Estátua de Iemanjá que protege pescadores e banhistas há 50 anos é vandalizada na Paraíba

    Doado pela Federação Espírita da Paraíba em 1966, o monumento é um patrimônio público de João Pessoa

    Sob a escuridão da noite e longe dos olhos testemunhas, a estátua de Iemanjá na praia do Cabo Branco, sofreu um violento ataque de intolerância religiosa, a cabeça foi arrancada e seus dedos estilhaçados a golpes furiosos. O crime aconteceu em março de 2016, em João Pessoa, capital da Paraíba, ano em que imagem completou 50 anos.

    Nove meses depois, nem a polícia e nem a prefeitura identificaram os autores do ataque. O segundo deste tipo, pois, em abril de 2013, a estátua foi parcialmente destruída por intolerantes. A imagem segue sem cabeça e dedos, porém, inspirando a fé, a compaixão e a resistência das pessoas.

    Estátua de Iemanjá, Praia do Cabo Branco, outubro/2016
    Estátua de Iemanjá, Praia do Cabo Branco, outubro/2016

    Diariamente, muito antes do nascer do sol, pescadores voltam os olhares para Iemanjá e pedem sucesso na empreitada no mar e proteção para que turistas e banhistas não se afoguem nas praias da capital paraibana, que atualmente conta com 801 mil habitantes.

    A intolerância é algo que está muito presente no nosso cotidiano. E quando o assunto é religião, e principalmente as de matrizes africanas, isso piora bastante. Acontecem ataques aos terreiros, manifestações de desrespeitos e acusações injustas. Além de casos de agressão física, como aconteceu com uma menina no Rio de Janeiro. Acredito que tudo começa com o desrespeito. Ele é o acelerador de todos os outros males”, diz a educadora Eloisa Caráteu, da Casa de Cultura Ilé Asé d’Osoguiã, entidade que existe desde 2009, promovendo atividades gratuitas de cultura, esporte e educação na cidade.

    Em João Pessoa, existem atualmente 111 terreiros em atividade, cerca de 10% deles foram fundados há mais de 50 anos, e enfrentaram perseguições na época da Ditadura Militar. O levantamento foi feito pela Casa de Cultura Ilé Asé d’Osoguiã.

    “É triste ver os dedos e a cabeça de um símbolo tão grandioso arrancados. E o mais triste é a impunidade, porque sabemos que quem fez isso está solto por aí”, desaba Eloisa. A educadora ressalta ainda que Iemanjá é também um patrimônio público da cidade. “Até os pescadores de outros seguimentos religiosos respeitam muito a estátua. Mesmo sendo um símbolo de coisas boas e positivas, ela foi atacada mais de uma vez”.

    Estátua de Iemanjá, Praia do Cabo Branco, outubro/2016
    Estátua de Iemanjá, Praia do Cabo Branco, outubro/2016

    Após o ataque de 2013, a prefeitura custeou a reforma do monumento que ficou em R$ 7 mil. Além da estátua de Iemanjá, na praia do Cabo Branco, existem diversas estátuas de Nossa Senhora da Penha, da Igreja Católica, espalhadas pelas praças da cidade, esses altares são pontos de adoração durante a tradicional romaria da cidade e nunca sofreram ataques de intolerância religiosa.

    Em João Pessoa, as festas para Iemanjá acontecem no final de dezembro e início de fevereiro. São celebrações que unem todos os terreiros da capital paraibana.

    O rapper paulistano Lenda ZN, praticante do candomblé, fala sobre a importância de Iemanjá no equilíbrio das energias. “Quando os pescadores mantém um culto de boas vibrações, para ter boa pesca e alimentar as pessoas, eles estão se enchendo de axé, boas energias, e consequentemente emanando essa boa energia para todos que os rodeiam”.

    Lenda ZN identifica um viés racista no ataque às religiões de matriz africana. “Se Orixá fosse alguma doutrina dos tempos do Buda, criado no Japão por monges que flutuavam, não odiaram tanto, o problema é que no tempo dos navios negreiros, tudo que vinha de pessoas de pele preta, era tido como “errado”. E isso se perpetua até os dias de hoje“, diz.

    Estátua de Iemanjá, Praia do Cabo Branco, outubro/2016
    Estátua de Iemanjá, Praia do Cabo Branco, outubro/2016

    A intolerância religiosa, segundo Lenda ZN, tem conexões com outros tipos de radicalismo. “A motivação de arrancar a cabeça de uma imagem que não te diz respeito, é a mesma do homofóbico que ataca pessoas LGBT, do mesmo lugar que alguém chuta um morador de rua, aliás é a mesma da população apoiou a crucificação de Jesus. São pessoas ruins que querem tudo da forma como eles acham que deve ser. A minha fé me ensinou a respeitar tudo e todos até porque o candomblé é uma religião totalmente altruísta. De 7 dias da semana, 6 são dedicados a cuidar de pessoas que precisam de cuidado”.

    As manifestações de intolerância religiosa também aparecem nos pequenos detalhes das relações diárias. “São olhares preconceituosos quando estamos de branco na rua ou com o fio de conta e contreguns aparecendo no colarinho da camisa. É um olhar de intolerância e desrespeito. Precisamos de mais amor, Religião vem do latim Religare, religar, se conectar com o lugar de onde todos viemos e isso tem a ver com Amor, amar o próximo como a ti, respeito mútuo“, diz.

    Em resposta à Ponte Jornalismo, a prefeitura de João Pessoa informou que se reuniu com representantes dos terreiros da cidade e está tomando providências para uma nova restauração da estátua de Iemanjá em 2017. A prefeitura estuda a remoção da imagem para um outro local, pois por conta do avanço do mar e erosões a praça de Iemanjá está sendo poupada de intervenções.

    A estátua de Iemanjá é um patrimônio público de João Pessoa, que foi doada pela Federação Espírita da Paraíba em 1966.

    estatuaiemanja

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