Produtores e artistas se organizam para criar festivais de arte na periferia

    A primeira inciativa, o projeto “Ocupasom na Escola”, ocorreu em 7 de dezembro e reuniu artistas, professores, pais e produtores na Zona Sul de São Paulo
    DJ DR Jay se apresentou no #Ocupasom na Escola Estadual Professor Flávio José Osório Negrini, no Jardim Olinda, zona sul de São Paulo. Foto: Boia Fria Produções
    DJ DR Jay se apresentou no #Ocupasom na Escola Estadual Professor Flávio José Osório Negrini, no Jardim Olinda, zona sul de São Paulo. Foto: Boia Fria Produções

     

    Por Mariana Bergel, especial para a Ponte Jornalismo

    Em 2016 vamos partir para a ação, dando continuidade ao importante passo que demos no dia 7 de dezembro. Foi o início de uma rede reunindo alunos, pais, professores, artistas e produtores. Alguns cruzaram a cidade, outros partiram de bairros vizinhos e um par deles chegou dos arredores da Escola Estadual Professor Flávio José Osório Negrini – Jardim Olinda, região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo- pra fazer o Festival OcupaSom na Escola.

    Entre eles, estiveram presentes o Grupo U-Clãn, Dryca Ryzzo, Fernandinho Beatbox, Jadiel, Amanda Maciel, Izzy Gordon, Rincon Sapiência, MSario, Fino du Rap, Uterço, Thulla Melo, Bruno Dupre, Nego Chic, Livia Cruz, Negredo, Zero Onze, Gabriel da Paz, N.S.N. O evento foi realizado a partir de uma iniciativa da Boia Fria Produções, da qual sou diretora executiva, em parceria com o Instituto Periferia Ativa, Estúdio Aquário Produções, Movimento RUA, Associação Vila Nova Pirajuçara e os produtores culturais Edu Lima, Germano Rocha, Rafael Fish, Ylsão, Mariana Castilho, Paulo Cavalcante, Paula Klaus, Marcia Moraes e Fernanda Azambuja. Também contamos com a presença do Rabino Moré Ventura no dia.

    Já existia uma preocupação por parte da Boia Fria Produções em colaborar com a luta dos estudantes e marcar presença em alguma escola junto à mobilização encabeçada por alunos que visava (e conseguiu) impedir a questionável e autoritária determinação do governador Geraldo Alckmin de reorganizar as escolas estaduais do Estado de São Paulo. A ocupação dos alunos ocorreu entre novembro e o início de dezembro em mais de 200 escolas estaduais, das quais 92 seriam fechadas e, em todos os outros colégios da rede, o decreto revogado do governador unificaria os ciclos de ensino.

    Sensibilizada com a situação dramática dos pais e alunos que seriam prejudicados com a mudança, a Boia Fria Produções buscou por uma escola ocupada em áreas menos centrais, onde as carências e necessidades dos alunos fossem maiores. Inclusive, em relação à cultura e à presença de artistas. Como temos um ótima relação na zona sul, nos juntamos aos rappers e líderes comunitários Rafael Fish (Grupo U-Clãn) e Ylsão (Grupo Negredo/Instituto Periferia Ativa) e iniciamos a aproximação com a escola. Eu frequento a periferia, mas não nasci nem vivi lá e julgo fundamental envolver lideranças da região nesse tipo de ação, pois eles conhecem com propriedade a realidade daquela periferia. Falamos com a Tia Lira, uma senhora da comunidade, e com uma liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que também ocupou a E.E. Prof. José Flávio Osório Negrini. A ocupação, que se chama Nova Esperança, fica praticamente em frente ao colégio e lá também vivem alunos que estudam na escola.

    Convidamos amigos artistas, produtores e jornalistas via whatsapp para participarem do que batizamos de Festival Ocupasom na Escola. Tivemos a adesão de um único jornalista, o Juca Guimarães, do R7, que sempre fez questão de noticiar na grande imprensa questões ligadas a ações culturais e artistas das periferias da cidade. A maioria das doações e das ações de quem aderiu à luta dos estudantes ficou concentrada no centro expandido (o que também é muito importante, afinal, é onde se consegue maior cobertura da mídia e maior mobilização de pessoas), mas optamos por focar o festival em áreas mais carentes e esquecidas.

