Usados como “atração turística”, índios da zona sul de SP lutam por sobrevivência

    Com casas e escola deterioradas, comunidade é proibida de vender seu artesanato

    Adriano Karaí Poty, coordenador do Ceci (Centro de Educação e Cultura Indígena), nasceu na aldeia/Foto: Daniel Arroyo

    No extremo sul da cidade de São Paulo, a 12 km de Parelheiros, fica a aldeia Tenondé Porã, que teve seu território de 26 hectares demarcado em 1987. Longe do centro e dos olhos do poder público, a população Guarani luta por sobrevivência.

    Com grande potencial turístico, o local foi escolhido pela prefeitura para ser um ponto de visitação, mas a comunidade sequer foi consultada sobre o projeto, como conta o coordenador educacional do Ceci (Centro de Educação e Cultura Indígena)da Tenondé Porã, Adriano Karaí Poty.

    Segundo ele, a aldeia foi abandonada pelas três esferas de poder e hoje tem dificuldade de manter sua tradição cultural. Casas sem manutenção, escola deteriorada e falta de documentação são alguns dos problemas que os indígenas enfrentam. A Ponte Jornalismo foi até lá e apresenta nesta reportagem um relato do problema e o que os responsáveis por eles têm a dizer.

    Exposição forçada

    Em 7 de janeiro de 2014, o prefeito Fernando Haddad (PT) promulgou a Lei 15.953, que “dispõe sobre a criação do Polo de Ecoturismo nos distritos de Parelheiros e Marsilac até os limites da Área de Proteção Ambiental Bororé-Colônia”.

    Uma das atrações do Polo Ecoturismo, criado pelo vereador Alfredinho (PT), é a visita aos “hábitos culturais e históricos da população primitiva brasileira”, conforme explicava o site do Polo. Essa visita é à aldeia Tenondé Porã.

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    Site do Polo Ecoturismo destacava como atração a visita à ‘população primitiva brasileira’/Reprodução/Polo Ecoturismo

    Karaí Poty conta que a atração promovida pela SPTuris (São Paulo Turismo), empresa oficial de turismo e eventos na cidade de São Paulo, é contra a vontade do povo indígena. Ele explica, ainda, que os índios só ficaram sabendo do Polo depois de sua criação, que não foi pensada em conjunto com a população indígena, usada como atração para turistas.

    “Todo projeto que afeta a população indígena tem que passar por nossa consulta. Mas não nos consultaram. Com esse Polo Ecoturismo a gente vai ter mais preocupação em vez de se concentrar apenas na questão da plantação. Porque a gente se preocupa com a questão da preservação local, pois jogam lixo”, afirma ele, que acredita que o Polo tenha sido criado para servir aos interesses de “donos de sítios e pousadas” da região.

    Depois que a Ponte Jornalismo entrou em contato com a SPTuris, a página que divulgava a visitação à aldeia foi tirada do ar.

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    Página “atrações>aldeia” foi tirada do ar depois que a reportagem da Ponte procurou a SPTuris/Reprodução/Polo Ecoturismo

    A assessoria de comunicação do SPTuris disse que, em agosto de 2014, um conselho denominado Congetur (Conselho Gestor do Polo) ficou responsável pelas “ações de incentivo ao turismo na região, de forma a promover o desenvolvimento local com preservação ambiental”.

    O Congetur é “composto por membros representantes de outras secretarias municipais como de Governo, Coordenação das Subprefeituras, Verde e Meio Ambiente, Guarda Civil Metropolitana, da SPTuris, da Polícia Militar, da Fundação Nacional do Índio, entre outros”, sob a coordenação da Subprefeitura de Parelheiros.

    Ainda segundo a assessoria da SPTuris, “o Polo de Ecoturismo foi criado para disciplinar e normatizar as atividades ecoturísticas que já aconteciam no território, além de buscar incentivo e benefícios fiscais destinados a estimular o desenvolvimento econômico e social das áreas atingidas”.

