Após ameaça a testemunhas, PMs suspeitos de matar menino são presos

    Justiça decretou prisão preventiva de Jefferson Alves, o Negão da Madeira,  e Thiago Quintino, acusados de espancar até a morte o estudante Gabriel Paiva, 16 anos

    Soldado Jefferson Alves de Souza é conhecido na região onde atuava como “Negão da Madeira” | Reprodução

    “Eu estava aflita e nem na rua estava saindo, com medo. Agora deu uma aliviada um pouquinho.” É como Zilda Regina de Paiva, 46 anos, descreve sua reação ao saber que a Justiça decretou a prisão preventiva dos policiais militares Jefferson Alves de Souza e Thiago Quintino Meche, acusados de matarem a pauladas o filho mais novo de Zilda, Gabriel Alberto Tadeu Paiva, 16 anos, no Jardim Domitila, região de Cidade Ademar, zona sul da cidade de São Paulo, em 16 de abril.

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    A prisão foi decretada em 18 de julho pela juíza Débora Fairatone, da 1ª Vara do Júri do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em sua decisão, a juíza destacou que “há nos autos notícias de que o acusado Jefferson chegou a procurar por uma testemunha que presenciou os fatos no intuito de intimidá-la”.

    E não apenas Jefferson: moradores do bairro relatam que outros policiais teriam procurado testemunhas do crime para convencê-las a mudar a versão para a morte de Gabriel, pedindo que “pensassem na família do policial”. Uma dessas testemunhas teria respondido que contaria, sim, o que tinha visto e que o PM é que “não havia pensado na família do menino”.

    Gabriel, 16 anos, espancado até a morte | Foto: Facebook

    “Tem informação no processo de ameaças a testemunhas, então entendemos que a prisão preventiva era necessária para preservar a integridade e a tranquilidade dessas pessoas para prestar seus depoimentos”, afirma o promotor de justiça José Mário Buck Marzagão Barbuto, que denunciou os dois policiais militares por homicídio duplamente qualificado, “perpetrado por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima”.

    Ao receber a denúncia, a juíza considerou que o inquérito policial, conduzido pelo delegado Pedro Luis de Souza, titular do 80º DP (Vila Joaniza), apontou “fortes indícios de autoria contra os investigados”, como o relato de duas testemunhas, que contaram ter presenciado “o momento em que a viatura da polícia militar abordou o jovem e passou a agredi-lo com pedaço de madeira, sem este tivesse esboçado qualquer reação”. Ferido, o jovem bateu a cabeça numa caçamba de lixo e caiu no chão, onde continuou a ser agredido pelo PM com chutes nas costas Após passar quatro dias em coma, Gabriel morreu no Hospital Regional Sul.

    Na noite em que foi espancado, Gabriel fazia parte de um grupo de aproximadamente 50 jovens que havia se reunido numa rua para conversar e fumar narguilé. O encontro foi interrompido pela chegada da dupla de policiais. Como costumava fazer, segundo o relato de moradores do bairro, o PM Jefferson saiu da viatura armado de um pedaço de pau, com o qual costumava espancar os adolescentes do bairro, o que levou o policial a ficar conhecido como “Negão da Madeira”. A prática era tão comum que Jefferson, segundo testemunhas, já teria sido supostamente flagrado usando o mesmo pedaço de madeira contra pessoas que saíam de uma festa, inclusive mulheres e uma criança de colo, em um vídeo filmado antes da morte de Gabriel.

    Zilda, mãe de Gabriel, é amparada durante o enterro do filho, em 22/4 | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Após a morte de Gabriel, a dupla de policiais havia sido presa administrativamente no Presídio Romão Gomes, com base em um inquérito policial militar conduzido pelo 22º BPM/M da Polícia Militar, com o acompanhamento da Corregedoria (órgão fiscalizador) da corporação. Em junho, porém, os policiais passaram a responder em liberdade, voltando a trabalhar normalmente na polícia, agora em funções administrativas.

    A libertação dos policiais trouxe o terror para os habitantes do Jardim Domitila: segundo eles, o “Negão da Madeira” passou a ser visto rondando as ruas do bairro à paisana, para desespero de testemunhas e familiares de Gabriel. “Até falei com o advogado que o policial estava por aqui, mas ele disse que não podia fazer nada, só se eu ou alguém tirasse uma foto dele. Mas você vai tirar um celular do bolso e fotografar um policial, o que o cara vai fazer? É complicado”, relata Zilda.

    Com a notícia da prisão preventiva decretada pela Justiça, a mãe de Gabriel agora se sente mais tranquila. Mas não muito. “É a Justiça sendo feita. Mas eu continuo um pouco apreensiva”, diz Zilda.

    Outro lado

    A Ponte Jornalismo procurou a CDN Comunicação, responsável pela assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB), e a assessoria de imprensa da Polícia Militar, com as seguintes perguntas:

    1) Como a PM e a SSP vêem a afirmação de que Jefferson intimidou uma das testemunhas?

    2) A PM e a SSP avalia que foi correto deixar os policiais respondendo ao processo em liberdade?

    3) Qual foi a conclusão do inquérito policial-militar da respeito da morte de Gabriel?

    4) Além da morte de Gabriel, Jefferson também está sendo investigado pelas denúncias de que aterrorizava os jovens da região com pauladas e tijoladas, sendo por isso conhecido como “o Negão da Madeira”?

    A Ponte também solicitou entrevista com os policiais e o contato de seus advogados. Até o momento, não obteve resposta para nenhuma das solicitações.

    Em abril, durante depoimento prestado à Seção de Justiça e Disciplina do 22º BPM/M (Batalhão da Polícia Militar Metropolitano), o PM Jefferson negou que ele ou o parceiro houvessem agredido Gabriel e disseram que apenas encontraram o menino ferido caído no chão, sem saber como teria se machucado.

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