de Bauru, momentos depois do motim seguido de incêndio | Foto: Reprodução Inês Ferreira/Sindcop

    O dia 24 de janeiro de 2017 começou tumultuado na zona norte de Bauru. Nem bem raiou o dia e os reeducandos do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) 3 de Bauru, antigo IPA (Instituto Penal Agrícola), promoveram um princípio de confusão. Era 7h30 da manhã, e o restante da cidade seguiria sua rotina normal até por volta das 10h.

    Começaram a pipocar nas rádios da cidade as notícias de que presos de Bauru haviam feito uma rebelião e fugido da cadeia. As redes sociais, em especial Whatsapp e Facebook, turbinaram a repercussão. Boatos começaram a espalhar a informação que os reeducandos estavam armados com facões e machados, e dirigiam-se para o centro da cidade.

    Em instantes, o comércio baixava suas portas. Repartições públicas dispensaram os servidores e a população esvaziou as ruas do centro. O calçadão da Batista de Carvalho ficou deserto enquanto helicópteros da Polícia Militar davam rasantes sobre a cidade.

    No CPP3, os detentos iniciaram um incêndio que passou a consumir as estruturas da cadeia : um prédio dos anos 1940. Na confusão, houve fuga dos sentenciados. De acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) e a Polícia Militar, 152 homens fugiram do local.

    Incêndio atingiu principalmente os pavilhões de habitação | Foto: Reprodução/TvTem

    Ainda de manhã, a SAP divulgou uma nota informando que o tumulto começou quando um agente de segurança penitenciária “surpreendeu um preso que estava se comunicando através de celular”.

    O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Penitenciário Paulista (Sindcop), Gilson Pimentel Barreto, explicou, na época, que houve um motim dos presos com relação a certas práticas que acontecem naquela unidade prisional. Para ele, o motim foi devido ao jeito que alguns funcionários estavam agindo com relação aos presos. “Não teve agressão de preso contra funcionário nem entre eles, não houve matança ou cobrança de dívida”, pontuou.

    O resultado foi a destruição de boa parte do CPP3. Dos cerca de 1400 presos que cumpriam pena em regime semiaberto na unidade, apenas 500 puderam permanecer, devido à destruição das estruturas de habitação.

    Contagem de reeducandos revelou número real de fugas | Foto: Reprodução/TvTem

    Um ano depois

    “Os danos foram todos nos alojamentos”, conta um agente de segurança penitenciária (ASP) que trabalha há mais de 20 anos no CPP3 de Bauru, que pediu para não ser identificado. “Onze alojamentos foram incendiados na ocasião, só um deles foi recuperado depois”, explica.

    Estrutura que servia de habitação ficou completamente destruída | Foto: Reprodução Inês Ferreira/Sindcop

    O agente diz que o alojamento foi reformado pela mão de obra dos presos e dos funcionários, com recursos da própria unidade. “Os grandes danos foram no prédio principal, onde eram os alojamentos. Ali comportavam 1200 presos”, continua. “Mas a ala da enfermaria também foi danificada, a sala da chefia, o setor de inclusão, sala de dentista”, relata.

    “Está totalmente precário”, diz o agente de segurança penitenciária. “O preso já tinha uma situação precária devido à superpopulação carcerária. Mas hoje está numa situação muito pior do que antes. Agora são 500 presos divididos em apenas dois alojamentos. O ambiente é totalmente insalubre, cheiro de esgoto, o teto é baixo, os presos dormem direto no chão, o ambiente é cheio de percevejo e os funcionários ficam todo dia com medo dos presos decidirem acabar de vez com a unidade, fazer outra rebelião, porque eles estão numa situação muito pior do que antes”, confessa.

    Fachada do prédio do IPA é um dos interesses que motivaram processo de tombamento pelo valor arquitetônico | Foto: Reprodução Inês Ferreira/Sindcop

    Para o funcionário do CPP3 não há nenhum sinal de mudança ou reforma na unidade prisional. Segundo ele, a SAP aguarda a resolução do processo de tombamento do prédio do IPA como patrimônio cultural da cidade, levado adiante pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru (Codepac).

    “A questão financeira está intrinsecamente ligada com o que se pretende fazer ali. Se for só uma reforma, é uma coisa barata e rápida. Mas se for fazer uma restauração aí é algo caro. Eu acho que quando a SAP fala em restauração é uma mentira”, insinua.

    “O que acontece é que está chegando material: areia grossa, areia fina, ferro, betoneira, 20 ou 30 carrinhos de mão, conduíte, pedra, pedrisco, mas nós não vemos nenhum sinal de início de reforma. E nisso já vai fazer um ano da destruição do prédio”, lamenta.

    Vai reformar?

    Após o motim de janeiro de 2017, uma equipe de engenheiros da SAP realizou procedimentos de vistoria na unidade e elaborou um relatório técnico. De acordo com informações levantadas, na época, pelo Sindcop, a estrutura básica do CPP3 de Bauru não foi comprometida pelo incêndio e as condições do local não impossibilitam a reconstrução do prédio.

    Em reunião ocorrida em fevereiro, mês seguinte ao episódio, os diretores do sindicato ouviram de Lourival Gomes, secretário da Administração Penitenciária, um posicionamento contrário à desativação da unidade e a defesa de que o ideal será reformar o CPP3 com a ajuda dos presos, para retornar ao trabalho o mais rápido possível.

    Em junho de 2017 a SAP encaminhou um ofício, em regime de urgência, ao Codepac de Bauru, na ocasião presidido por Sérgio Ricardo Losnak. No documento, a SAP sinaliza a necessidade de “intervenção nos pavilhões habitacionais e prédio da escola, cuja estrutura do telhado de madeira deverá ser totalmente retirada”, além de apontar para obras de “reforço estrutural” em outros pavilhões. O ofício ainda revela ser impossível executar a reconstrução das áreas atingidas seguindo as características originais do prédio.

    Ofício encaminhado pelo secretário ao Codepac de Bauru | Foto: Lucas Mendes/Jornal Dois

    A resposta, assinada por Luiz Fernandes Fonseca, secretário municipal de cultura, revela que a tramitação do processo de tombamento “não significa que [o prédio] não possa passar por reforma”, reforçando que há necessidade de recuperação do imóvel. Para isso, basta que a SAP encaminhe à Secretaria de Planejamento de Bauru (Seplan) o projeto de reforma, para depois ser submetido ao Codepac.

    Resposta do secretário Municipal de Cultura, Luiz Fonseca | Foto: Lucas Mendes/JORNAL DOIS

    O último andamento no processo de tombamento do IPA é um pedido da Procuradoria Geral do Estado, solicitando cópia integral do processo de tombamento do prédio. O material foi enviado pela Secretaria de Cultura em 13 de julho de 2017.

    Patrimônio cultural

    O prédio do Instituto Penal Agrícola passa por um processo de tombamento para fazer parte do patrimônio cultural de Bauru. O tombamento tem o objetivo de preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. Pode ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental, como: fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas.

    A abertura do processo de tombamento do IPA foi feita de forma unânime por todos os componentes do Codepac, em reunião de agosto de 2006, em razão de seu “relevante valor arquitetônico, histórico e cultural que representa para o município”, como consta no processo de tombamento. Esse processo corre com o número 11995, de 2007, de interesse da Secretaria Municipal de Cultura.

    O processo 11995 de 2007 sobre o tombamento do Instituto Penal Agrícola | Foto: Lucas Mendes/JORNAL DOIS

    Num relatório de visita ao IPA, feito em 2011, professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo da Unesp de Bauru, Paulo Roberto Masseran, trouxe informações históricas que justificavam o tombamento do prédio.

    Projetada como Escola Agrícola de Bauru, na década de 1940, o local foi inaugurado em 1951. Cinco anos depois, o então governador de São Paulo, Jânio Quadros, transformou as instalações em presídio. Segundo o professor, há registros de que um documentário curta-metragem foi gravado na escola, em 1948, sendo exibido pelo “Cine Brodway”, em São Paulo.

    Em seu relato, Masseran revelou “sensações contrastantes”: “de um lado estava satisfatoriamente surpreso por ter descoberto uma escola magnífica da década de 1940, em Bauru. Por outro, terrificado por ver tão claramente o estado deplorável que o Brasil se encontra, de plena decadência social e moral, muito bem representada por esta grande escola tornada num presídio fétido”.

    Outro lado

    Em nota, a SAP informou ao JORNAL DOIS que a reforma utilizará mão de obra carcerária, e que os materiais já foram comprados. “Contudo, antes de dar continuidade, será necessário a realização de reforço estrutural bem como a realização de substituição do telhado, que será feito por empresa especializada”.

    De acordo com a nota, “a substituição do telhado e reforço estrutural só poderá ser iniciada após a apresentação e aprovação, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac) de Bauru, do projeto de restauração do patrimônio, pois a unidade está em processo de tombamento”.

    A SAP ainda afirma que será necessário contratar uma equipe especializada em restauro, para “elaborar projeto de reforma e restauro que deverá ser submetido a análise e aprovação do Codepac”. Segundo a secretaria, para o projeto de reforma ser viabilizado é necessário aprovação do Codepac.

    (*) Reportagem originalmente publicada no Jornal Dois

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