    O órgão também explica que para criação do Polo “diversas audiências públicas foram realizadas com participação dos órgãos, empresas e entidades representantes que hoje fazem parte do Congetur, inclusive das aldeias indígenas”.

    Subsistência comprometida

    Outro problema que o povo indígena da aldeia Tenondé Porã enfrenta, conforme explica Karaí Poty, é a proibição da venda de artesanatos feitos pelos índios. Segundo ele, algumas famílias trabalham com artesanato como única fonte de renda, mas não podem sair para pontos movimentados da cidade para vender seus produtos, pois não estão regularizadas junto à Prefeitura.

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    Frase pichada por índios em uma das paredes da aldeia/Foto: Daniel Arroyo

    “A gente sabe que não vai mais voltar à nossa tradição de 500 anos atrás, mas queremos viver de forma minimamente digna: plantar o que dá para plantar e, como a gente está em São Paulo, comercializar nossos artesanatos”, diz o guarani. Uma forma para solucionar o problema, segundo ele, seria a inclusão dos índios em feiras de artesanatos, além de regulamentação para a venda dos materiais em diversos pontos da cidade.

    Os índios pedem para a Subprefeitura de Parelheiros auxiliá-los na regularização para poderem comercializar os artesanatos, mas nunca receberam respostas. “Eles [da Subprefeitura] sempre nos ouvem, mas não resolvem nada. Sequer sabemos se os pedidos chegam ao órgão responsável”, relata Karaí Poty.

    Questionada sobre a regulamentação de índios para a venda de artesanatos pela cidade, a assessoria da comunicação das subprefeituras de São Paulo se limitou a dizer que “o órgão responsável por questões indígenas no País é a Funai”.

    Casas sem manutenção

    Diferente do que se imagina quando se fala de uma aldeia indígena, as 110 casas da Tenondé Porã são de alvenaria e telhado de barro. Todas construídas em 2008 pelo Programa de Moradia Indígena, da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), do Governo do Estado de São Paulo.

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    Em 2008, CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), do Governo de São Paulo, construiu 110 casas na Tenondé Porã/Foto: Daniel Arroyo

    As casas são todas iguais, “padrão Fifa”, segundo Karaí Poty. Entretanto, oito anos depois da construção, as casas estão deterioradas e, devido à falta de condições financeiras dos índios para manutenção, muitas sofrem com infiltrações e goteiras. “O governo constrói e deixa. Não tem manutenção. Aqui, algumas casas conseguem se manter pelo próprio dinheiro da família. Mas a gente não tem material para construir nem reformar as casas”, diz.

    À reportagem, a assessoria de imprensa da Secretaria da Habitação de São Paulo informou que “a conservação e a manutenção das 110 moradias indígenas da aldeia Tenondé Porã são de responsabilidade dos moradores, conforme orientado aos proprietários”. E ressalta que “realiza os reparos de problemas construtivos em até cinco anos após a entrega das unidades habitacionais”.

    Escola deteriorada

    A Escola Estadual Indigena Guarani Gwyra Pepo, que fica dentro da aldeia e tem apoximadamente 300 alunos, também passa por problemas de falta de manutenção. Mesas, cadeiras e vidros quebrados, goteiras, entre outros problemas apontam que o Estado não faz manutenção da escola há um bom tempo.

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    Janelas da escola estadual da Tenondé Porã estão quebradas/Foto: Daniel Arroyo

    Procurada pela Ponte Jornalismo, a assessoria de comunicação da Secretaria de Educação pediu para que a reportagem enviasse fotos para mostrar a situação em que a escola se encontra.

    Já a supervisora de ensino da escola indígena, Giselia Oliveira Moreira, disse que vai à aldeia “quase uma vez por semana e, às vezes, duas vezes por semana”, e ressaltou que a escola não sofre com problemas de manutenção.

    Segundo Giselia, a escola recebeu mesas e cadeiras novas no final de 2015, e recebeu manutenção no início de 2016, como é o costume de todas escolas estaduais.

