Com ‘excesso gritante’ de tiros, PM mata jovem em Paraisópolis

Policiais que participaram de ação também foram baleados na manhã desta quinta (6) em comunidade na zona sul de SP; escolas da região cancelaram aulas

Um homem foi morto em uma ação da Polícia Militar em Paraisópolis, comunidade na zona sul da capital paulista, na manhã desta quinta-feira (6/6). Segundo testemunhas, a vítima, identificada pela PM apenas com o nome de William, tentou fugir de uma abordagem e acabou alvo de diversos disparos. Especialista diz que os tiros foram aleatórios e em quantidade “gritante”.

Vídeo obtido pela Ponte mostra o homem em luta corporal com pelo menos dois policiais. Em determinado momento, um deles sai e o outro segue atracado com a vítima. Segundos depois, é possível ver um agente efetuando diversos disparos. Em resposta à ação, a população que assiste grita frases como “covarde”, “mataram um cara sem reagir”.

Um vídeo de uma das câmeras na farda de um dos PMs, divulgado posteriormente pela Polícia Militar, mostra que William tenta tirar a arma do policial enquanto fugia.

O caso ocorreu na rua Ernest Renan. Testemunhas contaram à Ponte que o homem encontrou os policiais em uma viela e correu. A luta corporal teria ocorrido na sequência quando, ao fugir, a vítima encontrou mais policiais.

Uma testemunha ouvida pela reportagem diz que ambos os PMs dispararam, e que um deles teria atingido a perna do outro policial, mas que teriam registrado o caso como se o homem agredido tivesse roubado a arma e atingido o policial militar.

“O cara não estava armado. Ele foi abordado e o jovem não quis ser abordado e entrou em luta corporal. O menino ágil, bom de briga, se atracou com dois policiais. Um deles conseguiu se desvincilhar e deu três tiros no jovem, que ali já perdeu a força. Logo depois, outro também estava atirando. Essa história de quem o jovem abordado teria atirado nos policiais é mentira”, contou uma liderança local, sob condição de anonimato.

Sugar Ray Robson Gomes, que é sociólogo e coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, diz que é difícil uma análise técnica à distância e sem a filmagem completa, mas que o excesso de tiros foi gritante. “Atirou aleatoriamente. Não foi na perna, no braço. Atirou onde acertou”. O sociólogo afirma que havia ali superioridade física – dois policiais contra uma pessoa.

Escolas na região, como a Escola Estadual Miguel Arraes e o Programa Einstein na Comunidade Paraisópolis, cancelaram as aulas do período da tarde desta quinta (6) devido ao ocorrido.

Repressão recorrente

Paraisópolis tem pasasdo por episódios ininterruptos de violência e repressão por parte da PM em 2024. Em abril deste ano, uma criança foi atingida no olho durante um tiroteio em uma ação policial, enquanto era levada pela mãe para a babá, e perdeu a visão do olho direito.

Na ocasião, moradores e lideranças locais organizaram um protesto pedindo paz no bairro. A resposta parece ter sido mais repressão. Moradores contam que há dois meses a PM tem ocupado a comunidade em umas espécie de “Operação Saturação”, invadindo casas e fazendo revistas arbitrárias. “Sou morador da comunidade há 44 anos, e não temos nada contra a polícia, se viera aqui fazer seu trabalho direitinho. Vir matando, batendo, invadindo casas, não dá. A minha casa mesmo foi invadida recentemente”, aponta a liderança. Vídeos de casas reviradas por policiais e relatos de abordagens truculentas circulam em grupos de WhatsApp nas redes sociais.

Neste domingo (2/6) a PM jogou bombas de gás lacrimogêneo e agrediu pessoas qeu acompanhavam uma roda de samba no Boteco da Praça, em frente à unidade de Assistência Média Ambulatorial (AMA) Paraisópolis.

Paraisópolis, que foi palco em dezembro de 2019 do Massacre de Paraisópolis, em que uma ação da PM para dispersar um baile funk terminou com nove jovens mortos, também foi o local onde ocorreu um suposto atentado contra a campanha do governador Tarcísio de Freitas (Republcianos) em outubro de 2022.

O que dizem as autridades

A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) solicitando entrevista com porta-voz, um posicionamento sobre a ação e atualização do estado de saúde dos policiais. Em nota enviada à reportagem, a SSP informou que:

A Polícia Militar apura todas as circunstâncias relativas ao fato por meio de Inquérito Policial Militar (IPM) e analisa as imagens da ação, incluindo as captadas pelas Câmeras Operacionais Portáteis (COPs) dos policiais. A ocorrência está sendo registrada no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que prosseguirá com as investigações no âmbito da Polícia Civil. No local da abordagem, permaneceram equipes da PM para garantir a segurança das equipes de perícia, bem como a ordem pública. A Corregedoria da PM está à disposição para registrar e apurar eventuais denúncias contra seus agentes. Confirmada qualquer irregularidade, o policial envolvido será responsabilizado.

Sobre o caso:
Na ocasião, equipes da PM faziam patrulhamento pela região. Durante os trabalhos, um suspeito, procurado por roubo e furto, tentou fugir ao perceber a presença policial. Abordado por uma das equipes, ele resistiu e entrou em luta corporal com os agentes. Durante o confronto, ele pegou a arma de um dos policiais e atirou contra a equipe, ferindo os dois PMs. Mesmo ferido, um dos agentes conseguiu intervir e atingiu o suspeito. Todos foram socorridos a hospitais da região, porém o suspeito não resistiu aos ferimentos.

O Hospital Albert Einstein, para onde foram encaminhados os PMs, não quis se pronunciar sobre o estado de saúde deles “por respeito à privacidade e ao sigilo”.

Em nota enviada ao portal Vila Andrade News, a Polícia Militar de São Paulo afirmou que “o Cabo PM Barbosa tentou deter o suspeito, resultando em confronto físico. Durante a altercação, o infrator conseguiu tomar a arma do policial e começou a efetuar disparos contra os policiais, alvejando o Soldado PM Furlan com dois disparos – um no colete balístico na região do tórax, que não transfixou, e outro no antebraço direito, com entrada e saída. O Cabo PM Barbosa foi atingido por um disparo na perna, também com entrada e saída”.

Reportagem atualizada às 19h de 6/6/2024 para adicionar nota da SSP-SP

Reportagem atualizad aàs 18h55 de 17/6/2024 para adicionar contexto à reportagem

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