Cliente negro afirma que ao tentar alugar carro, foi vítima de racismo e perdeu viagem

    Segundo jornalista Denis Nunes, reserva estava agendada, mas funcionária criou burocracias inexistentes para não entregar o veículo; empresa diz repudiar discriminação

    Denis deixou de visitar a irmã no litoral de SP por uma burocracia para ‘pessoas suspeitas’, segundo ele | Foto: Arquivo pessoal

    Denis é um jovem negro. Trabalha como jornalista especializado na área de tecnologia. Ao conhecer um novo aplicativo de locação de veículos, resolveu testar alugando um carro na Localiza Hertz para a viagem que faria com a mulher. Ele não imaginava que, apesar do avanço tecnológico, teria como problema o atendimento presencial. O jornalista aponta ter sido vítima de racismo ao não ter o veículo entregue sem uma justificativa plausível. Com isso, Denis perdeu a viagem.

    O caso aconteceu no dia 24 de novembro de 2018 na unidade da Localiza situada no bairro Água Branca, na Avenida Comendador Martinelli, zona oeste de São Paulo. Denis estava com a mulher e, após pegar o carro, buscaria um irmão para viajar até a casa de sua irmã em Bertioga, litoral paulista. Com as malas, teve que voltar para casa sem o carro e sem a viagem por questões burocráticas.

    Segundo ele, primeiro a atendente cismou com seu cartão. Denis explica que usa a marca Neon, de um banco online, com bandeira Visa. A funcionária questionou mais de uma vez se era, de fato, um cartão de crédito – perguntou até para outra colega de trabalho, que confirmou ser um cartão válido e que passaria na máquina da loja. O problema veio depois.

    “Para retirar o carro, ela me disse que precisava de um telefone de emergência para ligar. Passei o da minha mãe e ela foi até o fundo da loja. Quando voltou, disse que ninguém atendeu. Eu estranhei e liguei para minha mãe, avisei que eles ligariam e falei para ela repetir. De novo, a funcionária foi até o fundo e voltou dizendo que ninguém atendeu novamente e, sendo assim, não poderia liberar o carro”, conta Denis em entrevista à Ponte.

    Porém, o jornalista tentou uma alternativa. Pediu para ligar no telefone da vizinha de sua mãe, que foi até o local para atender e validar o contato. A atendente fez o mesmo procedimento, segundo ele, e disse mais uma vez que ninguém atendeu o telefone. Foi quando o jornalista perdeu a paciência.

    “Peguei o celular e liguei com o viva-voz (alto falante) na frente da atendente e minha mãe atendeu. Mostrei para ela que o telefone funcionava, mesmo assim, disse que não poderia fazer nada. Ela estava com cara de desdém, foi muito indiferente com a gente. E disse que não conseguiria fazer a retirada do carro”, relembra o jovem, dizendo que não entendeu em um primeiro momento se tratar de uma questão de preconceito racial.

    “Primeiro, imaginei ser um proceder da Localiza. Demorei para entender, para mim, era algo normal da burocracia da empresa por ser minha primeira vez alugando lá. Mas contatei a assessoria de imprensa e me disseram que não é um procedimento. Pior: disseram que isso era usado quando queriam barrar alguma pessoa que eles desconfiavam, suspeita, mas não é uma postura atual da empresa”, conta Denis, que procurou amigos que utilizaram os serviços da Localiza e disseram não ter que confirmar com outras pessoas o número de emergência para terem o carro liberado.

    “Fiquei mais indignado com a seletividade e de não ser um procedimento. Viver o preconceito assim, pela primeira vez, é o mais doloroso. Sempre vemos acontecer com amigos ou no noticiário, quando acontece com a gente é triste, machucou muito. Você sabe que tem uma condição financeira, está de acordo, faz tudo na regra e fazem uma seletividade pela cor. É muito triste”, desabafa.

    Denis aponta que procurou a empresa por conta do ocorrido e teve como resposta o oferecimento de duas diárias gratuitas com um veículo alugado. “Eu já tinha perdido a viagem, por que aceitaria uma oferta dessas?”, rebate.

    Procurada pela reportagem, a empresa explicou que o atendimento relatado por ele “não é o padrão oferecido pela empresa e lamentamos a percepção do ocorrido”. “Somos uma companhia que tem paixão pelo cliente e não medimos esforços para oferecer sempre um serviço de qualidade superior e um atendimento cuidadoso com transparência e respeito. Temos uma clara visão de cliente, pois são eles que nos motivam e direcionam os nossos trabalhos”, disse a Localiza Hertz, em nota.

    Segundo a Localiza, eles agem imediatamente “sempre que há insatisfações” dos clientes e tem “um time dedicado para atuar nas soluções de problemas e fidelização. Sobre o aluguel gratuito, apontam ser um procedimento “para aqueles que tiveram uma experiência não satisfatória”. Por fim, a empresa reforça “repúdio a qualquer tipo de discriminação, sendo nossa diretriz o tratamento com respeito e profissionalismo em qualquer aspecto”, finaliza a nota.

    A Localiza não respondeu se a empresa possui treinamento que combata discriminação ou se a funcionária que atendeu Denis passou por orientações após o ocorrido. Também não confirmou a necessidade de confirmação do telefone de emergência como requisito para liberação de veículos alugados ou quais são os perfis considerados “suspeitos” na fala de Denis sobre antigo procedimento usado pela Localiza.

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