YouTube censura canal que denunciou juiz que desdenha da Lei Maria da Penha

    Conteúdo completo do canal Papo de Mãe foi retirado do ar após denunciar o juiz Rodrigo de Azevedo Costa, que disse que ‘ninguém agride de graça’. Plataforma tem histórico de censura jornalística no país – apenas com a Ponte foram seis casos

    O juiz Rodrigo de Azevedo Costa: ‘Ninguém agride de graça’. | Foto: Reprodução / Facebook

    O canal no YouTube do blog Papo de Mãe, veículo que denunciou o juiz Rodrigo de Azevedo Costa, foi retirado do ar pelo Google, empresa responsável pela plataforma de vídeos. De acordo com uma postagem no blog, o canal saiu do ar sem nenhum aviso prévio e nenhuma explicação.

    [ATUALIZAÇÃO: em postagem realizada na noite do dia 26/12/2020 o blog Papo de Mãe informou que o canal voltou ao ar na íntegra. Em nota, o YouTube diz que a culpa foi do “algoritmo”: “O YouTube conta com uma combinação de inteligência de máquina e revisores humanos para identificar, avaliar e remover conteúdo que viola nossas diretrizes de comunidade. Sabemos que esses sistemas estão sujeitos a erros. O canal Papo de Mãe foi encerrado após uma detecção automática de uma violação às nossas políticas de spam, práticas enganosas e golpes. Fizemos uma revisão e identificamos que não houve violação. Todos os vídeos foram restabelecidos e o canal está funcionando normalmente.”]

    O Papo de Mãe havia denunciado no dia 17 de dezembro que, em audiência da Vara de Família da Freguesia do Ó (na capital paulista) realizada em 9 de novembro, Rodrigo teria mostrado aberto desprezo pela Lei Maria da Penha. “Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem Maria da Penha contra a mãe eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça. E eu não estou falando que esse de graça é porque a outra pessoa fez para provocar. De repente a pessoa que agrediu entende que a pessoa olhar para ele de um jeito x é algo agressivo. Eu não sei o que passa na cabeça de cada um”, diz o juiz em um dos vídeos publicados pelo Papo de Mãe.

    Leia também: Juiz ataca Lei Maria da Penha e medidas protetivas: ‘Ninguém agride de graça’

    Depois da primeira denúncia o blog trouxe novos vídeos, de outras audiências online, onde Rodrigo tambpém se comportou de forma nada exemplar. Em uma delas, sobre a guarda compartilhada de uma criança, diz: “Esses dois vão ter que resolver entre si quem vai cuidar do filho. Ou senão dá pra adoção. Se não pode cuidar, põe num abrigo, sei lá, faz uma coisa assim”. Em outro caso, tenta dissuadir uma mãe vítima de violência doméstica durante uma audiência sobre pensão alimentícia: “Será que vale a pena levar esse negócio de medida protetiva para a frente?”.

    O caso ganhou forte repercussão e a Ponte publicou uma reportagem dando o nome e mostrando o rosto do juiz. A Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo já disse que vai exigir “providências urgentes” sobre Rodrigo. “Ante a aparente gravidade das condutas, a exigir providências urgentes no sentido especialmente de obter cópia integral da audiência realizada e completa identificação de seus participantes, determino a instauração, de ofício, por esta Corregedoria Geral da Justiça, de expediente de apuração preliminar”, diz nota assinada pelo Corregedor Geral de Justiça, Ricardo Anafe.

    Leia também: YouTube censura vídeos da Ponte que denunciavam aulas de tortura

    Apesar da censura promovida pelo YouTube, que até a publicação deste texto não havia explicado o motivo de apagar todo o conteúdo do canal, os vídeos com as deúncias voltaram ao ar, desta vez no UOL Mais, que hospeda o Papo de Mãe. O canal existia há 11 anos e postava vídeos com ginecologistas, pediatras e reportagens sobre crianças deficientes, entre vasto material.

    No Brasil o YouTube tem uma longa história de censura a canais jornalísticos. A Ponte já contou seis ocasiões em que foi censurada pela plataforma por conta de seu trabalho jornalístico:

    1) Morte no Carrefour: Trata-se do vídeo em que João Alberto Freitas é morto por seguranças do Carrefour. Simplesmente o vídeo jornalístico mais relevante dos últimos tempos, exibido sem parar por todos os veículos de comunicação. A Ponte publicou este vídeo em 20/11 e ele foi removido no dia seguinte por supostamente “violar a política do YouTube sobre conteúdo violento ou explícito”. O vídeo tinha aviso de conteúdo jornalístico e contextualização, além de marca d’água e vinheta. O Globo, por exemplo, postou um vídeo idêntico e não foi censurado. 

    2) Advogada racista e LGBTfóbica: A reportagem ‘Sou advogada internacional, cala sua boca, sua bicha’, diz mulher em ataque em padaria trazia um vídeo que também foi removido, desta vez com uma alegação diferente: “Este vídeo apresenta conteúdo de Sistema Brasileiro de Televisão e foi bloqueado por esse proprietário com base nos direitos autorais”. As imagens foram postadas nas redes e não tinham qualquer relação com o SBT. Não foi a primeira vez que alegações de direitos autorais foram aceitas pelo YouTube para censurar nosso conteúdo jornalístico.

    3) Denúncia e censura: Em 2019 o YouTube censurou uma série de vídeos em que a Ponte denunciava que policiais dão aulas de tortura e ensinam a como praticar chacinas de mulheres e bebês. A plataforma afirma que nossos vídeos violam parâmetros, mas considera que os vídeos desses professores estavam OK, tanto que continuam no ar até hoje. Nossos vídeos, que faziam uma denúncia socialmente relevante, foram removidos.  

    4) Denúncia de violência: O vídeo  da reportagem Jovem negro é amarrado nu, agredido e filmado em supermercado de SP  foi “removido por violar as políticas do YouTube sobre nudez ou conteúdo sexual”. O mesmo vídeo continua no ar, até hoje, no canal do Estadão.

    5) Denúncia de extremismo: O vídeo que mostrava as ações do grupo extremista que atacou o Porta dos Fundos, e que faz parte da reportagem 
    Grupo integralista que diz ter atacado Porta dos Fundos já invadiu UniRio
    , foi removido no final de 2019. Na época, subimos uma nova versão do vídeo, que não foi removida.

    6) Exposição de nazista: O vídeo da reportagem Nazista publica vídeo agredindo jovens e internautas aplaudem,foi incialmente “removido por violar a política do YouTube sobre assédio e bullying”.

    ATUALIZAÇÃO: Este texto foi modificado às 11h do dia 27/12/2020 para informar que o canal do Papo de Mãe voltou ao ar na noite do dia 26/12/2020

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