Vídeos em que policiais confessam crimes devem ser suspensos, decide Justiça

Para juíza, o conteúdo “explicita violência com fundo discriminatório” e excedem limites da liberdade de expressão para “disseminar discurso de ódio”

Henrique Brito, Miquéias Arcênio e Wagner Almeida são alguns PMs que confessaram crimes em episódios de podcast | Foto: Reprodução

Uma série de vídeos onde policiais confessavam crimes denunciados pela Ponte em abril do ano passado devem ser suspensos. É o que deliberou a juíza Geraldine Vital, da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro, em decisão liminar expedida na última sexta-feira (14/6). A determinação ocorre no âmbito de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União (DPU) que pedem a exclusão e regulação de conteúdo pelo Google. 

Na decisão, a juíza Geraldine Vital escreve que “o material eletrônico explicita violência com fundo discriminatório de viés social, cultural, étnico e econômico, o que induz abuso de direito quanto à liberdade de expressão”. Geraldine diz ainda que “o conteúdo é desproporcional ao ideal informativo, de modo a exceder os limites do regular exercício da liberdade de expressão para, frontal e imotivadamente, disseminar discurso de ódio”.

O MPF e a DPU cobravam também responsabilidade do Google, dono do YouTube, onde os vídeos foram, na fiscalização e moderação dos canais CopCast, Fala Glauber, Café com a Polícia e Danilo Snider, onde os vídeos foram divulgados. A solicitação cobrava ainda que a norte-americana criasse mecanismo que fizesse análise permanente dos conteúdos publicados pelos canais mencionados ou em outros similares. A empresa também deveria pagar R$ 1 milhão por danos morais coletivos pelo material que está no ar.

Leia também: Policiais confessam crimes impunemente em podcasts e videocasts

A ação também pedia pagamento de R$ 200 mil por dano moral coletivo aos responsáveis pelos canais que divulgaram as falas dos agentes. Para o MPF e a DPU, Jocimar dos Santos Ramos, Glauber Cortes Mendonça, Danilo Martins Barboza da Silva e Kauam Pagliarini Felippe, os responsáveis pelos canais, veicularam conteúdo “de forma a incitar crimes, violar a presunção de inocência e o devido processo legal, além de disseminar discurso de ódio”. 

O pedido era de tutela de urgência para a ação, acatada pela Justiça Federal. O Google se manifestou contra a tutela de urgência e disse que fiscalizar, monitorar e remover os conteúdos dos canais citados e de similares poderia causar “perigo de danos a terceiros” e “gerando riscos à liberdade de expressão dos usuários do YouTube”.

Também haveria risco, segundo a norte-americana, de descumprimento da decisão judicial, já que haveria dificuldade de interpretação sobre o escopo do pedido do MPF e da DPU. Para o Google, a solicitação é muito ampla.

A decisão liminar foi de que o conteúdo dos vídeos citados sejam suspensos, tornando assim reversível sua volta ao ar caso, ao fim do processo, seja decidido pela manutenção dos conteúdos. A determinação é que sejam suspensos os vídeos: 

  • “Fiquei sem controle no Bope”, “SGT Britto – Catiano & Caveira Bope RJ”
  • “Me tornei cachorro louco depois dessa ocorrência”
  • “Cachorro louco e Britto relembram histórias engraçadas na PMRJ”
  • “Sargento Wagner Cachorro Louco”
  • “Cachorro Louco conta como quebrou 4 em favela”
  • “Eu fui pro tático para m4tar ladrão – Capitão Silva Rosa”
  • “O BOPE sobe assim para pegar vag4bundo de bobeira – policial Miqueias Arcenio”
  • “Policial do RJ sofre assalto no ônibus e…”
  • “M4t3i o dono da favela no primeiro serviço | Carecão do Fallet – CB Jeremias”
  • “A delegada só queria me prender porque eu… | Honório e Cachorro”
  • “A melhor polícia do Brasil são eles…| Evandro Guedes”
  • “Evandro Guedes foi preso por ameaçar…| Evandro CEO Alfacon | Cortes Copcast”.

Em uma busca no YouTube nesta terça-feira (18/6), foi possível encontrar quatro dos 12 vídeos ainda no ar.

A juíza, contudo, não obrigou o Google a monitorar e fiscalizar os canais citados e nem semelhantes, acatando em parte a manifestação da empresa estadunidense de que seria difícil cumprir essa imposição.  

Também era pleiteado que a Secretaria de Estado da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ) incluísse em instrução normativa um regulamento sobre discurso de ódio por membros da corporação e que fossem tomadas medidas disciplinares com relação aos PMs citados na ação.

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A magistrada não impôs mudança na instrução normativa, mas pediu que PMRJ prestasse informações sobre os procedimentos adotados para efetivação da instrução normativa nº 0234/2023 (que regulamenta o comportamento dos policiais, mas que é considerada insuficiente pelo MPF e pela DPU).

Outra imposição é de que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) se manifeste em 15 dias sobre o desejo de ingressar na ação como polo ativo. É solicitado também que o órgão esclareça se os fatos narrados foram objeto de inquérito civil ou mesmo ação perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ). 

O que dizem os envolvidos 

A Ponte procurou a Google, os donos dos canais citados e o MP-RJ buscando uma manifestação sobre a decisão. Não houve retorno até a publicação. O espaço segue aberto. 

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