Jovem é vítima de feminicídio durante visita em presídio da Grande SP

    Talita visitou ex-namorado no CDP para deixar claro fim da relação, mas ele a estrangulou dentro da cela. A jovem tinha quatro filhos

    Talita, 24 anos, vítima de feminicídio | Foto: Arquivo Pessoal

    “Ela só queria a liberdade dela”, disse a auxiliar de produção Gláucia Miranda, 34 anos, no final da tarde deste domingo (22), uma hora após enterrar sua sobrinha, Talita Karen Miranda Ferreira, 24, no cemitério Curuçá, em Santo André, na Grande SP, em um caixão de madeira comprado com a ajuda de amigos e militantes de direitos humanos.

    No dia anterior, Talita havia visitado o ex-namorado, Thiago Santos Brasileiro, 32, no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Santo André, para pedir que ele parasse de insistir em reatar o relacionamento. Quando se viram a sós, numa cela destinada à visita íntima, escondidos das vistas dos demais por divisórias precariamente improvisadas com lençóis, o preso a estrangulou.

    Talita tinha quatro filhos. O  mais novo tem um ano e três meses. O mais velho é um menino de sete anos.

    Gláucia conta que Talita já conhecia Thiago “da rua”, mas que o namoro só começou há cerca de quatro meses, quando ele já estava atrás dos muros do presídio de Santo André. Segundo a tia, Talita nunca se sentiu muito à vontade no relacionamento. Thiago queria proibi-la “de fazer tudo, de ter vida própria”. Ela só tinha permissão de sair de casa para visitá-lo na cadeia. “Pelo fato de ele estar preso, achava que minha sobrinha tinha que ficar presa junto a ele”, resume a tia.

    Sepultamento de Talita no Cemitério Curuçá, em Santo André | Foto: Arquivo Pessoal

    Há cerca de duas semanas, Talita se cansou e disse a Thiago, durante uma visita, que o namoro estava terminado. Segundo a versão da tia, na hora o preso pareceu entender o que a menina havia dito, mas nos dias seguintes passou a mandar recados à jovem por meio de visitas e amigos. “Ele falava ‘pede pra Talita vir aqui, quero conversar com ela’, aqueles papinho de homem para querer iludir.”

    Ontem (21), sábado, a jovem foi ao presídio para pedir que Thiago parasse de tentar se reaproximar dela. “Vou lá falar com ele de uma vez por todas para ele parar com isso”, teria dito Talita para sua família, na última conversa que tiveram.

    Por volta do meio-dia, uma irmã de Talita recebeu um telefonema. Uma chamada sem identificação. “Tenho uma notícia chata para te dar: sua irmã foi encontrada morta dentro da penitenciária”, disse uma voz, que desligou em seguida.  Preocupada, a família foi até o CDP e pediu que os funcionários procurassem por Talita. “Fomos nós que avisamos a penitenciária que tinha havido uma morte ali dentro”, conta.

    Segundo o boletim de ocorrência elaborado no 4º DP de Santo André, por volta das 16h, o diretor da unidade prisional, Odair Gomes, ordenou uma vistoria na cela 58 da ala D, “pois possivelmente haveria uma moça em óbito”. Três funcionários e dois diretores do CDP foram até o local e, atrás das cortinas feitas de lençóis, encontraram o corpo da jovem na parte de baixo de um beliche. Nessa altura, Thiago já havia procurado um diretor para dizer que havia “feito uma besteira”.

    Do lado de fora do presídio, os parentes de Talita receberam a confirmação: a voz ao telefone, ouvida quatro horas antes, havia falado a verdade.

    Em depoimento à polícia, segundo o boletim, Thiago admitiu o crime. Na sua versão, os dois ainda estavam namorando. Na visita, Talita o havia procurado para terminar o relacionamento, dizendo que no dia anterior havia conhecido um rapaz com quem passara a noite. Ao ouvir isso, o preso teria apertado o pescoço da menina até sufocá-la, no que chamou de “um momento de ira”. Em seguida, avisou um dos “faxinas” (lideranças dos presos) sobre o crime. O texto do boletim registro que “o interrogado disse estar arrependido do que fez, mas na hora estava com muita raiva”.

    Sepultamento de Talita no Cemitério Curuçá, em Santo André | Foto: Arquivo Pessoal

    Thiago foi autuado por feminicídio, uma classificação de homicídio qualificado praticado “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”, incluída no Código Penal em 2015. A pena vai de 12 a 30 anos de reclusão.

    Localizado na Vila Palmares, o CDP tem capacidade para 534 presos, mas abriga 1.374, segundo o site da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Por meio de sua assessoria de imprensa, a SAP afirmou hoje que “irá solicitar ao Poder Judiciário a internação do preso no Regime Disciplinar Diferenciado”, no Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes.

    Após o sepultamento, Gláucia, tia de Talita, era só tristeza e revolta. “Do Estado não veio nem ‘meus pêsames’, nada”, disse à Ponte. “Você imagina. Uma penitenciária, onde tem polícia, onde os bandidos vão para ser reeducados, onde é para ter segurança, e minha sobrinha ser morta lá dentro? Complicado.”

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