Agredido pela PM, ambulante agora luta para recuperar seu instrumento de trabalho

    Pai de quatro filhos, Geova de Oliveira Lima está impedido de trabalhar. Depois de pagar taxas, terá ainda que esperar 45 dias para retirar o triciclo apreendido que usava para vender açaí

    Geova com a esposa Blanca e a filha Evelin no trabalho | Foto: arquivo pessoal

    Depois de ter suas mercadorias apreendidas por fiscais da prefeitura de São Paulo, de ser agredido e detido pela Polícia Militar no mês passado, agora o ambulante Geova de Oliveira Lima, 48 anos, enfrenta uma jornada sem fim para ter de volta seu carrinho de trabalho.

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    O problema começa nas taxas que precisa pagar para retirar o triciclo, que usava para trabalhar vendendo açaí e frutas com esposa e filha. Segundo Lima, somam R$ 250. “Estou há dias sem trabalhar, eles me machucaram muito, não tenho esse dinheiro.”

    Mas Geova conta que, mesmo que tivesse o dinheiro para as taxas da Prefeitura, não teria seu carrinho de volta tão cedo. “Me disseram que o prazo está maior por causa da pandemia, que tem muita gente na fila e que terei que esperar 45 dias.”

    O comerciante afirma ainda ter sido mal atendido na Subprefeitura da Sé, onde o carrinho está apreendido. “Uma pessoa chamada Felipe, que estava muito alterado e nervoso, me disse que eu tinha que pagar e esperar porque não sou melhor do que ninguém”, relata o ambulante.

    Se acharam no direito de me matar”

    Há cinco anos trabalhando como ambulante no centro de São Paulo, Geova lamenta a perda do carrinho. “Tinha aumentado, coloquei mais duas rodas para girar ele, estava bem legal”.

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    O prejuízo, caso não consiga recuperar o carrinho, vai doer. “Paguei R$ 1.900 nele”, lamenta Lima. O vendedor de açaí conta que já teve outros carros apreendidos e muito prejuízo. “Perdi um outro, que tinha custado R$ 1.300.”

    Ele reclama também do prejuízo que teve com a mercadoria apreendida e do trabalho perdido, dele e da família. “Ficamos até as três da manhã fatiando frutas para depois os fiscais jogarem no lixo”, conta. Lima põe na conta ainda os utensílios levados, incluindo bancos, isopor, bebidas, potes, corrente e um cadeado.

    Mineiro da cidade de Montes Claros, Geova está em São Paulo há mais de duas décadas e diz que por aqui fez de tudo um pouco. Já foi faxineiro, segurança, motorista, pedreiro. Por causa do desemprego, há cinco anos virou ambulante.

    Ele agradece a Deus por não pagar aluguel. “Moramos numa ocupação”, explica. Para se alimentarem, estão contando com a ajuda de amigos. Pai de quatro filhos, três meninas e um menino, o ambulante quer, e precisa, trabalhar.

    “O trabalho é tudo na vida de uma pessoa, ele edifica o ser humano”, afirma. O ambulante lamenta o que ocorreu e explica que tudo não passou de um mal entendido. Segundo ele, estavam trabalhando no ponto permitido pela licença que possuem, na Avenida São João, na altura do número 250, mas começou a chover e eles decidiram ir embora para a casa, na região da Sé.

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    Segundo relato de Lima, no caminho de volta, na rua Direita, encontraram com a fiscalização da Prefeitura. “Encostei o carrinho para eles passarem, e nesse momento uma moça veio pedindo um açaí”. O ambulante, contudo, nem teve tempo de vender o produto.

    “Chegaram na ignorância, falaram que eu estava lá o dia inteiro, que levariam tudo”, relembra Lima. A discussão esquentou e no desespero, com medo de perder tudo, ele acabou se irritando e quebrou o vidro da perua da fiscalização.

    Para fiscais e PM, foi a gota que faltava para desandar de vez os ânimos. “Nessa hora se acharam no direito de me matar, me jogaram no chão, colocaram o joelho no meu pescoço, torceram meu braço, tive até uma convulsão e perdi os sentidos, fiquei mais de uma semana com dores”, conta.

    Ranço burguês’ contra ambulantes

    O que poderia ter sido resolvido com uma conversa entre os fiscais e o ambulante na hora da abordagem virou um caso de polícia em que o acusado é a vítima. A ocorrência foi registrada no 1º DP (Sé) como dano.

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    Para o advogado Flavio Campos, da ONG Educafro, é um exemplo dos despreparo de fiscais e da PM e que expõe também “um antigo ranço burguês” de comerciantes que, para proteger seus mercados e territórios, pressionam a polícia por esse tipo de atitude em relação aos vendedores ambulantes.

    “É um desconhecimento muito básico sobre a questão do empreendedorismo, como se fosse algo ilegal, porque não pagam impostos”, comenta o advogado.

    “Ele foi retirado da condição de trabalhador para ser colocado no lugar de um criminoso, de alguém que não merece respeito”, observa Campos a respeito de Geova.

    Ajude a Ponte!

    O advogado da Educafro afirma que é mais um exemplo do problema grave de formação da polícia, focada na defesa do patrimônio por meio da força bruta, sem nunca buscar medidas conciliatórias com pessoas vulneráveis. “A ideologia ainda é a mesma do tempo do Massacre do Carandiru.”

    Outro lado

    Procurada pela reportagem, a Subprefeitura da Sé afirmou que “o ambulante tem autorização para trabalhar na Avenida São João e foi flagrado comercializando seus produtos na Rua Direita”. Ainda segundo a nota da Subprefeitura, “ao ser abordado, atacou a equipe de fiscalização e depredou dois veículos da Prefeitura” e “por isso foi lavrado boletim de ocorrência de dano”.

    “O munícipe esteve na Subprefeitura Sé e foi orientado sobre os procedimentos legais para a recuperação dos seus bens. Até o momento ele não entrou com o processo agendado para o dia 04/02, que consiste no pagamento da taxa de aproximadamente R$ 170 e apresentação da documentação. Ele tem o prazo de 30 dias. De acordo com decreto municipal, o ambulante recebeu a multa por estar comercializando de forma irregular e somente poderá reaver os equipamentos apreendidos após regularizar a situação”, afirma a Subprefeitura.

    A Ponte também procurou a Secretaria de Segurança Pública sobre a apuração do uso excessivo da força por parte da PM. Apesar de um ofício ter sido encaminhado pela Ouvidoria da Polícia cobrando da Corregedoria da PM esclarecimentos sobre aparente agressão cometida por policiais militares contra o trabalhador informal, a SSP respondeu apenas que “a autoridade policial intimou a vítima para verificar se há interesse em representar criminalmente contra o autor, para que assim a unidade instaure inquérito policial para investigar os fatos”.

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