Sobre PM, McDonald's e um vai tomar no cu

    Neste relato, o estudante Vinicius Lima conta como arrumou encrenca com um policial militar por querer pagar um lanche a um morador de rua

    Artigo_McDonalds_72
    Ilustração: Junião

    Vinicius Lima, especial para a Ponte Jornalismo

    Segunda-feira (25), 2h da manhã, estava no drive thru do McDonald’s com os meus amigos me divertindo, depois do show do Rashid na minha igreja, quando aparece um irmão de rua nos pedindo alguma coisa para comer. Na hora, nos mobilizamos para comprar um lanche e, enquanto meus amigos pagavam, eu e minha colega ficamos conversando com ele, até que somos interrompidos por uma viatura que disse a ele:

    — Sai daí, tá atrapalhando o pessoal.

    — Tá atrapalhando, não. Ele tá comigo.

    — Tô falando com ele, fica na sua.

    — Mas ele não tá atrapalhando, estamos conversando enquanto o lanche dele não chega.

    Me ignorando, o policial dirigiu a palavra de novo ao amigo que estava na rua. Desta vez com um tom mais elevado:

    — Já falei, dá o fora daqui!

    Bravo com o policial e a falta de sensibilidade deles, falei baixinho e brincando para o irmão de rua:

    — Manda eles tomarem no cu.

    Mesmo estando a uns 6 metros de distância, eles ouviram o que eu disse e o PM que dirigia a viatura saiu correndo do seu carro ofendido e perguntando o que eu havia dito. Pediu meus documentos, me revistou e achou apenas um carregador de celular. Após isso, começou o apavoro e toda tentativa de demonstração de autoridade, superioridade e o show da baixa autoestima e insegurança profissional.

    — Por que você tava ajudando esse cara?

    — Porque ele tava com fome.

    — Você sabe quem é ele?

    — Não, conheci hoje.

    — Ele é vagabundo, você gosta de ajudar vagabundo?

    — Se pedir alguma coisa, eu ajudo.

    — Por que você não leva ele para casa?

    — Porque ele só pediu um lanche.

    — Quando um ladrão entrar na sua casa, você vai chamar ele e não vai chamar a gente?

    — Não, vou chamar vocês.

    — Então, não manda a gente tomar no cu.

    — Eu errei, perdão.

    — Errou, é? Deixa eu ver seus documentos.

    Anotou minhas coisas, fez todo procedimento normal…

    — Você sabe quem manda aqui?

    — Não.

    — A Polícia Militar.

    — Legal.

    — A gente quer proteger vocês desses vagabundos!

    — E quem protege eles?

    — Vai tomar no cu, sai daqui! Tá saindo barato pra você ainda.

    Antes que você diga que eu não devia ter falado o que falei, pare para pensar uma coisa: o que mais te deixa nervoso? Uma ofensa ou alguém passando fome? Ver um igual na miséria ou sua fraqueza sendo exposta? Se ver incapaz de servir ao próximo ou se ver envergonhado pelo outro?

    A função da Polícia Militar é proteger a sociedade, mas proteger de quem e proteger qual sociedade? Nessa história, vimos claramente que, numa sociedade que é dividida, ela quer proteger uma mais rica (representada ali por mim) de uma mais pobre (representada pelo nosso irmão em situação de rua).

    A questão é que eles não estão preparados para lidar quando quem era para ser “protegido” vira a casaca e fica ao lado de quem era para ser “ameaça”. A polícia diz que precisa me proteger, mas, se o Estado não protege também os mais necessitados dessa proteção e acolhimento, apenas os que merecem ser protegidos, cabe ao amor quebrar essa meritocracia desumana. Não me lembro quem foi, mas sei que ouvi de algum pastor um dia “sempre que tiver de escolher entre a lei, a instituição ou a pessoa, fique do lado da pessoa, com o ser humano.”

    Quem atrapalhava a sua missão, o seu serviço ao próximo para priorizar o cumprimento da lei, Jesus chamou de “raça de víboras” (talvez seja o vai tomar no cu da época). O ponto e talvez o grande personagem dessa história não é meu erro, não é minha ação, não é o irmão de rua e também não é a PM, mas o contraste de suas reações: para a fome do irmão de rua e as vidas na periferia, a indiferença. Para a ofensa que fere a virilidade e o poder, a truculência e o abuso de poder.

    (*) Vinicius Lima é idealizador do SP Invisivel e estudante de Jornalismo na PUC-SP

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