Ação das polícias Militar e Civil mata dez trabalhadores rurais em fazenda no Pará

    Uma mulher e nove homens foram mortos na Fazenda Santa Lúcia, na área de Pau D´Arco, durante uma reintegração de posse, mas Governo do Pará diz que houve troca de tiros e resistência à prisão

    Caramante
    Corpos dos mortos em suposta resistência à prisão, nesta quarta-feira (25/5), no Pará – Imagem: Reprodução

    Dez pessoas (nove homens e uma mulher) foram mortas pelas polícias Militar e Civil do Pará, ontem (24/5), no município de Pau D’Arco, distante cerca de 870 km da capital Belém. Os corpos foram identificados na manhã desta quinta-feira, sendo cinco deles em Marabá e os outros cinco em Paraupebas. As vítimas são: Oseir Rodrigues da Silva, Nelson Souza Milhomem, Wedson Pereira da Silva, Wclebson Pereira Milhomem, Jane Julia de Oliveira, Bruno Henrique Pereira Gomes, Hercules Santos de Oliveira, Regivaldo Pereira da Silva, Ronaldo Pereira de Souza e Antonio Pereira Milhomem.

    A alegação oficial dos responsáveis pelas mortes foi a de que o grupo tentou resistir à prisão e atirou contra as forças de segurança, que não teve nenhum membro ferido. O governo paraense negou que se tratava de uma reintegração de posse, mas sim de cumprimento de mandados de prisão em decorrência de uma investigação sobre homicídio de um segurança da Fazenda Santa Lúcia.

    Mas, ao contrário do que diz o governo, havia um pedido de reintegração de posse e ele foi determinado pelo juiz da Vara Agrária de Redenção, Erichson Alves. No entanto, o magistrado não se atentou para as orientações que constam na Cartilha da Ouvidoria Agrária Nacional e nas diretrizes do Tribunal de Justiça, que determinam que esse tipo de ação seja realizada por Batalhão da Polícia Militar especializado nestas situações, justamente para evitar desfechos trágicos como o que aconteceu.

    Esse tipo de massacre, muitas vezes invisibilizado nos meios de comunicação mais tradicionais, não é exatamente uma novidade. Há pouco mais de um mês, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontou em seu relatório anual, Conflitos no Campo Brasil 2016, que no ano passado o número de mortes em conflitos de terra foi o maior em 14 anos, quando foram registrados 61 assassinatos. Das vítimas, 13 eram indígenas, quatro quilombolas, seis mulheres e 17 jovens de 15 a 29 anos.

    Somente neste ano, já são 36 assassinatos no campo brasileiro, incluindo os mortos da chacina em Redenção (PA). No último dia 19, completou-se um mês da Chacina de Colniza, no Mato Grosso, quando 9 trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados por um grupo de homens encapuzados. O MST definiu a chacina como uma “tragédia anunciada” e ressaltou que a região onde se localiza a cidade é uma das mais violentas do Mato Grosso.

    “Colniza hoje chora a morte e o desaparecimento dessas pessoas abandonadas pelo Estado, como há dois anos choraram a morte de Josias Paulino de Castro e Irani da Silva Castro — dirigentes camponeses do município, assassinados dois dias após denunciar ameaças para o ouvidor nacional do Incra. Mato Grosso chora por saber que há outras mortes anunciadas e que nada esta sendo encaminhado no sentido de impedir essas novas tragédias. O Brasil chora pela repetição desses ocorridos, que marcam o mês de abril. Tragédias como Eldorado dos Carajás que dia 17 completou 21 anos de impunidade, e que deixa a sensação de que trabalhadores podem ser assassinados que nada acontecerá aos mandantes. Assim como tantas outras mortes, não divulgadas”, afirmou, em nota, o movimento.

    A questão agrária no sudeste do Pará

    A região onde aconteceu esse massacre vive em tensão constante, porque, além dos trabalhadores rurais, há mais de 100 comunidades quilombolas, que, vez ou outra, se veem ameaçadas. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, no segundo semestre do ano passado, no dia 21 de outubro, durante reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, realizada na sede do INCRA, em Marabá, o coordenador do Acampamento Nova Vida, Ronaldo da Silva Santos, informou que as 150 famílias acampadas no local desejavam que o imóvel fosse destinado para a Reforma Agrária. As famílias estavam acampadas na área desde 18 de maio de 2015. O acampamento Nova Vida era parte da área de Pau d’Arco, onde as dez pessoas foram assassinadas ontem.

    O então Superintendente Regional do INCRA em Marabá, Claudeck Alves Ferreira, assumiu compromisso com Ronaldo de se reunir com o proprietário da fazenda e negociar sua destinação à Reforma Agrária. Porém, segundo Ferreira, a área não poderia ser desapropriada enquanto estivesse ocupada. Na época, participaram desta reunião, o então Ouvidor Agrário Nacional e Presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, desembargador Gercino José da Silva Filho; Aílson Silveira Machado, representante da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania; Representantes regionais do INCRA; Representante da Polícia Militar de Marabá; e coordenadores da Federação Estadual dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Pará (FETRAF – PARÁ). As dez mortes ocorridas provam, portanto, que, nem mesmo as reuniões com tentativas de conciliação têm dado resultados, até porque, como se demonstrou, os acordos não podem ou não querem ser cumpridos.

    Outro lado

    Em nota, divulgada na noite de ontem no site Agência Pará, responsável pela comunicação da administração estadual, o governo confirma as informações de número de mortos, localização e a quantidade de mandados, mas insistem na teoria de que houve um ataque contra os policiais. “De acordo com relato policial preliminar, o grupo recebeu com disparos de armas de fogo os policiais que foram até o local para cumprir os mandados. Com o grupo, foram apreendidas onze armas de grosso calibre, incluindo um fuzil 762 e uma pistola Glock modelo G25”, diz o texto, assinado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup).

    Ainda de acordo com as pastas, “os mandados de prisão foram emitidos justamente por conta de investigação sobre homicídio, tentativa de homicídio e formação de quadrilha. Portanto, a Segup esclarece não se tratava de uma ação de reintegração de posse. O Centro de Perícias Renato Chaves está auxiliando na identificação dos corpos e encaminhamento para os procedimentos de necropsia para em seguida liberá-los aos familiares. Os armamentos apreendidos também serão submetidos à perícia.”

    Além disso, o governo informa que o Comando de Missões Especiais da Polícia Militar e policiais civis de Belém, incluindo a Corregedoria das Polícias Civil e Militar, estão em Redenção para dar andamento e celeridade às investigações.

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