Criança negra toma 'geral' em mercado OXXO e pai é agredido ao denunciar racismo

Músico Dréeh Marthins levou socos e arranhões ao questionar atitude de funcionária da rede, em unidade na zona sul de São Paulo. Seu filho foi revistado por suspeita de furto, mas só tentava comprar um doce

Fachada do mercado Oxxo onde Dreeh foi agredido | Foto: Reprodução / Google StreetView

João* saiu da escola por volta das 13h30 da segunda-feira (10/6) e foi até a Avenida João Pedro Cardoso, no Parque Jabaquara, bairro da zona sul de São Paulo. A criança de 11 anos tinha recebido alguns reais de seu pai, e guardou para comprar um doce. Ele entrou em uma unidade do OXXO, rede de minimercados espalhados pela cidade de São Paulo, andou pelos corredores e escolheu o que queria comprar. Pelas câmeras, Veridiana Claudia, líder de loja, o observava. A criança negra, ao chegar no caixa, foi acusada de ter colocado em seus bolsos um produto, que estaria tentando furtar. Sem um adulto responsável acompanhando o garoto, a funcionária fez com que ele esvaziasse os bolsos, que não tinham nada, e “deu uma geral nele”, como definiria seu pai. Só então o menino foi liberado.

Dréeh Marthins, músico e integrante da produtora Love Funk, só soube do ocorrido no fim da tarde, quando chegou do trabalho. “Pai, eu acho que eu sofri preconceito”, João lhe disse ao narrar o que aconteceu no minimercado. Dréeh decidiu voltar à loja com seu filho no dia seguinte, para discutir o ocorrido.

À Ponte, Dréeh contou que chegou com seu filho de maneira educada ao minimercado, se apresentou, e então questionou o que havia acontecido no dia anterior. A checagem das câmeras e o pedido de esvaziamento dos bolsos do garoto de 11 anos, Veridiana lhe disse, seria um “procedimento da loja”, ele conta. “Não é procedimento, ele é menor de idade. Não pode encostar a mão. Precisa chamar uma autoridade, o pai, o Conselho Tutelar que seja, mas ela não pode”, Dréeh argumenta. Ele pediu para ver as imagens que mostrariam o filho dele escondendo produtos em sua roupa, mas elas não foram apresentadas.

Do carro, o músico relatou aos seus seguidores, em um vídeo, o que aconteceu em seguida. Ao ser confrontada se ela seria uma autoridade para ter procedido com a revista, a funcionária da rede se irritou e uma discussão começou. Veridiana segurou o pai do jovem pelo colarinho de sua camiseta, que foi rasgada, e o agrediu fisicamente ao ser chamada de racista. Dréeh levou socos no braço e arranhões. Seu filho, de dentro da loja, viu a agressão.

Vídeo publicado por Dréeh Marthins em seu perfil no Instagram | Vídeo: Reprodução

Dréeh estava no telefone com o atendimento da rede OXXO, relatando o ocorrido, quando foi agredido. Outros funcionários da loja seguraram Veridiana, que ainda foi atrás do balcão e pegou um pedaço de madeira para o agredir, ele conta.

A Polícia Militar foi ao local e ouviu a versão da funcionária da loja sobre o que aconteceu, que o músico aponta ter sido “vitimista”, e a de Dréeh. O músico chegou a ir ao 27º DP, no Campo Belo, e no 35º DP, no Jabaquara, mas não conseguiu registrar um boletim de ocorrência nos locais e acabou fazendo o documentoo pela internet. Ele diz ter acionado seus advogados e afirma que moverá ações contra a funcionária e a empresa. “A gente trabalha com funk e já é discriminado pra caramba para o povo ainda vir tirar uma com a gente”, Dréeh lamenta.

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João e seu pai não foram os únicos a passar por isso. Em agosto de 2023, homens negros foram presos, acusados de fazerem parte de um grupo que fez um arrastão em um OXXO no centro de São Paulo. A rede de supermercados demorou a entregar imagens das câmeras de segurança, e elas não ajudaram na identificação, porque as pessoas filmadas usavam máscaras. Ainda assim, todos os detidos pela polícia foram prontamente reconhecidos pelos funcionários da unidade.

No site Reclame Aqui, consumidores relatam também racismo, discriminação e violências praticados por seguranças da rede contra pessoas em situação de vulnerabilidade e contra consumidores negros. Em um dos relatos a empresa respondeu formalmente lamentar o ocorrido e não compactuar com a situação descrita. No outro, feito por quem sofreu a discriminação, não houve resposta.

Após a publicação da reportagem, o Grupo Nós, que controla o OXXO, entrou em contato com a Ponte e disse não compactuar com posturas racistas e estar “tomando medidas internas para que o fato narrado jamais volte a ocorrer”. Leia abaixo a nota enviada na íntegra:

A rede OXXO pauta suas ações no respeito às pessoas e não compactua com ações discriminatórias, posturas racistas ou que expressem qualquer tipo de preconceito.
Tão logo soube do ocorrido entrou em contato com o cliente e está tomando medidas internas para que o fato narrado jamais volte a ocorrer.
A rede pede desculpas ao Sr. André e a todos que se sentiram ofendidos com o ocorrido e reforça que desenvolve ações afirmativas e de inclusão para todos os colaboradores, com o objetivo de se manter como referência no atendimento e qualidade no setor.

Esta reportagem foi atualizada em 13/06, às 17h52, para incluir a nota enviada pelo OXXO.

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