Jovem é obrigado a depor no Deic, sem advogado, 11 dias após levar tiro na cabeça

    Baleado na cabeça e tratando de uma tuberculose, Ricardo Benassi saiu da Santa Casa para a delegacia; do lado de fora, a mãe, grávida de sete meses, se desesperou

    Fachada do Deic | Foto: Google Street View

    Onze dias após ser baleado na cabeça por policiais civis no centro da cidade de São Paulo, o vendedor Ricardo Benassi, 21 anos, foi levado nesta terça (19/12) da Santa Casa, onde estava internado, diretamente para o Deic (Departamento Estadual de Investigações sobre o Crime Organizado), no Carandiru, zona norte da cidade. Ali, ao longo da noite e da madrugada, foi interrogado pelos policiais da 2ª Delegacia da Divisão de Investigações sobre Crimes contra o Patrimônio, sem a presença de um advogado.

    Ricardo Benassi | Foto: arquivo pessoal

    A mãe de Ricardo, Renata Benassi, 40 anos, grávida de sete meses, passou a noite diante da entrada do Deic. Nem ela, nem uma advogado que a acompanhou, puderam entrar para falar com Ricardo. A mãe se desesperou. “Um policial veio para fora e falou que meu filho parecia estar dopado de remédio e estava com febre”, disse ela.

    O ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves, foi até o Deic no final da noite de ontem e confirmou que Ricardo estava sendo mantido incomunicável na delegacia. “Ele está preso e foi interrogado sem a presença de advogados”, confirmou o ouvidor. “As advogadas estavam do lado de fora da delegacia e não puderam entrar.”

    A mãe conta que recebeu uma ligação da polícia por volta das 18h. “Seu filho está no Deic e precisa que você traga medicamentos e roupa”, disse um policial ao telefone, segundo ela. Ao chegar na delegacia, não pode falar com Ricardo. Viu o filho à distância, dentro de uma salinha, vestindo apenas o avental do hospital. “Como deixaram ele sair do hospital sem nenhuma roupa?”, pergunta. Renata afirma que, durante as visitas ao filho no hospital, tentou várias vezes deixar algumas peças de roupa para ele usar quando tivesse alta, mas os funcionários não deixaram.

    Carro onde jovens estavam recebeu vários tiros; policia afirma que foi em legítima defesa | Foto: arquivo pessoal

     

    Além do ferimento na cabeça, Ricardo também vinha tratando uma tuberculose. “Com tudo isso, como deram alta para ele? E por que não mandaram meu filho para um hospital penitenciário?”, diz.

    São perguntas que por enquanto ficam sem resposta. Procurada por e-mail, a assessoria de imprensa da Santa Casa não respondeu.

    Atualizada em 22/12, às 17h50 – A Santa Casa enviou uma nota em que afirma: “Paciente recebeu alta em 19/12/2017. Estamos apurando as demais informações solicitadas”.

    Segundo o ouvidor da Polícia, Ricardo lhe disse que admitiu, ao ser interrogado pelos policiais, que pretendia participar de um furto no dia em que foi baleado pela polícia. “Eu perguntei se ele confessou e ele disse que [no dia do crime] ia furtar. Perguntei se bateram nele ou forçaram alguma barra, mas ele falou que não”, diz o ouvidor. Para o ouvidor, Ricardo parecia “estar bem”.

    Ricardo, quando estava na Santa Casa | Foto: arquivo pessoal

    Na madrugada de 8 de dezembro, policiais civis estavam atrás de um grupo de homens em um automóvel C4 branco, suspeitos de roubar casas no Morumbi, zona sul. Após descobrir que homens num carro idêntico ao que procuravam haviam acabado de roubar passageiros de um ponto de ônibus na Avenida Paulista, os policiais localizaram o C4 na Rua da Consolação. Ali, segundo os policiais, os ocupantes do carro branco pareciam conversar com os de outro carro, um i30 preto – onde estavam Ricardo e outro jovem, Vinicius Augusto Ferreira de Aguiar, 24 anos.

    Segundo a versão oficial registrada no boletim de ocorrência, quando os policiais se aproximaram, os dois automóveis saíram em fuga. Os ocupantes do C4 conseguiram escapar, mas o i30 teria batido próximo à esquina da Consolação com a avenida São Luís. Ali, segundo os policiais, houve uma troca de tiros e Ricardo acabou baleado. Tanto ele como Vinicius foram presos e respondem por associação criminosa, resistência e receptação.  Dentro do i30, a polícia afirma ter encontrado uma pistola .40 da Polícia Civil.

    Ricardo já havia sido preso por roubo, em 2014, e passou dois anos preso, até sair, no final do ano passado. Mas a família diz que ele teria abandonado o crime. “Ele trabalhava de dia num lava-rápido e à noite me ajudava a vender sanduíche natural na porta de uma faculdade, porque estou com uma gravidez de risco e não posso me esforçar muito”, conta Renata. “Meu filho não tem nada a ver com nenhuma quadrilha.”

    Ricardo no trabalho do lava-rápido | Foto: arquivo pessoal

    Terminado o interrogatório, Ricardo foi levado, na manhã de hoje, ao CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, na zona oeste. Segundo a família, ele tem uma nova cirurgia no cérebro marcado para 28 de dezembro, três dias após o Natal.

    Outro lado

    Atualizado em 20/12, às 23h45 – Em nota, a CDN Comunicação, responsável pela assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB), negou os testemunhos da mãe de Ricardo e do ouvidor da Polícia de São Paulo e disse que não impediu o acesso de Ricardo à sua advogada.

    A Polícia Civil informa que Ricardo Benassi recebeu alta hospitalar e foi encaminhado ao DEIC para prestar depoimento. No departamento foi realizado contato com os familiares para que estes levassem vestimentas e medicamentos receitados no hospital. Os policiais aguardaram por mais de quatro horas a presença do advogado do suspeito, o que não ocorreu. Ricardo foi transferido ao CDP.

    Cabe esclarecer que as investigações do departamento apontaram para o envolvimento de Ricardo com uma quadrilha presa no dia 8 de dezembro na região da 25 de março por roubos no Morumbi e Campos Elíseos. Além disso, quando foi preso, o suspeito estava em um veículo e trocou tiros com os policiais do Deic após reagir a uma abordagem. As investigações continuam.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas