Tribunal Militar diz que não dá para 'medir' reação do policial que pisou no pescoço de mulher negra

Sentença que absolveu os PMs João Paulo Servato e Ricardo de Morais Lopes diz que a pincipal prova da ação dos policiais não mostra nem 10% do que aconteceu

“Legítima defesa não se mede com balança de precisão”. Esse foi um dos argumentos utilizados pelos representantes do Tribunal Militar que absolveu os PMs João Paulo Servato e Ricardo de Morais Lopes, que foram filmados em uma abordagem em que uma mulher teve o pescoço pisado por um deles em 2020.  A sentença proferida ao final do julgamento foi publicada na última quarta-feira (31/8).

Imagens reveladas pelo programa Fantástico, da TV Globo, em julho de 2020, mostraram que o policial pisou no pescoço da vítima, uma mulher negra, que estava rendida no chão. Ela ainda levou um soco no peito e um chute na perna durante a ação, que aconteceu em maio daquele ano. Segundo perícia da Polícia Civil, o golpe dado por Serverato foi responsável por uma fratura na perna da mulher.

“Não é possível exigir do militar do Estado, no torpor da situação, uma aplicação de força física com critérios matemáticos ou científicos, que mitiguem ou controlem totalmente a incolumidade física do agressor. Dentre os meios disponíveis para o policial, no momento, estavam a força física (defesa pessoal), o bastão tonfa e a pistola calibre .40”, justificou em seu voto favorável à absolvição dos acusados o juiz militar e tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo Alexandre Leão Lucchesi, que foi acompanhado pelo capitão da PM Alisson Bordwell da Silva e pelo também capitão Marcelo Medina.

Os PMs alegam que foram acionados para atender um chamado de um bar que estaria funcionando sem autorização durante a pandemia de Covid-19. Ao chegar no local, encontraram dois homens do lado de um veículo e se recusaram a serem revistados, segundo os policiais, e entraram em confronto com os agentes. 

A mulher que estava dentro do bar, que não estava funcionando no momento da abordagem, viu que um dos homens que estava sendo agredido pelos policiais era seu afilhado e tentou intervir com um cabo de vassouras, sendo derrubada após levar um chute na perna de um dos policiais e ter sido sufocada após um dos PMs pisar em seu pescoço.

Os policiais argumentaram que agiram em legítima defesa pois, além dos dois homens abordados e a dona do bar, outros pessoas da região, ao ver a cena, tentaram agredi-los. De acordo com a sentença, o defensor  dos PMs, o advogado e também ex-policial militar João Carlos Campanini defendeu que “o ideal é ver PMs preparados técnica e fisicamente, exibindo um corpo magro, forte e saudável, sem barriga etc., mas a realidade é bem diferente; que um dos réus é gordo e tem barriga; que o outro, em razão da adrenalina da ocorrência, mesmo jovem, quase teve um infarto”.

“No entendimento dos militares que proferiram os votos vencedores, as imagens juntadas aos autos mostraram menos de 10% de tudo o que ocorreu no sítio dos fatos, não se prestando a comprovar o que ali aconteceu e a verdadeira dinâmica do evento”, descreve a sentença assinada pelo juiz de direito da Justiça Militar, José Álvaro Machado Marques (que divergiu da absolvição ao lado do capitão PM Marcelo Adriano Brandão) , sobre o vídeo que foi a principal prova da ação dos PMs.

Ao saber que os policiais que a agrediram tinham sido inocentados das acusações, a mulher disse em entrevista à Ponte, no dia 24 de agosto, que sentia vergonha de ser brasileira. Além das consequências físicas que teve por contas das agressões ela teve danos psiquícos.

“Eu fiquei fazendo fisioterapia, mas não fiz tratamento psicológico porque nada vai apagar o que eu sofri”. Apesar disso, ela afirma categoricamente que vai seguir em busca de justiça: “Tive de mudar por medo, teve gente que se afastou achando que ia sofrer represália. Mas eu vou até o fim porque a gente não pode se calar, se não as leis não mudam e outras pessoas vão passar por isso”.

O advogado Felipe Morandini, que representa a vítima das agressões, disse que ficou “incrédulo” com a absolvição e que vai recorrer. “As imagens são claras, e demonstram as brutais e abusivas agressões sofridas”, criticou.

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“Muito se falou ontem, por ambas as partes, [no julgamento] acerca da mensagem que se passaria à sociedade e à policia militar naquele processo, e, ao que parece, a mensagem é a de que o policial militar tudo pode. Pode agredir, pode mentir, e pode matar. É uma carta branca dada à barbárie. Ninguém em plena e sã consciência pode considerar normal o que vimos nas imagens, e a impunidade dos policiais reduz a confiança da sociedade na instituição policial”, complementou.

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