‘Vira homem ou metemos bala! #Bolsonaro’: ameaças a um menino de 13 anos

    Flávio Bolsonaro foi um dos que divulgou ilegalmente vídeo em que meninos se beijavam; polícia analisa o caso, mas não comenta se deputado será investigado

    Deputado postou vídeo com adolescentes e pediu união de quem “se revoltou”

    Dois garotos, de 13 e 14 anos, passaram a receber ofensas e ameaças de morte depois que um vídeo no qual os dois se beijavam, na festa de aniversário de um deles, foi divulgado ilegalmente nas redes sociais.

    Uma postagem com o vídeo dos garotos que alcançou grande repercussão no Facebook foi a do deputado estadual fluminense Flávio Bolsonaro (PSC), que pediu para que os revoltados com as imagens se unissem “na luta contra a ideologia de gênero nas escolas” e chamou as cenas de “fim do mundo”.

    Os revoltados expressaram discurso de ódio e intolerância nos comentários da publicação. A exposição dos garotos levou internautas a descobrirem os perfis dos adolescentes nas redes sociais, iniciando uma série de perseguições virtuais. Em uma das mensagens, enviada por Whatsapp, uma voz de homem jovem menciona o nome de Bolsonaro e ameaça “meter bala” no adolescente e no seu “namoradinho” se não “se converter e virar homem”:

    https://soundcloud.com/ponte-jornalismo/ou-voce-se-converte/s-OWwaq

    Outras mensagens de texto chegaram por Facebook e Whatsapp: “Seu lixo merece apanhar viadinho de merda”; “Aí quando leva barra de ferro na cabeça vai reclamar”. Em estado de choque, os meninos acabaram apagando a maior parte delas.

    No dia 24, com o apoio do advogado Ariel de Castro, coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa (Condepe), os garotos e a mãe do mais novo, Ana Maria, 38, foram até a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos e Intolerância (Decradi), para a realização de um boletim de ocorrência por incitação ao crime, injúria e ameaça.

    Procurada pela Ponte, a CDN Comunicação, responsável pela assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que o caso foi encaminhado do Decradi para a Delegacia de Polícia de Itapevi, na Grande SP, onde a família mora. A SSP se recusou a comentar se o inquérito vai investigar as ações do deputado Bolsonaro.

    Além do inquérito que corre na Polícia Civil, Ariel de Castro também espera uma atitude da Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado de São Paulo, para quem o conselheiro do Condepe pretende encaminhar o boletim de ocorrência. “Faremos isso para que eles tomem medidas e acompanhem as investigações policiais. Os agressores precisam ser identificados e punidos, e esses adolescentes merecem receber um apoio de psicólogos e assistentes sociais, além do conselho tutelar de Itapevi”, disse.

    “Deus ama a todos por igual”

    O filho de Ana Maria completou 13 anos no dia 30 de outubro, mas decidiu comemorar a data em um sábado, 18 de novembro. A festa reuniu aproximadamente 60 pessoas em sua casa. O bolo era estampado com uma foto da cantora drag queen Pabllo Vittar.

    A gravação do vídeo foi feita na hora de o menino apagar as velinhas. Segundo a mãe, por uma pessoa que não havia sido convidada. “As pessoas que eu convidei são confiáveis, eu não sei se quem divulgou o vídeo fez isso por brincadeira ou maldade, mas com certeza por falta de sabedoria”, diz.

    A mãe acredita que o vídeo viralizou na internet por serem duas pessoas do mesmo sexo se beijando. “Foi isso que chamou a atenção, a idade não interfere em nada, tem adolescentes de 10 e 12 anos se beijando ou namorando com pessoas mais velhas e ninguém fala nada”, afirma.

    O filho dela se descobriu homossexual em outubro deste ano e apresentou o primeiro namorado para a família em 2 de novembro. “Quando uma pessoa gosta da outra, nada pode interferir nisso, independente se elas são do mesmo sexo, Deus ama todos por igual”, destacou.

    Incitação ao ódio

    O ativista LGBT Agripino Magalhães conta que foi um dos primeiros a ter ciência do caso e que a postagem de Bolsonaro fez o vídeo com os meninos se espalhar nas redes. “Quando acontece algo relacionado aos direitos dessa população, geralmente as pessoas me marcam em diversas publicações nas redes sociais. Eu tive o maior cuidado para investigar se realmente eram dois adolescentes gays, mas o vídeo já havia viralizado na internet quando o Flávio Bolsonaro postou em sua página no Facebook incitando ódio, além de começar a falar sobre ideologia de gênero, algo que não tem nada a ver com isso”, explica.

    De acordo com presidente do Grupo de Advogados da Diversidade Sexual e de Gênero, Paulo Iotti, o deputado Bolsonaro e outras pessoas que postaram o vídeo dos meninos podem ser processados. “Eles divulgaram esse conteúdo atacando os garotos. São obrigados a retirar o vídeo das suas páginas na rede social”, disse.

    Segundo Iotti, nem em tese os pais dos adolescentes poderiam ser responsabilizados por permitir o namoro dos meninos, como alguns comentaristas de internet afirmaram, mencionando a lei federal 12.015, de 2009, que passou a definir o crime de estupro de vulnerável, no artigo 217-A do Código Penal, como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos” —  e mesmo um beijo pode ser considerado um ato libidinoso. Para o advogado, criminalizar a conduta dos pais simplesmente não faz sentido. “A lei sobre atos libidinosos foi formulada para evitar o abuso de adultos com crianças, mas não se enquadra neste caso porque ambos possuem praticamente a mesma idade, além de namorarem sob fiscalização dos pais”, explica.

    Mesmo após todas as ameaças, Ana Maria afirma que a rotina da família segue normal: “Meu filho também não está com medo, vem estudando, fazendo curso, acabou de se formar no Proerd [Programa Educacional de Resistência às Drogas[, vai se formar no ensino fundamental na semana que vem, ele está feliz”.

    Para Ana, as famílias não podem desprezar os seus filhos pela sua orientação sexual. E dá uma dica aos pais: “Amem e lutem junto com eles, deem apoio independente do que ele for. O mundo lá fora já é preconceituoso, isso em casa se torna duas vezes pior”.

    Outro lado

    A Ponte procurou a assesssoria do deputado Flávio Bolsonaro na tarde desta sexta-feira por e-mail e telefone, mas o parlamentar não reapondeu.

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