Usina de Valores promove debate de como aproximar a política do cotidiano das pessoas

    Evento aconteceu em São Paulo e discutiu estratégias de como promover o engajamento político no nosso dia a dia, não apenas em época de eleições

    Da esquerda para direita: Henrique Vieira, Esther Solano, Raull Santiago, Jout Jout, Monica Oliveira e Cecília Oliveira | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Discurso de ódio, racismo, machismo, LGBTfobia, religiosidade e segurança pública. Esses foram alguns dos assuntos discutidos na mesa “Engajamento político: do cotidiano às urnas”, evento promovido pelo projeto Usina de Valores, do Instituto Vladimir Herzog e do qual a Ponte é parceira, na noite de quarta-feira (19/9). O debate foi transmitido ao vivo no Facebook e aconteceu no Espaço Tapera Taperá, no centro de São Paulo. Com mediação do teólogo e pastor Henrique Vieira, a mesa de debate contou com a presença de Esther Solano, Raull Santiago, Jout Jout, Monica Oliveira e Cecília Oliveira.

    A pesquisadora e socióloga Esther Solano, que também é professora da Universidade Federal de São Paulo, falou sobre o impacto dos discursos de ódio. Para ela, o momento atual do Brasil reflete uma politização desses discursos, uma vez que existem candidatos que potencializam a temática em suas campanhas.

    “O Brasil é um país que tem uma sociabilidade que se constrói na sociabilidade do ódio. O Brasil é um país racista com uma cultura muito misógina e uma desigualdade extremamente violenta. Com essa politização extrema do discurso de ódio, quando você tem essa institucionalização do discurso de ódio, em que um candidato abertamente proclama um discurso de aniquilamento das feministas, do movimento LGBT e do adversário político, a mensagem que você está passando para população é de que vale tudo, que o discurso de ódio é liberdade de expressão, isso em um país que tem recorde em genocídio negro e em genocídio da população trans”, explicou Solano durante o debate.

    O jornalista Raull Santiago, que também é cofundador do Coletivo Papo Reto (RJ), defendeu que o olhar do periférico fará diferença na mídia e nas eleições. “Os espaços de comunicação não estão comunicando o que vem da periferia. A comunicação independente, periférica e favelada tem um papel importantíssimo para expor candidaturas de juventude periférica, da mulher negra da periferia que até dentro dos próprios partidos não tem esse espaço e essa organização da mídia independente tem sido potência para dar visibilidade para a nossa pauta, a nossa causa, as nossas demandas e o que a gente está construindo em si”.

    Em entrevista à Ponte, a educadora Monica Oliveira, integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, explicou que é preciso aproximar a política do dia a dia das pessoas. “Aproximar do cotidiano é a única forma das pessoas compreenderem a importância dos processos de eleições e do seu próprio voto. As pessoas que são militantes, que fazem trabalhos em suas comunidades ou junto a grupos sociais, precisam cada vez mais dialogar com quem não está nesse mundo trazendo a política para o cotidiano. Isso quer dizer dialogar com as pessoas sobre como eleger alguém interfere na educação do filho dela, no trabalho dela, na segurança de onde ela mora”, contempla.

    O pastor e teólogo Henrique Vieira, mediador do debate, acredita que o engajamento político deve ir além do período eleitoral. “Devemos promover a dignidade humana, o respeito à diversidade, ser contra toda forma de violência, ser solidário à luta de quem é historicamente oprimido, como as mulheres, negros, LGBTs, todos os dias. Precisamos ter esse compromisso ético cotidiano por onde a gente passa. Além disso, há uma dimensão mais ampla, que permeia a participação dos movimentos, das lutas políticas pelas garantias de direitos e contra toda forma de violência”, explica à Ponte.

    Para Cecília Oliveira, jornalista do The Intercept Brasil, é papel da mídia conscientizar que a política é diária e que a cobertura não pode se restringir à editoria de política. “Quando você foca só nessa questão de estar todo mundo roubando, as pessoas acham que realmente política se resume a isso. A política é muito mais do que isso e a gente precisa mostrar para as pessoas que isso está em todos os aspectos da vida cotidiana, desde o preço que você passa no arroz que você vai comer hoje, passando pelo preço do ônibus que você vai pegar, se a sua empresa está te fornecendo vale-transporte ou não, até a questão do voto. Tudo é política. É interessante que as pessoas tenham conhecimento e que essas notícias reflitam diariamente para toda a população”, salienta.

    A youtuber e jornalista Julia Tolezano, conhecida como Jout Jout, também fez parte da mesa de debate. Com audiência de 2 milhões de inscritos em seu canal, a youtuber enxerga as redes sociais como uma grande aliada na disseminação correta de informações. “As redes sociais escancaram a bizarrice que acontece na cabeça das pessoas, porque lá meio que tem um anonimato, as coisas que as pessoas falam na internet elas não tem coragem de falar pessoalmente. É bom pra você ver o que está se passando, porque quando você realmente conhece quão fundo está indo o preconceito das pessoas, você consegue ver de onde você tem que partir pra trabalhar e resolver isso. Ao mesmo tempo, internet é esse lugar incrível onde as pessoas conseguem se mobilizar, se reunir, se organizar para fazer uma parada junto”, explica.

    Na visão de Jout Jout, embora as redes sociais também tenham sido os locais de propagação de notícias falsas, os benefícios da comunicação em rede são maiores. “Tem muito espaço para fake news, mas também tem lugar para você aprender, debater, trocar e ver debates como esse, seja sendo uma das 20 pessoas que esteve aqui ou as 10 mil que estão na internet assistindo ao vivo. Como tudo na vida tem seus prós e seus contras. Você escolhe o que quer te influenciar, você dá a permissão para essa pessoa que está te influenciando, então é muito poderoso. Ainda é super segmentado, porque mais da metade da população não tem acesso a internet, por isso não é uma coisa que substitui o contato na vida, mas tem uma força”, defende.

    Marielle, presente!

    Às véspera de completar 190 dias de sua execução, Marielle Franco foi lembrada em diversos momentos do debate. Para Raull Santiago, a melhor maneira de lidar com o assassinato da vereadora é elegendo mulheres negras e periféricas. “Marielle é núcleo de potência do que significa a favela, das diferentes lutas e da diversidade. A melhor forma da gente enfrentar um sistema que está silenciado estrategicamente é ocupando os espaços de poder para mostrar que esse fato não vai nos silenciar, não vai nos parar e não vamos deixar a memória e o significado de Marielle ser esquecido. É preciso ter poder na nossa mão para que os nossos assassinatos sejam valorizados”, explica.

    Monica Oliveira considera que a morte de Marielle serviu para fortalecer o desejo de mulheres negras de participar da política. “O assassinato passa uma mensagem muito direta de que política não é lugar para mulheres negras e as mulheres negras resolveram responder dizendo ‘mas nós vamos ocupar esse lugar sim’. Em vez de provocar a desistência, a desesperança, o assassinato de Marielle provocou uma forma de protesto que é participar mais, atuar mais, invadir mesmo e botar o pé na porta para dizer que os homens brancos ricos não vão continuar dominando o país e dominando a nossa vida”, analisa Mônica, que aposta também que esse movimento se mulheres negras ingressando na política só vai crescer.

    Assim como Monica, Cecília Oliveira acredita que o assassinato da vereadora será um impulsionador. “As pessoas entenderam que, assim como Marielle foi silenciada, elas podem ser silenciadas no seu dia a dia. Ao contrário de silenciar, houve um levante de outras Marielles. A minha esperança é que de fato Marielle seja semente e prospere muito”, defende.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas