Mais política, menos polícia, por favor!

     

    As alternativas existem. Controlar o crime é uma medida necessária, mas não suficiente. Os políticos têm fechado os olhos para práticas preventivas que há décadas se mostram eficazes em outras cidades

    segurancacidada

    Presidente, governador, prefeito, pai e mãe. Pessoas que precisam exercer a autoridade em suas missões cotidianas. As diferenças são gigantes, mas prefiro me concentrar nas semelhanças. Elas existem, podem crer. Pensei nisso quando li o artigo do Contardo Calligaris, Crianças Protegidas e Inseguras, na Ilustrada, falando sobre a educação dos filhos. Muito do que o psicanalista escreveu ajuda a refletir também sobre a insegurança da população em uma cidade como São Paulo.

    Contardo cita um dado revelador. Em 1971, 80% das crianças de 8 anos iam para as escolas sozinhas nos Estados Unidos. Esse total caiu para 7% em 1990. É de se imaginar que as crianças tenham se exposto menos a riscos, mas as taxas de acidentes infantis se mantiveram estáveis. O que isso significa? Que nesse período cresceu a insegurança dos pais e a fobia das crianças. O excesso de zelo não deixou a vida de meninos e meninas mais seguras. Pelo contrário, produziu insegurança. A confiança depende justamente da autonomia que é dada a elas.

    Devemos novamente colocar SP no divã para tentar pensar sobre o que entendemos por segurança. Perceba a histeria atual. A visão que associa segurança pública com policiais militares nas ruas parece hegemônica. Basta ver os políticos repetindo a mesma ladainha nos horários eleitorais. Não há espaço para dissidência. O centro da cidade está inseguro e os movimentos sociais estão pressionando as autoridades? Disque 190! Os protestos estão parando as ruas na hora do rush? Camelôs estão vendendo produtos ilegais? Chame a polícia! Vamos encher a cidade de PMs para correr atrás dos suspeitos, retirá-los de circulação e jogá-los dentro de prisões superlotadas. Quem sabe assim a gente se sinta menos vulnerável, expurgando o medo que hoje paralisa parte da população.

    As alternativas existem e precisamos prestar atenção nas opções. Controlar o crime é uma medida necessária, mas não suficiente. Os políticos têm fechado os olhos para práticas preventivas que há décadas se mostram eficazes em outras cidades. Não é utopia, mas realidade. Essas intervenções já mostraram excelentes resultados nas principais cidades europeias, assim como nas colombianas Bogotá e Medellín e em capitais mundiais como Nova York e Washington.

    Em vez da obsessão pelos PMs na tentativa de controlar o crime, essas cidades apostaram em soluções urbanísticas que estimulam a circulação pelas ruas, com os moradores assumindo os espaços públicos da cidade e ampliando o convívio nesses locais. Assim como ocorre na educação das crianças, a superproteção aumenta a fobia. O espírito de “guerra contra o crime” só produz medo em excesso, construindo uma visão covarde e irreal sobre os riscos da vida cotidiana na cidade.

    Obviamente ninguém aqui está dizendo que a polícia não é necessária, mas que o excesso e a obsessão aprisionam. A população precisa aprender a viver do lado de fora da bolha de plástico que construiu para se proteger em São Paulo. O fortalecimento da confiança e da autonomia são objetivos chaves de uma política de segurança pública. Em vez de carros, ajuda incentivar o ônibus, metrô e bicicletas. Em vez de shoppings, vamos dar vida às praças, lojas de ruas e prédios com uso misto. Festas e shows em público são sempre bem vindos, assim como todas as medidas que aumentam a qualidade de vida numa cidade e que fortalecem a confiança da população.

    Polícias truculentas e que desrespeitam os cidadãos, pelo contrário, aumentam o medo e minam a confiança nas instituições, fragilizando a capacidade de controle da sociedade.

    Cabe também aos políticos assumirem seu papel e responsabilidades. Abusar do diálogo na mediação de conflitos é peça chave para a construção de uma política alternativa de segurança pública. Em vez de obrigar a obedecer pelo uso da força, chega-se à solução pelo consentimento.

    O programa De Braços Abertos, que o prefeito Fernando Haddad implementou na região central da cidade chamada de cracolândia, foi um exemplo interessante dessa alternativa. Dois anos antes, a PM havia feito uma operação saturação na região. Manteve por meses mais de 500 homens no local, que ficou lotada de viaturas, prendendo mais de 2 mil pessoas, soltando bombas e dando tiros com bala de borracha. Na época, o governo de São Paulo chegou a dar um mês para a cracolândia acabar. Foi apoiada pelos blogueiros e adoradores das atitudes policialescas.

    A cracolândia continuou igual. No ano passado, o programa De Braços Abertos tentou apostar na negociação. Chamou os usuários de crack e frequentadores da região para conversar e discutir sobre a situação do local. Foram oferecidos empregos e salários para os usuários que, com o tempo, deveriam deixar de consumir a droga nas ruas. Os resultados ainda são discutíveis, mas pelo menos dessa vez a PM não foi vista como a panaceia. É pelo menos uma excelente tentativa de mudança de paradigma.

    Na última semana, contudo, talvez pela proximidade das eleições que transforma os discursos fáceis em regra, a truculência policial voltou a dar as cartas, apoiada inclusive pela Prefeitura. Na quinta-feira, um PM que atuava numa Operação Delegada (o chamado bico oficial) pago pelo município participava de um rapa em busca de mercadorias piratas quando matou um ambulante na zona oeste. Na terça-feira, a PM já havia marcado presença com força bruta na reintegração de posse de um edifício há dez anos abandonado na Ocupação São João.

    O que é mais eficaz para controlar o contrabando nas ruas de São Paulo: identificar contrabandistas e receptadores que inundam as ruas com mercadorias ilegais ou multiplicar os conflitos com a parte mais frágil dessa rede, os vendedores ambulantes? Como a polícia civil parece incapaz de investigar e de encontrar os cabeças, usa-se a PM para mostrar trabalho. O resultado é quase sempre trágico.

    O mesmo pode ser dito sobre a reintegração de posse do Ocupação São João feita pela PM. Os movimentos de moradia cobravam ações da Prefeitura contra prédios vazios no centro, como determina a legislação desde 2001. O prédio estava ocupado pelos sem-teto havia seis meses. Por dez anos, permanecera abandonado. Qual era a urgência do proprietário? Havia margem de sobra para juízes e políticos mediarem uma solução. Mas não. Deu-se preferência para o começo de uma guerra campal, atacando manifestantes e crianças, minando a credibilidade dos policiais e aumentando a sensação de insegurança.

    A última vez que estive pessoalmente com o prefeito Fernando Haddad, ele me chamou para falar sobre o programa De Braços Abertos na Prefeitura. Como trabalho no Núcleo de Estudos da Violência-USP, logo que cheguei, ele me falou do cientista político Paulo de Mesquita Neto, que trabalhou no NEV-USP e foi seu amigo pessoal. Paulo de Mesquita Neto morreu em 2008. Antes disso, escreveu uma série de textos discutindo justamente esse modelo alternativo de segurança para a cidade. O livro se chama Ensaios sobre Segurança Cidadã, da Editora Quartier Latin.

    Prefeito, tenho um exemplar para o senhor. Darei quando o encontrar novamente. Espero que possa fazer bom proveito com as lições proferidas pelo seu amigo.

    segurancacidada1

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