Paisagista negro é absolvido por falta de provas após passar 12 anos como suspeito de atentado

Marcos Costa era acusado de três tentativas de homicídio em Salvador (BA); reconhecimento irregular e análise da localização feita pelo delegado foram desqualificadas por promotora

Foi com essa foto de Marcos que o reconhecimento irregular foi feito | Foto: Reprodução

O técnico agrícola paisagista Marcos Antônio dos Santos Costa, 58 anos, foi absolvido da acusação de três tentativas de homicídio. Há 12 anos ele vinha sendo considerado suspeito por um atentado ocorrido em maio de 2011 em Salvador, na Bahia. O alívio só veio na terça-feira (11/6) quando a Justiça reconheceu que não havia provas contra Marcos. 

A Ponte contou o caso na última semana, às vésperas da última audiência de instrução. Caso fossem consideradas as provas reunidas (um reconhecimento irregular e a análise das antenas de celular feitas por um delegado e não por uma equipe técnica), o paisagista poderia ir a júri popular. Especialista ouvido pela reportagem apontou problemas no reconhecimento de Marcos. A foto utilizada no reconhecimento é a que abre esta reportagem.

O atentado ao qual Marcos era acusado ocorreu na Avenida Antônio Carlos Magalhães. Um carro com três pessoas, sendo uma delas uma criança, teria sido abordado por outro motorista. Conforme contaram as vítimas em depoimento, este teria proferido xingamentos e sacado uma arma. Uma das vítimas disse que encontrou na lataria sinais de ao menos três tiros após conseguir fugir do agressor.

Um ano depois, uma das vítimas procurou a delegacia novamente. Disse ter encontrado na rua o suspeito que atentou contra a família. Segundo ela, o agressor estava no mesmo veículo usado no dia do crime: um Uno vermelho. A placa, anotada pela vítima, foi levada à Polícia Civil, que por meio dela chegou ao técnico agrícola paisagista.

Marcos teve uma foto tirada durante a investigação. A imagem foi apresentada às vítimas isoladamente em detrimento do que diz o artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP). Depois, já tendo visto a imagem do paisagista, elas fizeram o reconhecimento pessoal.

Para a promotora Mirella Britto, que pediu a absolvição de Marcos, o reconhecimento pessoal como foi feito não pode ser usado como evidência legitimadora de denúncia. 

Na manifestação, Mirella destaca que a descrição feita pelas vítimas não bate com o registro fotográfico em que elas dizem terem reconhecido Marcos. Diferente do que elas disseram em depoimento, de que o homem seria “moreno escuro”, mas não negro, Marcos é preto. 

Também foram detectadas outras contradições: Marcos não era magro como o descrito e usava bigode. Em depoimento, uma das vítimas disse que o agressor não tinha nem barba, nem bigode. 

A promotora salientou ainda que os dados de localização do celular de Marcos, obtidos por meio da operadora, não foram analisados por um órgão técnico capacitado, mas, sim, pelo delegado Jackson Carvalho da Silva.

Ao verificar as informações analisadas pelo delegado, a promotora percebeu que as marcações usadas por ele como a localização de Marcos eram, na verdade, a tabela de posição das antenas de estação de rádio base em Salvador. 

A promotora destacou ainda que, pela dinâmica narrada pelas vítimas, mesmo se embasando na análise feita pelo delegado, não é possível concluir que Marcos estava no local do crime. 

Segundo o relato das vítimas, o agressor, após as ameaças, não se direcionou para a Avenida Antônio Carlos Magalhães, mas sim para Avenida Luiz Vieira Viana Filho, o que necessitaria da ativação da Estação Rádio Base ali para legitimar a conclusão do delegado que fundamentou o indiciamento de Marcos. 

Diante disso, foi solicitado uma nova análise que mostrasse que, no momento do crime, Marcos estava no bairro Chame-Chame. O crime, contudo, ocorreu no bairro Stiep. 

A juíza Andréa Teixeira Lima Sarmento Netto, do 2º Juízo da 2ª Vara do Tribunal de Júri de Salvador, acatou o pedido do MP-BA e da defesa de Marcos feita pela Defensoria Pública e o absolveu. 

Cicatrizes que não fecham 

A decisão teve gosto agridoce para Marcos. O paisagista diz que sentiu alívio por não responder mais aos crimes, mas não uma felicidade plena. “Você continua um negro e continua exposto”, desabafa. 

O medo segue presente. Ecoam na cabeça as lembranças do dia da prisão: uma sirene de viatura no fundo do seu carro, o cachorro latindo demais. “Tem uma série de cicatrizes que não fecham”, fala. “Essas dores não cessam assim tão facilmente, as cicatrizes ficam e sempre vão estar aqui”, completa.

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Para Jorge Alex Sá Gomes, empresário e chefe de Marcos em uma empresa de paisagismo, o Estado deve uma reparação a Marcos. “O Estado brasileiro, o judiciário baiano, demorou quase treze anos para dizer o que todos que conhecem Marcos já sabiam”, diz. 

O que dizem as autoridades 

A Ponte procurou a Polícia Civil do Estado da Bahia (PC-BA), o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) solicitando entrevistas com os agentes públicos citados e uma manifestação sobre o caso.

A Polícia Civil disse que a demanda deveria ser encaminhada para o Tribunal de Justiça. 

Os demais não responderam. O espaço segue aberto.

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