Família denuncia racismo em mercado Extra após adolescente negro ser acusado de furto em SP

Pai diz que filho foi ameaçado por funcionários da rede em Peruíbe, litoral do estado, após acusação de ter furtado um chocolate Batom. “Fomos tratados como bandidos”, conta 

Fachada do Extra em Peruíbe (SP) onde jovem sofreu racismo | Foto: Reprodução / Google StreetView

A família de um adolescente negro de 17 anos denuncia funcionários do supermercado Extra, do Jardim Ribamar, em Peruíbe, litoral de São Paulo, por racismo. Segundo o pai do jovem, o professor Ricardo José Alves, 46, o filho foi acusado de roubar um chocolate e teria sido ameaçado por empregados da unidade. 

O caso ocorreu na quarta-feira passada (8/5) por volta das 14h. O adolescente e a namorada – também adolescente – foram ao mercado comprar salgadinho e refrigerante. Na ocasião, o casal comemorava o aniversário da união. Após pagarem as compras, o jovem conta que foi abordado por um segurança. “Hoje você escapou de tomar”, teria dito o homem, que o acusou de ter roubado um chocolate e o escondido na mochila. 

O adolescente nega que tenha roubado chocolate e disse que abandonou o item na prateleira de água sanitária. Pai fotografou item no local | Foto: Arquivo pessoal
O adolescente nega que tenha roubado chocolate e disse que abandonou o chocolate na prateleira de água sanitária. Pai fotografou item no local | Foto: Arquivo pessoal

Para responder à acusação, o jovem abriu a mochila e jogou tudo que tinha dentro dela no chão. O adolescente pediu para o segurança provar o que disse, que mostrasse, por exemplo, as imagens das câmeras de segurança. O pedido não foi atendido.

O adolescente diz que se viu cercado por mais dois funcionários que, segundo ele, não eram seguranças. Essas pessoas teriam ameaçado. “Se você continuar falando, vai tomar”, teriam dito. Acuado, o casal saiu da loja e o jovem ligou para os pais.

Ao chegar ao local acompanhado da esposa, o professor Ricardo conta que foi atendido pelo gerente e foi informado de que o segurança não estava mais ali. O funcionário do mercado teria afirmado que não era a primeira vez que o adolescente roubava o estabelecimento, sem que fossem apresentadas provas.

As câmeras foram pedidas pela família, mas só foram apresentadas imagens daquela quarta-feira (8). Nelas, conforme o pai, o jovem aparece abrindo a mochila para pegar o celular em um corredor onde eram vendidos salgadinhos. 

O adolescente contou que chegou a pegar um chocolate Batom, do tamanho de um dedo mindinho, para comprar em outro corredor, onde estavam exibidos produtos perto da data de validade. Ele diz que desistiu da compra e abandonou o objeto em outro corredor. Ricardo foi até o local indicado e encontrou o item ali. Segundo ele, os funcionários não quiseram acompanhar. 

Enquanto a família tentava entender o que aconteceu, o clima era de hostilidade contra eles. “Todos estavam debochando do que nós falávamos”, conta Ricardo. A situação ficou mais calma com a chegada da Polícia Militar, acionada pela família.

Dificuldade em registrar

Foi feita pelos policiais uma notificação da ocorrência, mas ninguém foi levado até a delegacia. Segundo o pai, o PM que o atendeu disse que não era necessário. A família conta que a PM revistou a mochila do adolescente. Segundo eles, nada foi encontrado, nem mesmo um bolso falso apontado pelos funcionários do mercado. 

No dia seguinte, a família foi até o departamento de polícia do município. Lá, uma funcionária (que o pai não soube identificar o cargo) teria dito que não era possível registrar o boletim de ocorrência porque a família não tinha o nome dos envolvidos e que ele, a esposa e a namorada não poderiam testemunhar.

A família acabou fazendo um BO on-line e na segunda-feira (13/5) veio até a capital para complementar o registro na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). O caso foi registrado como preconceito racial. 

A situação gerou angústia na família. Ricardo diz que ele e a esposa temem pela segurança do filho. “Nós não ficamos em paz quando ele sai de casa”. O professor reclama ainda da hostilidade dos funcionários. “Nós fomos tratados como bandidos”, diz. 

O jovem é rapper e Ricardo diz que o filho se veste com roupas mais largas e despojadas, características da cultura desse estilo musical. “Se ele fosse um menino branco, de olho claro e estivesse com roupa de escola particular, duvido que eles teriam visto isso”, diz o pai.

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O caso é uma situação clara de racismo, diz o Ricardo. Ela conta que não foi a primeira vez que isso aconteceu contra o filho na mesma unidade. Segundo o pai, o adolescente já chegou a ser perseguido por seguranças no mercado. Foram situações em que ele foi seguido pelos corredores e em que funcionários ficaram na frente do caixa esperando ele pagar e depois o seguindo até sair do mercado.“Essa vez foi a mais grave”, diz Ricardo. 

A família marcou para domingo (19/5), às 10h, uma manifestação em frente ao supermercado. Além de protestar contra o racismo, haverá manifestações culturais. 

O que dizem os envolvidos 

A Ponte procurou o grupo GPA, empresa dona do supermercado Extra, questionando a atuação dos funcionários e cobrando uma posição sobre o caso. Em nota, o GPA disse repudiar “quaisquer atitudes discriminatórias e tem o respeito e a inclusão como valores e compromissos inegociáveis, em alinhamento com o Código de Ética e Política de Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos, disseminados a todos os colaboradores”.

“Sobre o episódio relatado, está em contato com familiares do cliente para o apoio, transparência e esclarecimentos que forem necessários, bem como para que possam ser tomadas as decisões cabíveis”, completou o texto.

A Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) também foi acionada com questionamento sobre a posição adotada pela Polícia Militar e Civil em Peruíbe, que dificultou o registro da ocorrência. Em nota, a SSP informou que a conduta dos PMs citados não condiz com as diretrizes e protocolos da instituição. A pasta informou ainda que foram determinadas diligências para apurar o caso pelo 1º DP de Peruíbe.

Veja nota na íntegra

A SSP esclarece que a conduta dos policiais militares na ocorrência citada não condiz com as diretrizes e protocolos das instituições, portanto eles serão prontamente reorientados. As equipes policiais são constantemente treinadas para prestar o atendimento necessário às vítimas, como previsto na legislação vigente, em qualquer ocorrência de crime ou de denúncias.

O caso registrado é investigado pela Polícia Civil como preconceito de raça ou de cor pelo 1° DP de Peruíbe, área dos fatos. A autoridade policial determinou diligências visando ao total esclarecimento da ocorrência. Vale ressaltar que as Corregedorias das Instituições estão à disposição para formalizar e apurar toda e qualquer denúncia contra seus agentes.

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