    A atividade começou com uma roda de conversa muito interessante e útil, que serviu pra entendermos que aquilo era apenas um embrião do que precisa ser feito, caso nosso anseio seja de fato ajudar a transformar uma realidade. Ficou claro que não faria sentido e não bastaria ir de escola em escola com um festival de música, por mais legal que possa parecer. As condições da E.E. Prof. José Flávio Osório Negrini são lamentáveis: as paredes estão pichadas, os banheiros estão sujos, torneiras não funcionam, vasos sanitários quebrados, e por aí vai. Se a intenção é colaborar com a mudança da forma como os alunos e a comunidade se relacionam com a escola, não adianta esperar que o Estado faça isso ou ficar na missão de cobrar que ele faça: ele não vai fazer. A quem interessa formar lideranças, cabeças pensantes, explorar os direitos de cidadãos que temos ou deveríamos ter? A nós mesmos, certamente, não ao Governo.

    Ter festivais de música acontecendo nas escolas é incrível. Isso, inclusive, aconteceu bastante na década de 1970 com Titãs, Grupo Rumo e outros, em colégios particulares frequentados pela classe média como o Equipe, conhecido por seguir uma linha de formação com foco humanista. Seria muito legal se um movimento nesse sentido fosse retomado também em escolas particulares. Em escolas da periferia, só um trabalho mais aprofundado e bem articulado seria capaz de causar um impacto numa comunidade. Pra que isso aconteça, nós, que estávamos presentes no dia do primeiro “Ocupasom na Escola”, concluímos que é necessário criar uma rede que una professores, alunos, pais, artistas e produtores culturais e vamos trabalhar juntos nesse sentido. Nosso primeiro passo será aguçar o interesse dos adolescentes para que participem desse processo. Sem eles, nada faz sentido. Acreditamos que nós, produtores e artistas, podemos nos juntar aos pais e professores para criar esse atrativo. No dia do festival a escola não estava mais ocupada e muito poucos alunos compareceram. Os raros estudantes que passavam por ali queriam ouvir sertanejo ou funk, não MPB e rap, que é o que levamos. Triste realidade que os horizontes dessa rapaziada não se abram também para outros estilos musicais, mas cabe a nós ajudar a transformá-la.

    No nosso entender, portanto, o festival deve ser um atrativo, encerrando e selando um processo de tentativa de transformação da realidade local. Por isso, a ideia é adotar a E.E. Prof. José Flávio Osório Negrini e fazer desse trabalho um projeto piloto nesses moldes. Não adianta pensar em revitalizar 150 escolas ou 10 escolas se não conseguirmos mudar uma. Em primeiro lugar, vamos chegar nos alunos, professores e pais com uma proposta. Se não tivermos a compreensão dos estudantes de que é preciso que eles mudem de atitude, de postura e de visão, não adianta nem começar a ação. Eles precisam gostar da ideia. Seguindo adiante, levantaremos todas as necessidades estruturais do colégio e orçaremos quanto custa para colocar a casa em ordem. Unindo todos os alicerces da rede (pais, alunos, professores, artistas e produtores), chegaremos a um planejamento de dois ou três meses de atividades que impulsionem a integração da comunidade (especialmente dos próprios alunos) com o espaço da escola. Aí valem oficinas, gincanas, cursos de capacitação etc. Para encerrar o projeto, será realizado um belo festival de música, com atrações de estilos variados que atendam o gosto dos alunos e que apresentem outras possibilidades para eles também.

    Se o festival integrar essa série de ações e atividades, pode ajudar a melhorar não apenas a qualidade do ensino em São Paulo, mas também impactar em questões culturais da própria comunidade e da sociedade, pensando de uma forma mais abrangente. Estudar não precisa ser uma coisa chata. A conscientização de que a escola é do povo mesmo e que pode e deve ser uma alternativa para que as pessoas encontrem novos rumos para suas vidas traz uma nova perspectiva sobre o que representa o estudo. O desafio final é conseguir fazer com que o espaço fique aberto ao uso dos alunos e da comunidade nos finais de semana, de maneira que vire também um espaço de lazer.

    Com o levantamento dos custos para todas as ações, ampliaremos a rede para a sociedade civil, propondo um financiamento coletivo para custear todas as necessidades físicas e as atividades. Tem muita gente que quer ajudar, que se envolveu com a questão dos estudantes no decorrer das ocupações e que percebeu o quanto esse tema é importante para o futuro dessa nova geração e de todo o país. Muitos não podem atuar ativamente nas escolas, mas querem colaborar. Com uma planilha aberta, expondo todos os custos do projeto detalhadamente, as pessoas vão se sentir mais seguras em entrar numa campanha de financiamento coletivo. Daí pra frente é só tocar as coisas conforme o planejado e fazer tudo muito bem feito para que a ação no próximo colégio adotado pelo “Ocupasom na Escola” tenha ainda mais apoio e, assim, sucessivamente. Como disse Luther King: “sim, nós podemos”. Juntos, nós podemos e vamos conseguir.

     

    Mariana Bergel é Diretora da Boia Fria Produções, jornalista e produtora cultural

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