Assassinatos em série: quando a Justiça e a Segurança Pública falham

    Os governos têm investido pesadamente nas Polícias Militares. Porém, tais polícias possuem uma nítida lógica de confronto que termina por vitimar tanto policiais quanto pessoas

     

    Complexo Penitenciário Anísio JobimDivulgação/Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas
    Complexo Penitenciário Anísio Jobim, Foto: Divulgação/Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas

     

    O ano de 2017 começou com dois eventos bárbaros. Em Campinas, um homem entra em uma casa e mata a tiros literalmente mais de uma dezena de pessoas, incluindo o próprio filho. Em Manaus, presos se rebelam e matam de forma cruel e a sangue frio, em cenas idênticas as praticadas pelo Estado Islâmico, mais de meia centena de membros de uma facção criminosa rival. Nas redes sociais, as duas tragédias são parcialmente recebidas com comentários que incentivam mais derramamento de sangue. E não é apenas nisso que os eventos de Campinas e Manaus se parecem. Há quase um ano era sabido da possibilidade de que um conflito como o de Manaus acontecesse dentro da custódia do estado. Nada foi feito.

    Em Campinas, a vítima da tragédia havia denunciado o assassino inúmeras vezes. Mais uma vez, nada foi feito. Há algo de muito errado quando duas barbáries deste porte já eram de conhecimento das autoridades e poderiam ter sido evitadas. Os dois casos se unem por uma causa em comum: a falência do sistema de Justiça Criminal no Brasil. Esta falência começa pelas polícias. Os governos têm investido pesadamente nas Polícias Militares. Porém, tais polícias possuem uma nítida lógica de confronto que termina por vitimar tanto policiais quanto pessoas. Elas já mostraram que são incapazes de lidar com o problema de segurança pública no país.

    As Polícias Civis sofrem praticamente em todo o Brasil com um desmonte silencioso. Com isso, a investigação criminal é duramente afetada. O Ministério Público e o Judiciário, cercados de privilégios, estão com excesso de trabalho. Isso porque no Brasil investe-se muito e mal na política de aprisionamento. Nossos presídios são medievais. A destruição do sistema prisional brasileiro abriu espaço para que facções criminosas se transformem em alternativas para ordenar a massa carcerária. Ou seja, os presídios recrutam pessoas para as fileiras do crime organizado. A burocracia excessiva impera no sistema. Os processos administrativos são confusos. Em meio a tudo isso, temos grupos corporativistas de policiais, promotores e juízes que buscam mudar o sistema para favorecer as suas corporações, não a melhoria para o público.

    O contexto social, diante desta falência, é de clamar por um Estado violento, que elimine os criminosos, tanto que eventos como o de Manaus são saudados por muitos como positivos. O problema é que nunca a polícia matou tanto, nunca morreram tantos policiais e nunca se prendeu tanto no Brasil, apesar disso tudo o problema só piorou. Neste quadro de calamidade, o Governo Federal está inepto há décadas. É incapaz de articular políticas nacionais de Segurança Pública. O atual Ministro da Justiça defende o fortalecimento da Força Nacional de Segurança, um caro paliativo para o problema. Diante deste quadro, a situação tende a se agravar cada vez mais. É urgente uma reforma em nosso sistema de Justiça Criminal. Uma reforma que melhore a eficiência dos processos e diminua a burocracia, racionalize o sistema e coloque a cidadania em primeiro lugar. O sistema atual não serve mais para ninguém. Mudanças urgentes são necessárias.

     

    * Rafael Alcadipani é professor de Estudos Organizacionais da FGV-EAESP. Foi Visiting Scholar no Boston College, EUA, durante o ano de 2016

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