Em 17 anos, PM de SP enquadrou o equivalente a toda a população brasileira

Texto: Jeniffer Menondça Data da matéria: 16/02/2023

Entre 2005 e 2022, a Secretaria de Segurança Pública registrou mais de 225,3 milhões de abordagens.

Se cada enquadro fosse correspondente a uma pessoa seria o equivalente a um pouco mais de toda a população brasileira revistada pelo menos uma vez, segundo a prévia do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022.

Apesar de a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo não apresentar dados detalhados de cada revista pessoal que é anotada, pesquisas voltadas à temática das abordagens policiais identificam que existe uma cor e tipos de localidade que são alvos na maioria dos casos.

“Você pode ser rico, você pode ser milionário, mas você nunca deixa de ser negro”, advogado Alexandre José Marcondes, 45, quando saiu de casa para ir à padaria no bairro do Alto da Lapa, na capital paulista, em outubro de 2022 e foi enquadrado com truculência.

“O que a gente tem é uma uma polícia extremamente violenta, que muitas vezes acaba realizando abordagens violentas e isso alimenta um ciclo de violência sem fim, traz uma série de marcas para as pessoas que são abordadas”, enfatiza Marina Dias, Diretora Executiva do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).

“A maioria das pessoas que não são abordadas não sabem como é viver com o medo de ser abordado a qualquer momento. O jovem negro tem medo de ser abordado, tem medo de sofrer uma prisão injusta, tem medo de sofrer uma violência e ser morto”, conta a diretora.

A pesquisadora Jéssica da Mata, autora do livro A Política do Enquadro, alerta que os dados de enquadros podem também estar inflacionados por essa questão de que a abordagem é uma tarefa protocolar do policial militar e é vista como meta de produtividade.

Ela caracteriza dois grupos políticos dentro da polícia como explicação para o grande número de abordagens: os civilistas e os militaristas.

O primeiro, ela define, são de policiais que entendem que o enquadro é uma meta que vem dos anseios da população e que a corporação tem que mostrar serviço.

Já o segundo se preocupa com a função disciplinar do enquadro. “O enquadro para esse grupo serve para tirar bandido de circulação, para chamar a atenção, dar esporro no marginal, essa é a mentalidade de um militarista”, explica.

No entanto, a advogada frisa que ambos são corporativistas no sentido de serem contrários a uma regulamentação do enquadro.

“Existe uma aliança entre o bloco militarista e o civilista de ‘a gente não vai regulamentar demais o poder de polícia, não vai controlar a discricionariedade policial, mas vai produzir resultados'”, pontua.

A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar sobre os dados de enquadros, prisões em flagrante, critérios de abordagem e se existe alguma apuração na Corregedoria sobre a abordagem contra o advogado Alexandre Marcondes. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu aos questionamentos.