‘Vi meu irmão ser morto ao vivo’, diz irmã de sequestrador de ônibus no RJ

    Em entrevista exclusiva, Thayná Silva conta que Willian deixou escapar que o racismo pode ter agravado sua depressão: ‘ele disse que odiava ser negro’

    Willian e Thayná no último aniversário dela, em 27 de julho | Foto: arquivo pessoal

    Embora reservado, Willian Augusto Silva, 20 anos, até topou posar para uma foto com a irmã Thayná Silva, no dia 27 de julho, quando ela completou 24 anos. “Ele estava muito feliz, nem reconheci. Fez questão de cantar músicas comigo, aparecer nas fotos, estava simpático”, contou a fotógrafa, em entrevista exclusiva à Ponte.

    Menos de um mês depois, em 20 de agosto, uma terça-feira, ela assistiria pela TV a execução do irmão caçula, que sequestrou o ônibus da linha 2520 (Alcântara x Estácio), na Ponte Rio-Niterói, e fez 37 passageiros reféns. O caso terminou com a morte de Willian, atingido por um sniper, fato comemorado como um gol pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. “Sinto muita falta dele. Não vou mais fazer festa de aniversário. Para mim acabou. Nunca mais vou ter isso”, disse. 

    Dias antes, Willian tinha falado para Thayná que odiava ser negro e queria ser branco. “Ele brincava comigo e dizia que eu era mais clara. Acredito que ele sofria preconceito na escola, no curso, na rua”, explicou a irmã, sinalizando que a depressão dele, diagnosticada e tratada com remédios para reduzir a ansiedade, pode ter sido agravada por essa situação. Ele estava fazendo curso de segurança eletrônica e terminando o ensino médio.

    Aquela terça-feira, era para ser um dia de semana tranquilo na família de Willian. Na rotina normal, ele iria descansar pela manhã, estudar um pouco a tarde e depois trabalhar com seu pai na padaria, no período noturno. Mas não foi assim.

    “No dia anterior ao acontecido, ele me ligou para eu pedir um Uber porque precisava ir pra casa da minha avó materna. Ele até brincou comigo quando perguntei o endereço, disse ‘é pra China’”, relembrou. “Meu irmão dormiu lá na sua última noite de vida. Por coincidência, meu celular estava no alto. Eu nunca deixo ele com som. Logo cedo, um pouco depois das 5h minha mãe me ligou falando: vá na sua avó e veja se seu irmão está lá porque acho que quem está sequestrando um ônibus é ele”, contou. 

    Thayná chegou a ir na casa da avó materna, que mora ao lado, no Jardim Catarina, São Gonçalo, mas não tinha ninguém. Decidiu pular o muro, mas mesmo assim, não encontrou o irmão. “Liguei para minha mãe e ela teve a confirmação de que era ele naquele ônibus”, completou ela.

    Hora do parabéns: lembranças que doem | Foto: arquivo pessoal

    A mãe de Thayná correu para a Polícia Militar em busca de ajuda assim que teve a confirmação de que, de fato, era o filho o sequestrador. “Ela disse que quando chegou a delegacia, os policiais pareciam estar enrolando para levá-la até o local. Depois, pegaram o caminho mais longo até chegar lá onde ele estava”, completou.

    Por volta das 9h, Thayná, que acompanhava a cobertura do caso pela TV, soube que um disparo havia sido efetuado. “Eu pensei que a polícia tinha dado um tiro na perna, mas não. Minha mãe me ligou pra perguntar como estava o trânsito e eu falei: mãe, mataram ele”, contou. “Pra mim, naquele momento, foi um sentimento de impotência que tomou conta de mim. Eu não podia fazer nada para evitar aquilo.  Eu vi o meu irmão ser morto ao vivo, através da TV”, lamentou.

    A fotógrafa admite que até hoje não consegue explicar e muito menos entender por qual razão o irmão fez aquilo. “Ele nunca pensou em tirar a própria vida, nós somos de família evangélica e meus pais sempre ensinaram que não era certo”, explicou Thayna, que sentia seu irmão triste nos últimos dias. “Ele estava bem depressivo. Meus pais levaram ele no médico e sei que estava tomando remédio para dormir e para combater ansiedade”, relatou.

    Craque em português, Willian era amante da leitura. “Às vezes, se um filme tinha livro, ele preferia ler do que assistir. Nunca repetiu ano, sempre era o primeiro a chegar na sala de aula. Nunca foi de ter muitos amigos, não gostava de lugares cheios. Era um homem bom”, declarou. “Não posso dizer que ele era bandido porque bandido é quem rouba, mata, usa drogas. Meu irmão não fazia nada disso. Ele nem tinha tempo. Era muito apegado a família. Desde que eu sai de casa, quando casei, ele e minha mãe viraram melhores amigos”, disse Thayná. 

    A casa humilde no bairro Coelho, em São Gonçalo, onde os dois passaram a infância e adolescência, tinha dois quartos, obrigando os irmãos a dividir o cômodo. Mas, mesmo assim, Willian e Thayná eram unidos. “A gente brigava por bobeira, coisa de irmão. Ele não gostava quando eu incomodava o sono dele. Meu irmão nunca foi ruim. Nunca pegou nada meu, e olha que somos irmãos. Tudo ele pedia”, contou. “Ele nunca foi de muitos amigos, sempre falava pra não confiar em ser humano”. 

    Para ela, o irmão estava em um surto e nunca quis fazer mal àquelas pessoas no ônibus. “Pensa comigo, que sequestrador desce do ônibus sem um escudo humano? Sem uma vítima para ele ameaçar? Ele não quis machucar ninguém ali”, disse. “Se ele roubasse, fumasse, usasse drogas, matasse, a gente até esperaria algo assim, mas ninguém entende o que fez ele fazer aquilo. As vezes eu acho que ainda vou vê-lo na casa da minha mãe, lendo um livro, como ele sempre fazia”, declarou Thayná.

    “Não tive tempo para parar e sentir. Sei que quem procura acha e meu irmão pagou pelo que ele fez. Mas será que era necessário matar? Porque acredito que nossa polícia é despreparada, tudo é na base da bala. Sei que o que meu irmão fez não foi certo e ele pagou por isso”, contou. “A verdade é que nossa sociedade não sabe lidar com problemas da cabeça. Se no hospital, na UPA, a gente não recebe atendimento decente, imagina na cabeça? A depressão não é tratada ainda como uma doença no país”, disse Thayná a Ponte

    “Quando falam que estou defendendo bandido, não é isso. É só porque não tenho nada de ruim pra falar do meu irmão. Ele era ótimo. Fez besteira e pagou, só não precisava ser com a própria vida”, finalizou Thayná, que destacou que a família ainda está em choque, mas confia que Deus tem um propósito para tudo.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    1 Comentário
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários
    trackback

    […] entrevista exclusiva à Ponte, Thayná Silva conta que Willian deixou escapar que o racismo pode ter agravado sua depressão: […]

    mais lidas