    Falta de documentação

    Diante das dificuldades de sobrevivência, tendo em vista que os indígenas querem manter a tradição e viver da caça e colheita, o Bolsa Família é uma alternativa para auxiliar as famílias de índios. No entanto, como a etnia Guarani Mbya tem costumes nômades, os indígenas vivem se mudando para as aldeias no litoral do Brasil, entre Espírito Santo e Rio Grande do Sul.

    Segundo Karaí Poty, os índios que saem do Paraná, por exemplo, não costumam ter documentação e, quando chegam à São Paulo, enfrentam grandes dificuldades por causa disso. Uma dessas dificuldades é o impedimento de receber o Bolsa Família. “Não sei como conseguem chegar até aqui sem documento, mas quando chegam não conseguem mais fazer nada devido à falta de documentação”.

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    Guarani é a primeira língua que as crianças aprendem a falar na Tenondé Porã/Foto: Daniel Arroyo

    Quem deveria, por lei, se responsabilizar e auxiliar as pessoas com a documentação seria a Funai (Fundação Nacional do Índio), mas isso não acontece e a população indígena muitas vezes acaba ficando sem tirar documentos ou são auxiliados pelo Cras (Centro de Referência e Assistência Social) da Prefeitura.

    — A Funai nos últimos anos está sendo sucateada pelo governo federal. Não tem mais tanto poder de ajudar o povo indígena.

    Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação da Funai afirmou, em nota, que “em março desse ano, a Coordenação Técnica Local da Funai de São Paulo (CTL-SP) organizou um mutirão de documentos na aldeia Tendondé Porã em parceria com a Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo), Receita Federal, IIRGD (Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt), Secretaria de Igualdade Racial da Prefeitura de São Paulo, Cartório de Registro Civil de Parelheiros e Defensoria Pública”, o que resultou na emissão de “190 RGs, 250 CPFs, 48 Carteiras de Trabalho e 350 Certidões de Nascimento”.

    A nota da Funai explica ainda que, “com a documentação regularizada, 44 famílias tiveram acesso a benefícios previdenciários, como salário-maternidade e aposentadoria, no presente ano”. E que “no que se refere aos indígenas que chegam de outros Estados, a Funai atua da seguinte forma: a chefia da Unidade Básica de Saúde (UBS) local informa prontamente a Funai sobre a chegada de novas famílias e da necessidade de regularização de documentos”.

    Linha de trem

    O item dois do artigo 17 da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre povos indígenas e tribais diz que “os povos interessados deverão ser consultados sempre que for considerada sua capacidade para alienarem suas terras ou transmitirem de outra forma os seus direitos sobre essas terras para fora de sua comunidade”.

    Apesar disso, a Rumo Logística, empreendimento férreo que nasceu da fusão entre ALL (América Latina Logística) e Rumo, não consultou a população da Tenondé Porã acerca dos trens que passam pela área, conforme explica Karaí Poty.

    O guarani conta que a comunidade espera, ao menos, que a Rumo Logística dê algum auxílio para a manutenção da casa de reza da aldeia ou dê apoio para os índios reconquistarem outras terras que desejam utilizar para plantio na região.

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    Índias jogam futebol em campo dentro da aldeia Tenondé Porã, na zona sul de São Paulo/Foto: Daniel Arroyo

    A assessoria de imprensa da Rumo Logística disse à Ponte Jornalismo que realiza reuniões mensais com os índigenas da região, e que “foi criado um Comitê de representação que participa ativamente na interlocução dos assuntos com a comunidade em geral”.

    A empresa destaca, ainda, que “até o momento já foram entregues tratores, roçadeiras, insumos agrícolas (mudas, sementes e adubos), além de ferramentas em geral para os cultivos tradicionais. Também foram realizadas melhorias em estradas que dão acesso a outros núcleos habitacionais/aldeias que não possuem asfalto e que estão inseridas na Terra Indígena Tenondé Porã”.

    Veja outras fotos da aldeia:

    Foto: Daniel Arroyo
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