POLÍCIA CIVIL DE SP IGNOROU CONTRADIÇÕES AO APRESENTAR 'QUARTO SUSPEITO' DAS MORTES DE BRUNO E DOM

Reportagem: Jeniffer Mendonça Imagem: Ponte/Reprodução

O que um homem que se apresentou à policia na Praça da Sé em São Paulo tem a ver com o assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira no Vale do Javari no Amazonas? Segundo a Polícia Federal: nada.

O fato de Gabriel Dantas Pereira ter se apresentado voluntariamente na manhã do dia 23 de junho dizendo ter envolvimento em um crime que ocorreu a milhares de quilômetros de distância da capital paulista não deixou a Polícia Civil de São Paulo intrigada.

Poucas horas depois, fotos e vídeos de Gabriel como o suposto “quarto suspeito” das mortes já circulavam na imprensa. O apresentador Luiz Bacci, do programa Cidade Alerta da Record TV, compartilhou a foto com os dados do rapaz em seu Facebook.

O delegado Roberto Monteiro, da Seccional Centro, chegou a afirmar no mesmo dia que Gabriel era de Manaus e que ele havia narrado "com muita riqueza de detalhes" o que fez.

Roberto Monteiro tem aparecido com frequência na mídia para falar das operações da Polícia Civil na região conhecida como "Cracolândia". Ele já se referiu aos dependentes químicos como “mortos-vivos” e também divulgou fotos com RG de suspeitos em suas redes sociais.

No entanto, casos de falsas confissões não são novidade para a polícia. O analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Guaracy Mingardi, explica que a estratégia utilizada pela polícia dos EUA, por exemplo, é a de não divulgar certos detalhes da investigação.

“Se tem alguma comprovação, apresenta [a pessoa] para a Justiça, antes disso, não se fala sobre porque pode gerar o que a gente chama na polícia de vender fumaça, que só atrapalha a investigação”, comenta Mingardi. 

Questionada sobre as provas, a delegada Vanessa Guimarães mencionou que Gabriel prestou depoimento, disse que carregava "papéis de todo o trajeto que ele percorreu", que um caminhoneiro lhe deu carona. O depoimento do caminhoneiro citado também foi divulgado pela polícia.

O advogado Bruno Salles, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), afirma que a confissão de um crime não significa que haverá prisão e nem condenação imediata. É apenas o ponto de partida para a produção de provas.

“Nessa sociedade do espetáculo que a gente está vivendo, nessa sociedade dos vídeos de notoriedade que geram poder e dinheiro, é só a gente ver os casos do Gabriel Monteiro e do Delegado Da Cunha monetizando operações, contamina as instituições”, critica Salles.

A Ponte foi o único veículo a questionar diversas contradições no depoimento de Gabriel à polícia. O rapaz disse que as mortes do jornalista e do indigenista teriam ocorrido no Rio Madeira, a mais de 1.200 km do Rio Itacoaí onde eles desapareceram.

Gabriel também mencionou o nome de uma comunidade que não existe no Vale do Javari, além de relatar que durante sua fuga passou por diversas cidades sem considerar o tempo e a dificuldade em percorrê-las. Ele ainda se confundiu sobre quem seria Dom e Bruno.

Depois de analisar o depoimento, a Polícia Federal considerou a versão do rapaz "pouco crível e desconexa com os fatos".

Acesse a reportagem para entender o passo a passo de uma investigação que parte de uma confissão.