Condições precárias de 2 prisões onde houve rebelião e fuga foram denunciadas em 2017

    Defensoria Pública de SP pediu interdição de unidade de Mongaguá, negada por desembargador que suspendeu saídas temporárias nesta segunda-feira

    Centro de Progressão Penitenciária de Porto Feliz, de onde fugiram mais de 500 presos, após a rebelião | Foto: Arquivo Ponte

    Os CPPs (Centros de Progressão Penitenciária) de Mongaguá, no litoral sul de São Paulo, e Porto Feliz, no interior do estado, palcos da maior fuga de detentos do regime semiaberto da história do sistema prisional paulista, registradas na segunda-feira (16/3), apresentavam graves problemas estruturais desde 2017. Dos dois presídios fugiram 1.157 presos.

    As inspeções nas duas unidades, coordenadas pela Defensoria Pública de São Paulo, aconteceram em novembro de 2017 e constataram racionamento de água, ausências de médicos, enfermeiros e psicólogos, faltas de camas, colchões, remédios e produtos de higiene, além da superlotação.

    A Defensoria Pública chegou a pedir a interdição parcial de Mongaguá em julho de 2018. O juiz Jamil Chaim Alves, coordenador do Deecrim-Santos, acatou as denúncias de irregularidades e baixou uma portaria prevendo a suspensão da entrada de mais detentos na unidade em novembro do ano passado.

    Parte do processo que pedia interdição parcial e informava à Corregedoria sobre portaria de juiz da Baixada Santista | Foto: reprodução

    Contudo, o desembargador Ricardo Anafe, corregedor geral de Justiça, reverteu a decisão. Foi Anafe quem acolheu o pedido do secretário de Administração Penitenciária de SP, coronel Nivaldo Restivo, de suspender as saídas temporárias (tanto as saídas para trabalhar e estudar, quanto a “saidinha” prevista para o feriado da Páscoa), estopim para as rebeliões desta semana.

    “A gente tem que dizer que a situação já era alarmante e bárbara. Imagino agora, com a pandemia do coronavírus. Através de laudos técnicos, o local foi definido como desunamo, insalubre e inabitável”, afirmou o defensor Mateus Moro, um dos coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública.

    “O juiz Jamil foi muito corajoso, o que não é fácil de achar no nosso país, e fez uma portaria para a não inclusão de presos. Infelizmente, a Corregedoria negou em uma decisão desumana, porque trata os presos como não cidadãos. Foi a mesma Corregedoria que deu a decisão desumana e inconstitucional, que acabou eclodindo em algumas fugas”, destacou.

    Segundo balanço divulgado no início da tarde desta quarta-feira (18/3) pela SAP-SP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária), 594 presos fugiram de Porto Feliz e 323 tinham sido recapturados, já de Mongaguá, escaparam 563 detentos e a polícia havia recapturado 219.

    A SAP reiterou que as fugas foram pontuais e aconteceram por causa da suspensão das saídas, medida tomada em caráter excepcional para impedir o avanço do coronavírus no sistema penitenciário paulista.

    Os presos, no entanto, reclamam das duas unidades há pelo menos três anos. Defensores públicos vistoriaram o CPP de Monagaguá em 10 de novembro de 2017. Na época, o presídio estava superlotado e abrigava 2.902 detentos, ,mas a capacidade era para 1.640 presos.

    Documentos obtidos pela Ponte apontam que os defensores ouviram relatos sobre a falta de camas para todos os presos. Não havia também colchões suficientes e a maioria deles estava em péssimo estado de conservação. Muitos detentos eram obrigados a dormir no chão.

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    O CPP de Mongaguá contava apenas com um médico. O único dentista atendia duas vezes por semana e era impossível dar conta da demanda de quase três mil presidiários. Os detentos também reclamaram da falta de remédios e produtos de higiene e limpeza.

    Parte do relatório da Defensoria Pública sobre as condições do Centro de Progressão Penitenciária de Mongaguá | Foto: reprodução

    Outra queixa frequente da população carcerária do CPP de Mongaguá era em relação ao racionamento de água. O abastecimento era normal da 4h às 7h; das 10h às 12h e das 15h às 17h.

    Os presos de Porto Feliz também reclamaram da escassez de água e da falta de banho quente, principalmente no inverno, durante a vistoria realizada pelos defensores públicos em 17 de novembro de 2017. O CPP abrigava 1.915 homens. A capacidade era para 1.080, ou seja, havia quase o dobro de presos nas celas.

    Unidades ficaram destruídas após incêndio | Foto: Sifupesp

    Os defensores públicos constataram que o CPP não tinha laudos da Vigilância Sanitária, da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros. Não havia também camas para todos os detentos. Os colchões eram ruins. Nem todos os presos recebiam o kit higiene (sabonete, papel higiênico, aparelho de barbear).

    Parte do relatório da Defensoria Pública sobre as condições do Centro de Progressão Penitenciária de Porto Feliz | Foto: reprodução

    Não havia um médico no presídio. Oito presos portavam doenças contagiosas e ficavam em uma cela de isolamento. O CPP dispunha só de enfermeiros.

    A direção do CPP informou aos defensores que o número de presos portadores de tuberculose estavam dentro da média nacional dos presídios, mas não revelou o total de doentes. Os detentos reclamaram ainda da demora na realização de exames clínicos.

    Na última segunda-feira, os presos destruíram parte das instalações do CPP de Porto Feliz e de Mongaguá. Neste último, oito funcionários foram mantidos reféns. Eles acabaram liberados horas depois e nenhum ficou ferido. Além dos dois CPPs, a Ponte recebeu e divulgou imagens da unidade de semiaberto de Tremembé, com alas incendiadas e documentos revirados nas salas de administração. Questionado pela reportagem, a gestão João Doria (PSDB) ainda não contabilizou os prejuízos.

    Pavilhão e sala de atendimento na Penitenciária de Tremembé | Foto: Arquivo Ponte

    A Ponte procurou a SAP para saber se os problemas relatados pelos presos dos dois CPPs aos defensores públicos em 2017 foram sanados. Até as 16h30 desta quarta-feira (18/3), a pasta não havia dado retorno e tinha informado apenas que a situação estava sob controle em todos os presídios.

    Em nota, a SAP afastou qualquer possibilidade de que os motins tenham sido articulados e que a ordem possa ter vindo de Brasília, onde estão confinados líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital), que ameaçaram greve de fome por causa de más condições na penitenciária.

    A SAP ainda não informou se havia identificado os líderes das insubordinações e também não respondeu quantos deles poderiam ser mandados para o castigo em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) e removidos para penitenciárias federais.

    A Administração Penitenciária explicou, no entanto, que os detentos que participaram das insubordinações vão perder o benefício do regime semi-aberto e voltar para o regime fechado.       

    Mesmo depois da fuga em massa, recorde e histórica, os CPPs de Porto Feliz e Mongaguá continuam superlotados. O primeiro abrigava ontem 1.820 presos e o segundo, 2.231. Os números estão disponibilizados no site da SAP.

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