Relatório internacional destaca ameaça de Bolsonaro à democracia brasileira

Estudo da Human Rights Watch aponta ameaças às instituições democráticas, condução da pandemia e violência policial como principais pontos de ataques aos direitos humanos no ano passado no país

Jair Bolsonaro (PL), apontado como ameaça à democracia brasileira pela ONG Human Rights Watch | Foto: Alan Santos/PR

A ONG Humans Rights Watch (HRW) apresenta nesta quinta-feira (13/01) o Relatório Mundial 2022. É a 32ª edição do estudo que analisa as práticas de direitos humanos em mais de 100 países. O Brasil aparece no documento como um país que precisa de atenção da comunidade internacional em 2022 por ser um ano eleitoral e por ter um governante que em diferentes vezes atacou instituições que são pilares da democracia, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e a imprensa.

Outros pontos em relação ao Brasil observados dentro do estudo incluem a forma como a foi tratada a pandemia e todo o processo que envolveu a vacinação da população no ano passado. O crescimento da letalidade policial e o aumento do desmatamento na Amazônia também foram destacados no levantamento como problemas históricos do país e que seguiram problemáticos em 2021.

O documento aponta que há um crescimento de governos autocráticos ao redor do mundo e reforça a importância de problemas globais que precisam ser resolvidos em um curto prazo como a mudança climática, a pandemia de Covid-19, a pobreza e a desigualdade, a injustiça racial.

“Em um país após o outro, um grande número de pessoas tem saído às ruas, mesmo correndo o risco de serem presas ou mortas, o que mostra que o apelo à democracia ainda continua forte. Mas os líderes eleitos precisam fazer mais para enfrentar os principais desafios e mostrar que governos democráticos entregam suas promessas” afirmou Kenneth Roth, diretor executivo da Humans Rights Watch.

Democracia sob ameaça

O estudo elenca alguns episódios ocorridos em 2021 que mostram que o presidente da República ameaçou de forma explícita a democracia no Brasil, como as frequentes tentativas de intimidação de Jair Bolsonaro à ministros da Suprema Corte do país, que investiga as possíveis interferências do presidente em nomeações na  Polícia Federal para defender interesses pessoais.

“Em agosto de 2021, o presidente ameaçou reagir às investigações fora das ‘quatro linhas’ da Constituição e encaminhou ao Senado um pedido de impeachment do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que conduz a maioria das apurações contra o presidente. O pedido foi rejeitado pelo presidente do Senado”, diz um trecho do relatório.

http://ponte.org/governo-bolsonaro-atacou-a-imprensa-331-vezes-nos-seis-primeiros-meses-do-ano/

Mesmo em ano eleitoral e diante de pesquisas que mostram que aprovação dos seu governo está diminuindo, Jair Bolsonaro segue em atrito com diferentes instituições e órgãos da sociedade. “Ele é um presidente que seu discurso atualmente tem pouca aderência inclusive em boa parte dos seus antigos apoiadores”, diz a diretora do HRW no Brasil, Maria Laura Canineu

Em outro trecho o documento aponta que o sistema eleitoral brasileiro esteve sob ameaça do governo federal e foi posto à prova pelo presidente, que questionou a segurança das urnas eletrônicas que são usadas há mais de duas décadas no país em diferentes eleições.

“O presidente Bolsonaro procurou desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, alegando fraude eleitoral sem nenhuma evidência. O Congresso rejeitou uma emenda constitucional defendida por Bolsonaro para mudar o processo eleitoral. Em seguida, Bolsonaro sinalizou que poderia cancelar as eleições, a menos que suas propostas fossem implementadas”, lembra o relatório.

O Brasil e a pandemia

Os confrontos entre o governo brasileiro e diferentes órgãos e entidades de saúde durante o período em que o mundo está tendo que conviver com a Covid-19 é detalhado no levantamento. Além de ter um comportamento relapso em relação à compra das vacinas para o país, a HWR lembra as inúmeras vezes que o governo não atendeu as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e é taxativa ao dizer que o Brasil não soube enfrentar a pandemia e usa a educação do país como exemplo.

“O governo brasileiro fracassou em sua resposta ao enorme impacto da pandemia de Covid-19 na educação. Segundo a UNESCO, as escolas brasileiras ficaram fechadas por 69 semanas entre março de 2020 e agosto de 2021 devido à pandemia. A falta de acesso a dispositivos adequados e à Internet, necessários para a educação online, excluiu milhões de crianças da escola, impactando especialmente crianças negras e indígenas, e aquelas de famílias de baixa renda”, aponta o relatório.

http://ponte.org/sete-de-setembro-tem-manifestacao-golpista-e-protesto-contra-bolsonaro-em-sp/

Na avaliação dos pesquisadores,o que era uma questão de saúde pública virou um embate político. O estudo faz menção à investigação feita pelo Senado Federal para apontar responsáveis por falhas durante a pandemia no Brasil e os indícios de corrupção por parte de agentes públicos para a compra de vacinas.

“Uma CPI do Senado sobre a resposta à Covid-19 revelou que o governo federal e autoridades locais falharam no fornecimento de oxigênio a hospitais no estado do Amazonas, levando a dezenas de mortes em janeiro de 2021. Também encontrou evidências de corrupção na compra de vacinas e falhas na resposta do governo”, diz o tezto do relatório.

Violência policial 

A letalidade da polícia brasileira ocupa um bom espaço dentro do relatório da HRW. Um dado comparativo lembrado pelo pesquisadores é que, depois de dois anos em números decrescentes, o número de mortes violentas intencionais aumentou quase 5% no ano passado em relação a 2020.

Usando como base um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o relatório mostra que a polícia matou mais de 6.400 pessoas em 2020 (último ano com dados disponíveis), sendo o maior número de mortes atribuídas às forças de segurança do país.

http://ponte.org/bolsonaro-dificulta-investigacao-do-ataque-em-aracatuba-ao-revogar-portaria-de-controle-de-explosivos/

“Embora algumas mortes por policiais ocorram em legítima defesa, muitas resultam do uso ilegal da força. Os abusos policiais contribuem para um ciclo de violência que compromete a segurança pública e põe em risco a vida de civis e dos próprios policiais. Em 2020, 194 policiais foram mortos, 72% deles estavam fora de serviço, de acordo com o FBSP”, diz o relatório.

A chacina do Jacarezinho, ocorrida em maio de 2021, onde 28 pessoas forma mortas pela Polícia Civil na favera carioca, é apontada como a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro e usada como exemplo no estudo para mostrar o tamanho da violência das polícias no Brasil. O levantamento lembra que as informações sobre a ação da polícia neste dia foram colocadas em sigilo por cinco anos.

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“A imprensa reportou que a polícia se recusou a fornecer as roupas das vítimas ao Ministério Público, que precisou solicitar uma ordem judicial para fazer buscas em estabelecimentos policiais. Em outubro, promotores denunciaram dois policiais por fraude processual e um deles por homicídio”, destaca uma parte do texto do relatório.

“Esse é um ano eleitoral ao mesmo tempo que é desafiador para o país. Temos um presidente que continua atacando os pilares da democracia e boa parte do ano de 2021 foi marcado por isso. Queremos chamar a atenção da comunidade internacional para o que acontece no Brasil e o que pode vir acontecer este ano”, sintetiza Maria Laura Canineu.

Outro lado

A reportagem procurou a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto para comentar as conclusões do relatório da HRW ma so e-mail de contato parece ter sido bloqueado para a Ponte.

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