Condenado por decapitar jovens, PM recebeu salário durante 8 anos. E você pagou

    Ronaldo dos Reis Santos integrava grupo de extermínio “Highlanders”, em SP; condenado em 2011, recebeu salário até 2019 e teve prisão domiciliar concedida neste ano

    Ilustraçãoo Junião / Ponte Jornalismo

    O soldado Ronaldo dos Reis Santos, condenado a 28 anos pelos assassinatos de dois jovens, sequestrados e decapitados em 2008, teve prisão domiciliar concedida pela Justiça Militar em 6 de agosto de 2020. A Ponte descobriu que, além de escapar da prisão, Ronaldo, mesmo condenado, recebeu salário normalmente até dezembro de 2019, segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo.

    “O policial não recebe salário, desde 2019, quando foi cassada liminar judicial que determinava o pagamento. Com base na condenação criminal, expedida em 2019, será instaurado novo Processo Demissório para que ele possa ser expulso da Instituição”, afirmou a pasta.

    Ronaldo foi condenado em setembro de 2011, em um julgamento que durou sete horas, no Fórum de Itapecerica da Serra (Grande São Paulo). Ele foi apontado pela Polícia Civil e Ministério Público Estadual como integrante do grupo de extermínio “Os Highlanders”, que decapitava as vítimas no Jardim Ângela, na zona sul da cidade de São Paulo em 2008.

    O grupo de extermínio foi revelado por André Caramante, fundador e diretor consultivo da Ponte. A reportagem foi publicada na Folha de S. Paulo, em 2009. Ao menos 10 PMs faziam parte do grupo, que, segundo a Polícia Civil, matou pelo menos 12 pessoas. Dessas, cinco foram decapitadas. Os PMs atuavam na Força Tática do 37º Batalhão da Polícia Militar, também na zona sul.

    Entre os crimes pelos quais foram acusados estavam as mortes de Roberth Sandro Campos Gomes, 19, conhecido como Maranhão, e Roberto Aparecido Ferreira, 20, o Bebê, sequestrados e mortos, no Jardim Imbé, região do Capão Redondo, na madrugada de 6 de maio de 2008.

    Leia também: Conhecidos como “Os Highlanders”, PMs acusados de decapitar portador de transtorno mental são absolvidos

    Uma mulher que acompanhava os jovens reconheceu dois PMs como sendo os que levaram. Os corpos de Roberth e Roberto foram encontrados em Itapecerica da Serra, sem as mãos e a cabeça, em maio de 2008. Cortar a cabeça e as mãos, segundo afirmou a acusação, era uma estratégia dos PMs para dificultar a identificação das vítimas.

    Outra morte foi a de Antonio Carlos Silva Alves, rapaz com deficiência mental, sequestrado e morto em outubro de 2008, no Jardim Capela. Segundo informações da Folha, seu corpo, sem a cabeça e mãos, foi achado em uma área conhecida como local de desova de cadáveres de Itapecerica da Serra.

    O processo foi separado. Nas decapitações de Gomes e Ferreira, os réus eram Rodolfo da Silva Vieira, considerado o chefe do grupo de extermínio e filho do capitão reformado Paulo Roberto da Silva Vieira, e os PMs Marcos Aurélio Pereira Lima, Ronaldo dos Reis Santos, Jorge Kazuo Takiguti, João Bernardo da Silva e Jonas Santos Bento. De acordo com reportagem da Folha na época, com exceção de Vieira, todos os outros PMs negam os assassinatos.

    Eram acusados da execução de Antônio Carlos Silva Alves os PMs Moisés Alves Santos, Joaquim Aleixo Neto, Anderson dos Santos Sales e Rodolfo da Silva Vieira.

    Leia a investigação da Polícia Civil

    Em março, os PMs Jorge Kazuo Takiguti e João Bernardo da Silva foram absolvidos dos crimes. Em novembro de 2011 foi a vez Jonas Santos Bento ser considerado inocente das acusações.

    Rodolfo da Silva Vieira foi condenado, em julho de 2010, a 18 anos e oito meses de prisão. No mesmo dia, Moisés Alves Santos, Joaquim Aleixo Neto e Anderson dos Santos Salles também foram condenados pelo crime. Os quatro foram expulsos da PM em dezembro de 2010. Ronaldo foi condenado, em setembro de 2011, a 28 anos de prisão.

    Em novembro de 2015, porém, o caso deu uma reviravolta e Moisés Alves dos Santos, Rodolfo da Silva Vieira, Joaquim Aleixo Neto e Anderson dos Santos Salles foram absolvidos. A defesa conseguiu anular o júri alegando que o promotor influenciou os jurados ao mostrar camiseta com a foto da vítima, como noticiado pela Ponte. Só Ronaldo permaneceu preso pelos crimes.

    Leia o resultado do júri de 2010

    Para a socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro da Segurança Pública, a manutenção do salário é um “absurdo”. “O salário é pago com impostos e recursos da população de São Paulo. Estamos pagando há 10 anos o salário de um homicida que decapitou dois jovens”, pontua.

    “Isso é um erro? Se isso é um erro como isso vai ser corrigido? Vão pedir pra ele devolver 10 anos de salário? Isso não é factível. Qualquer advogado vai ter ganho de causa em relação a isso, se a PM continuou pagando o salário dele [a responsabilidade é da corporação]”, aponta.

    Samira questiona se há outros sentenciados na mesma situação que o soldado. “Se aconteceu com um, pode acontecer com vários. É incoerente. Ele foi condenado por decapitar dois jovens, ele matava com requintes de crueldade, não tem de modo algum como justificar isso como um exercício da função”, finaliza.

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