Apenas cinco estados têm Mecanismo de Combate à Tortura no Brasil

Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia e Acre possuem esse tipo de fiscalização, ratificada pelo Brasil com a ONU há 10 anos; governadores têm medo de que tortura seja visibilizada, aponta coordenadora nacional do órgão

Mapeamento foi divulgado por Mecanismo Nacional na segunda-feira (10/7) | Ilustração: Antonio Junião/Ponte

Importante meio de denúncia de violação em unidades de privação de liberdade, somente cinco estados do Brasil têm Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura (MPCT) em funcionamento — são eles Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia e Acre. O dado é de um mapeamento publicado nesta segunda-feira (10/7) pelo MPCT nacional em conjunto com os estados que o possuem.

O primeiro a ser criado foi o do Rio de Janeiro, com aprovação de legislação em 2010 e a implementação no ano seguinte. Em Pernambuco, o órgão passou a atuar em 2013 e a partir de 2018 Rondônia e Paraíba também conceberam seus Mecanismos. O mais recente é do Acre, implantado neste ano. 

Em junho, a Ponte já havia adiantado parte do mapeamento com base em informações da perita Camila Sabino durante o 17º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em Belém, no Pará. Na ocasião, Camila chamou atenção para o fato de que dos sete estados da região Norte, apenas Acre e Rondônia tinham um órgão de combate à tortura em funcionamento. 

Intitulado “Mapeamento Nacional da Implementação de Mecanismos e Comitês de Prevenção e Combate à Tortura”, o documento trata da situação de cada estado em relação à criação ou não de Mecanismo, fala sobre a realidade atual dos órgãos em funcionamento e propõe recomendações para que haja real autonomia e independência dessas estruturas. 

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura foi criado em 2013 por meio da lei 12.847, cumprindo uma obrigação imposta pela Organização das Nações Unidas (ONU). por meio do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (OPCAT). 

O OPCAT foi criado em 2002 e implantado em 2006. O Brasil ratificou o protocolo no ano seguinte, possibilitando o desenvolvimento do Mecanismo. Esses órgãos são responsáveis por monitorar as condições em diversas instituições como presídios e hospitais psiquiátricos, para notificar se há violação dos direitos humanos. 

“Nenhum Mecanismo hoje possui autonomia para propor ou gerir seu orçamento. Todos dependem de autorização para realização de missões, viagens para articulação interinstitucional. Como estão localizados dentro de algum dos poderes é necessário que esses lhes forneçam carro, sala, material de escritório, etc.”, diz o texto do mapeamento.

A percepção é corroborada pela coordenadora geral do MPCT nacional, Camila Antero. Ela defende que essa política pública é muito importante e necessita de mais fomento.

“O país precisar fortalecer sua política pública de prevenção a tortura. Contudo, a prevenção a tortura não se dá só no sistema prisional. Temos o sistema socioeducativo, hospitais psiquiátricos, instituições de longa permanência para idosos, residências terapêuticas. Todos esses lugares são lugares de privação de liberdade onde o Mecanismo atua”, afirma. 

Ela defende que um dos maiores gargalos enfrentados é a falta de independência e autonomia dos Mecanismos. Os estados, que podem ter seus próprios órgãos desde que sigam as diretrizes da ONU, são o palco dos maiores problemas em relação a esses pontos trazidos por Camila.

“O protocolo facultativo, também conhecido como OPCAT, fala que precisa haver uma independência formal. Ou seja, nós muitas vezes temos problemas no sentido de que não é garantida a independência desses organismos. Muitas vezes sai uma lei que não garante a independência daqueles peritos e às vezes não há previsão de mandato”, pontua. 

Camila fala também da situação precária em que muitos peritos dos MPCT trabalham. Ela dá exemplo da Paraíba, onde somente dois funcionários atuam e a diária é de R$ 50. “Não dá para eles fazerem inspeção do interior. Eles não têm uma sala, eles não têm computadores. É um nível de precarização do trabalho”, comenta. 

O mapeamento propõe que seja adotado o número mínimo de seis peritos com cargo remunerado para composição dos Mecanismos estaduais. O texto também sugere que os Mecanismos sejam vinculados administrativamente à estrutural social estatal que mais lhe proporcione autonomia ou independência, seja ela em qualquer uma das três esferas de poder ou ainda como autarquia.  

Além dos MPCT, o mapeamento reúne dados também sobre os comitês, instituições com caráter de assembleia formadas por diferentes representações da sociedade civil e dos poderes, que têm como finalidade pensar políticas públicas de prevenção a tortura. 

Neste caso, há uma maior quantidade de comitês pelo país do que Mecanismos (são 16, nos estados de Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Goiás, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Rio de Janeiro e Espírito Santo). 

Estados como São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul não têm sequer previsão legal para criação desses comitês. “Nós estamos tentando avançar com relação a isso. Estamos fazendo reuniões com autoridades a partir do trabalho do comitê nacional, das nossas articulações através dos pontos focais dos mecanismos”, comenta Camila. 

Ela avalia que a ausência dos comitês nesses locais pode ser entendida pela falta de simpatia de alguns governos a políticas voltadas aos direitos humanos. 

“Muitas vezes é uma conjuntura política adversa onde eles [governadores] não querem [comitês]. Existem forças políticas poderosas e às vezes armadas. Governos que não são simpáticos às políticas de direitos humanos. Nós entendemos que muitas vezes não há interesse porque a tortura vai ser mais denunciada, vai ter mais visibilidade”, argumenta.

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A coordenadora fala da magnitude do trabalho feito por esses órgãos. “Isso vai implicar responsabilização para pessoas que estão deixando, através de ações e omissões, a tortura acontecer na privação de liberdade. Existe uma série de interesses de pessoas que muitas vezes que estão tendo condutas criminosas, mas que são privilegiadas pela condição do funcionário público”, completa. 

Em São Paulo, por exemplo, o então governador João Dória, do PSDB, vetou em 2019 a criação de um comitê e também do Mecanismo. A justificativa era de que o projeto de lei que previa a criação era inconstitucional.

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